08 fevereiro, 2019

Minha Correspondência com Francisco Marshall...


Querido diário:

Como sabemos, as correspondências (especialmente epistolares) se dividem em ativas e passivas. Pois minhas comunicações com Francisco Marshall ocorrem apenas de modo ativo, ou seja, enviei-lhe dois e-mails e não recebi nenhuma resposta. Por considerar que terei dito algo interessante, decidi trazer o que escrevi a público, editando ligeiramente. Seria mais profícuo se eu dissesse exatamente o que ele disse, um diz-que-diz relevante em muitos casos, mas nas presentes circunstâncias, impossível.

Em 4 de março de 2018, escrevi:
Gostei de tua coluna de hoje no jornal ZH, Caderno Doc, pois vejo o trio cérebro-mente-sociedade interligado, com determinações mútuas. Sempre foi assim, mas hoje sabe-se mais. Para economistas de minha simpatia, falou-se ou se fala em binômio cérebro-mão. Claro que o cérebro está moldado pela sociedade, da mesma forma que a mão. E a mão molda o cérebro e tudo ao revés. Ovo e galinha.
Porém. No final do artigo falas "Esqueça esquerda e direita". Eu, com traços inesquecíveis de esquerda em meu pensamento, ponderarei que, em geral, empatia (altruísmo) é de esquerda e egoísmo é de direita. Prudência é de esquerda e irracionalidade está mais para a direita (que não entende que precisa cultivar a sociedade, a fim de contar com indivíduos mais livres, se é que o objetivo dela é este). Humanidade é de esquerda e meus predadores são de direita. É o que me parece.

Em 3 de fevereiro de 2019, escrevi
Li com atenção a coluna "Pusilânimes" do Caderno Doc do jornal Zero Hora deste fim de semana. E achei que poderia contribuir para a compreensão dos limites do mercado, do estado e da comunidade em sua capacidade de agregarem preferências coletivas. Cito um trecho de um livro que editei em co-autoria com Vladimir Lautert, de uma passagem (longa, temo dizê-lo) inserido no capítulo final:

"[...] nem todas as nossas dificuldades resolvem‐se simplesmente com o apelo ao conceito de média. Em muitos casos, nosso interesse reside precisamente no valor total da distribuição e não apenas de sua tendência central. Faláramos antes em número médio de ovelhas por cão ou por lobo, mas, naturalmente, o que mais interessa no processo de criação de ovinos é o total do rebanho. E nosso interesse na própria ovinocultura é mais centrado na deliberação com que nos dedicamos a produzir bens e serviços, a fim de atendermos a nossas próprias necessidades materiais e mesmo espirituais. Ainda assim, pensarmos em bem‐estar espiritual leva‐nos para fora do escopo da ciência econômica, mais voltada ao estudo das condições de geração, apropriação e absorção do valor adicionado que associamos à produção de bens e serviços que propiciam o bem‐estar material. Deste modo, ao aprofundarmos a tentativa de mensurar o nível de bem‐estar material alcançado por determinada comunidade, precisamos fazer a associação entre fins (usos) e meios (fontes), na busca de traços de racionalidade da ação humana voltada a produzir bens e serviços. Desde o Capítulo 1 (Divisão), ressaltamos duas categorizações essenciais para dar conta das dimensões produtiva, alocativa e distributiva contidas na ação societária devotada à geração, apropriação e absorção do valor que a sociedade adiciona ao envolver‐se na produção de bens e serviços.

"Primeiramente, falamos na tríade mercado‐estado‐comunidade, deixando clara nossa visão da evolução do bando à comunidade, da complementaridade desta com a criação de direitos de propriedade e sua garantia pelo que hoje entendemos por estado. Seguimos sinalizando a importância que, como tal, este assume para viabilizar o aparecimento e a expansão da troca, da divisão do trabalho e, ao final, das economias monetárias. Também mencionamos que a forma como o poder é
distribuído entre os integrantes dessa tríade favorece em maior ou menor grau a geração de excedente econômico. Se uma comunidade fraca se deixa equilibrar por um estado forte, veremos o comprometimento da eficiência distributiva. Uma comunidade forte e espiritualizada poderá comprometer o desenvolvimento das forças produtivas, a divisão do trabalho e, como tal, o desenvolvimento do mercado. Um mercado forte pode desequilibrar a ação do estado fraco, enviesando o uso do poder político, em possível prejuízo da comunidade, para não falar no prejuízo direto, por exemplo, com a cobrança de preços monopolísticos pelos produtos que vemos transacionados."

[E aí começa a segunda categorização, que acrescento aqui no blog]
"De acordo com a segunda categorização, afirmamos que a vida social tem muitas instâncias organizativas, como é o caso da econômica, da artística, da jurídica, e por aí vai. Centrarmo‐nos na econômica não significa negar as demais, mas apenas destacar a esfera cujo estudo nos faz economistas. Neste caso, reunimos as organizações econômicas em três classes: produtores, fatores e instituições. Ao fazê‐lo, admitimos que nossos problemas com a mensuração já começaram com a definição de termos, pois o que chamamos de organização é designado em parte da literatura como instituição. Somos da turma que fala em instituição precisamente como o polo da ação econômica que envolve as famílias, o governo e as empresas que absorvem parte da produção e a relançam no processo produtivo na forma de investimento, a fim de produzir mais ou melhor no futuro. Da mesma forma, ao inserirmos o termo fatores na tríade, o usamos como abreviação para “locatários dos serviços dos fatores”, por entendermos que seus proprietários são precisamente as instituições, o que destaca uma relação entre a origem (a partir dos fatores) e o uso (pelas instituições) dos recursos disponíveis na sociedade a cada instante de tempo. Locatários tomam algo em aluguel e pagam por isso, mas esta formulação aumenta a ambiguidade. Com efeito, também afirmamos que os (locatários dos serviços dos) fatores realugam serviços dos fatores de trabalho e capital aos produtores que, naturalmente, lhes dão – aos serviços dos fatores – encaminhamento produtivo. Frases complicadas: é esse o preço que precisamos pagar para evitar a ambiguidade. Com a finalidade de simples registro, relembramos que falta um ponto para determinarmos inequivocamente o plano sobre o qual o fluxo circular da renda é desenhado. Trata‐se da relação encetada entre produtores e instituições, respectivamente origem e destinatárias da produção de bens e serviços, que será detalhada adiante."
É por aí.

DdAB

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