03 fevereiro, 2019

Mais uma Aula Antiga: comércio intra-indústria

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Querido diário:

Depois daquela aula do dia 17 de abril de 1997 (quinta-feira, aqui), encontrei umas notas também de aula na UFSC sobre o comércio intra-indústria. Fazia parte daquela disciplina em que assumi a coordenação, em substituição ao prof. Edvaldo, cuja capacidade teórica e prática o levara a rumos nacionais, tipo na agência nacional de energia. O roteiro da aula foi:

Introdução
A. Teoria do Comércio Intra-indústria
B. A Medida do Comércio Intra-Indústria
C. Um Modelo de Comércio Intra-Indústria
Moral da História

INTRODUÇÃO
. o comércio inter-indústria é aquele que se dá, por exemplo, com a empresa de automóveis Toyota, que compra minério de ferro, digamos, da Austrália, faz aço e carros e os vende aos EUA
. no caso do comércio intra-indústria, a questão é do tipo: por quê o Brasil compra vinho argentino e vende vinho para a Argentina?
. vamos responder a esta questão básica em etapas.
. dar uma olhada na teoria das vantagens comparativas, evocando os nomes de David Ricardo e Hecksher-Olin (Eli Heckscher e Bertil Ohlin, da Escola de Economia de Estocolmo), que apresentam três problemas
.a a maior parte do comércio mundial ocorre entre países com dotações de fatores assemelhadas
.b a expansão do comércio mundial do pós-guerra não tem levado a grandes realocações de recursos
.c boa parte do comércio mundial é intra-indústria
. mas o que é comércio intra-indústria?
É o comércio de produtos produzidos pela mesma indústria, ao contrário da noção mais convencional de que uma indústria vende motosserras e outra vende talheres.
. mas como explicar a exportação e importação simultânea do mesmo produto, ou de produtos similares? tipo: vinho, automóveis, talheres, motosserras, algodão.
. as novas teorias do comércio internacional centram seu interesse nas economias de escala e na diferenciação do produto.

A. TEORIA DO COMÉRCIO INTRA-INDÚSTRIA
. a teoria tradicional do comércio internacional tem sua formulação por meio da dupla Hecksher-Olin: o país tem vantagem comparativa na produção do produto que usa intensivamente o fator disponível em abundância.
. país com abundância relativa de trabalho exporta mais produtos intensivos em trabalho e importam bens intensivos em capital dos países com abundância de capital.
. um corolário desta proposição é que países com dotação de fatores assemelhados não terão muito comércio.
. outro corolário é que o comércio entre países de dotações diferentes implicará a equalização dos preços dos fatores.
. mas, a partir dos anos 1960s, começou-se a constatar que havia exceções a esse padrão com a presença de troca de produtos iguais (tipo vinho contra vinho ou algodão contra algodão).
. de fato, observou-se que os Estados Unidos vendiam algodão ao Egito e dele também compravam precisamente algodão, a França e a Inglaterra com lã
. os modelos tradicionais, adotando a moldura da concorrência perfeita, deixaram de investigar as consequências da presença tanto de economias de escala quanto da diferenciação do produto.
. existe diferenciação do produto, pois os consumidores preferem produtos similares, mas não idênticos. Lembrar o famoso artigo de Kelvin Lancaster e a relação próxima entre não mais de quatro produtos substitutos.
. todavia, se os custos em dois países são diferentes, volta a valer a teoria de Heckscer-Olin: só produz o país cujo custo é menor: produzem-se os produtos em que o aproveitamento das economias de escala expandem a competitividade das exportações.
. o diagnóstico do comércio intra-indústria foi feito nos países desenvolvidos, mas também vale para os subdesenvolvidos.
. as primeiras explicações foram:
... diferenciação do produto
... flutuações sazonais (soja em julho e soja em dezembro para abastecer a indústria da prensagem)
. reexportação: Argentina e Cuba com produto americano (automóveis lá naqueles tempos da aula).
. em particular, em termos industriais Linder (1961) disse que só se exporta um produto se houver demanda doméstica, o que difere dos produtos primários: posso não processar urânio, mas exportá-lo.
. as faixas de importação e exportação potenciais de um país é que vão determinar seu comércio: quanto mais os países exibirem estruturas de demanda semelhantes, mais eles trocarão,
. as uniões tarifárias europeias: BENELUX e a subsequente Comunidade Europeia mostraram que a maior parte do comércio foi de vender fora o que já se produzia localmente e comprar dos demais.
. Grubel e Lloyd ampliaram este argumento, mesmo para países sem uniões aduaneiras. E o mesmo fenômeno foi observado entre os então países socialistas.
. Helpman e Krugman (1985) disseram que níveis de renda per capita semelhantes levam à expansão das trocas bilaterais intra-indústria.
. Kelvin Lancaster diz que, com economias de escala em ação, quanto maior o mercado, mais possibilidades de diferenciação.
. mas deve-se ter cuidado para não ser levado a pensar em comércio intra-indústria devido ao excesso de agregação (se falarmos apenas em indústrias com "dois dígitos" de agregação, é possível que tudo seja incluído.
. mais detalhadamente, se classificarmos a tradicional divisão
... bens de consumo durável
... bens de consumo não-durável (consumo corrente)
... bens intermediários
... bens de capital,
praticamente tudo é comércio intra-indústria por contraste. Se pensarmos em vinho tinto marca tal, safra tal, não haverá comércio intra-indústria.
. obviamente isto determina a magnitude do comércio.
. e pode comercializar produtos homogêneos? sim, devido à sazonalidade, ao custo de transporte baixo, ao alto custo da armazenagem (perecibilidade, massa de pão francês na Inglaterra que viaja ainda fermentando no compartimento de carga do navio e é cozido de manhãzinha)
. e isto justifica a teoria de Heckscher-Olin.
. quais os determinantes do comércio intra-indústria?
... diferenciação do produto (design, performance),
... economias de escala (internas e externas): complementaridade industrial, mão-de-obra treinada
... ciclo do produto de Raymond Vernon: o país inventor abre filiais no exterior, mas o produto é imitado e ganha parte de seu mercado doméstico (do inventor),
... o nível de desenvolvimento do país,
... os níveis de renda,
... o tamanho dos mercados,
... a dotação de fatores de produção e
... as barreiras comerciais.

