13 maio, 2015
Simonsen: conjuntura e desenvolvimento
Querido diário:
Hoje aconteceu uma daquelas coisas que costuma repetir-se a cada 40 anos, ou algo assim. Como não tenho nem 80, torna-se claro que hoje é realmente o primeiro dia de minha vida... Não é que estava eu dando uma olhada no livro
SIMONSEN, Mário Henrique e CAMPOS, Roberto de Oliveira (1974) A nova economia brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio.
que adquiri em 1975, na condição de aluno do hoje chamado PPGE/UFRGS, provavelmente por influência (carga de leitura) do prof. David Garlow. E que encontro? Um recorte, ou melhor, uma página inteira do jornal Correio do Povo, quarta-feira, 24 de novembro de 1976, página 23 da seção Noticiário.
Agora, despido de Campos, Simonsen falava na condição de ministro, vejamos:
RIO, 23 (Sucursal) - O ministro Mário Henrique Simonsen pronunciou hoje na Escola de Guerra Naval , conferência intitulada 'Táticas de Conjuntora e Estratégia de Desenvolvimento'. É o seguinte, na íntegra [nota bene: transcrevo apenas a primeira seção], o pronunciamento do ministro da Fazenda:
1) Objetivos e Condicionantes em Política Econômica
Seria ocioso lembrar