B. MEDIDA DO COMÉRCIO INTRA-INDÚSTRIA
. já acentuei que a agregação ou desagregação dos dados industriais pode fazer um tudo ou nada virar comércio intra-indústria (R), ou negá-lo.
. mas há medidas razoáveis que fazem todo sentido, contornando esta peculiaridade.
. inicia-se definindo comércio total (CT, entendido como fluxo comercial) de um país, X são as exportações de bens e serviços e M são as importações correspondentes. Então
 CT = X + M
. e esta grandeza pode ser calculada para a indústria i em um ano específico, levando-nos a escrever:
R =CT - CIT,
onde R é o comércio inter-indústria/s.
O comércio intra-indústria é dado por
CIT = X - M,
ou seja, o saldo comercial de cada mercadoria é exatamente a absorção líquida de um país dos produtos da mesma indústria localizada em outro país.
Combinando e mudando ligeiramente as duas definições anteriormente exibidas,
R = X + M - |X - M|,
onde a expressão |X - M| é o módulo do saldo do balanço de pagamentos em conta corrente.
. inventei três exemplos:
... X maior que M, com X = 20, M = 10, levando a R = 20
... X = M, com X = 20, M = 20, levando a R = 40
... X menor que M, com X = 20, M = 30, levando a 60 = 50 + 10.
. a partir deste ponto, podemos construir o índice de Grubel-Lloyd para a indústria i, IGLi:

IGLi = (Fluxo comercial - Módulo do saldo comercial)/Fluxo comercial
         = (Comércio total - Comércio Inter-indústria)/Comércio total.

. este índice assume o valor zero quando não há nenhum comércio intra-indústria, com todo comércio sendo inter-indústria, pois as dotações dos fatores entre as indústrias i dos dois países são diversas,
. passando a exibir o valor 1, quando todo comércio é intra-indústria, sendo a dotação dos fatores dos dois países e indústria i idêntica, por haver economias de escala e diferenciação do produto.
. quando o IGLi é maior que zero, mas menor que a unidade, há algum comércio intra-indústria, com aproveitamento das economias de escala e diferenciação do produto,
. quando o IGLi é menor ou igual a 0,5, predomina o comércio inter-indústria; se há efeitos de escala e diferenciação, estes são compensados pela dotação relativa dos fatores de produção.
. por exemplo, se X = 1.234 e M = 310,
IGLi = ((1.234 + 310) - (1.234 - 310))/(1.234 + 310) = 0,4
[se não me equivoco, pois havia um erro de cálculo horrível na anotação que usei na aula]
Com este IGLi = 0,4 e ainda as exportações têm valor maior que as importação, podemos dizer que o comércio é predominantemente inter-industrial e que a indústria local é mais competitiva do que a do resto do mundo.
. com esse mesmo IGLi de 0,4, mas se as exportações excederem as importações, diríamos que o resto do mundo é que é mais competitivo do que a economia doméstica.
. se IGLi é maior que 0,5 e simultaneamente, há superávit no balanço de transações correntes (X maior que M), predomina o comércio intra-industrial. Isto implica que a indústria do gênero i doméstica tem maior potencial competitivo do que a correspondente indústria do resto do mundo.
. se mantemos o IGLi maior que 0,5, mas agora há déficit no balanço de transações correntes, simetricamente, a indústria local tem menor potencial competitivo do que a do resto do mundo.
. para o total da economia, o índice de Grubel e Lloyd pode ser calculado como uma média aritmética ponderada dos índices das indústrias específicas em evidência. Passando a chamar agora o IGLi de Bi, o Btot é dado por
Btot = S bi * Bi
onde aquele S é a operação soma, normalmente indicada por um sigma, que não sei colocar em HTML...
Então os Bi são ponderados pelo fator bi. Este é a participação do fluxo de comércio do setor i no fluxo de comércio total do país.
. no caso do Brasil de 1990 [velhinho, hein?] foi de 0,59, ao passo que a média apenas entre dois setores específicos (714 e 716 da ISIC) alcançou apenas 0,37.
. para o ano de 1989, apresentei alguns dados do IGLi do Brasil com relação a alguns países:
Alemanha = 0,67
Argentina = 0,83
Chile = 0,88
Estados Unidos = 0,93
Itália = 0,72
México= 0,98
Paraguay = 0,98
Uruguay = 0,71.
. naturalmente no devido tempo foram criadas algumas variantes do IGLi, destacando-se a correção para os desequilíbrios comerciais. Neste caso (dos desequilíbrios comerciais), Aquino propôs outro índice. Seu suporte básico é tomar o valor do desequilíbrio global da balança comercial (ou transações correntes?) e distribuí-lo proporcionalmente entre as indústrias.

C. UM MODELO DE COMÉRCIO INTRA-INDÚSTRIA
, sendo, como anteriormente, R o comércio intra-indústria,
. ND o nível de desenvolvimento,
. DND os diferenciais no nível de desenvolvimento
. TM o tamanho do mercado,
. DTM a diferença entre os tamanhos do mercado
. IE a integração econômica e
. CMT o custo médio do transporte,
então o modelo pode ser expresso como:

R = f(ND, DND, TM, DTM, IE, CMT)

. os resultados esperados  são:
ND = nível de desenvolvimento deve variar positivamente com o nível de comércio intra-indústria; me outras palavras, quanto maior a renda de um país, maior a diversificação de seu padrão de demanda (renda per capita elevada correlaciona positivamente)
DND = diferença nos níveis de desenvolvimento, quando países mais ricos tendem a querer consumir produtos mais sofisticados, logo o mais pobre não compra do mais rico, e vice-versa
TM = tamanho dos mercados: quanto maior o mercado, mais economias e de escala e mais diferenciação do produto são exploradas
DTM = a diferenciação do tamanho dos mercados implica que mercados nacionais de mesmo tamanho tendem a gerar o mesmo volume de diferenciação do produto
IE = integração econômica: parceiros comerciais em esquemas de integração econômica, ao reduzirem as barreiras alfandegárias ao comércio, favorecem mais transações
CMT = custo médio de transporte: como o custo é transportar o produto, pouco se sabe sobre ele no país adquirente. Ademais, o custo alto representa uma barreira via custos.

. estimou-se a equação dada pelo modelo que acabei de referir, alcançando os resultados:

R = 45 + 2 ND + 0,02 DND + 0,3 TM - 0,009 DTM + 20 IE - 0,3 CMT,

. usou-se um cross section de 85 setores.

MORAL DA HISTÓRIA
. parece que não haverá problemas em colocar novos produtos.
. o verdadeiro problema reside na democratização das oportunidades de consumo da população. Segue-se que o emprego doméstico é vital.
. E emprego doméstico não requer muita competitividade em serviços non-tradeables., em especial os serviços pessoais.
[Hoje eu vacilaria em dizer isto, pois acho que até cirurgias poderão ser importadas da China, em certo futuro, usando a tecnologia 3D]

DdAB
P.S. Tinha dois lembretes em minha "folha de rosto" das notas da aula:
. há problemas no cálculo dos dois índices
. é preciso pegar outro texto sobre medida!
... ou seja, eu pensava usar essas notas para publicar algo, como fiz ao longo de minha carreira com quase todos os textos didáticos.

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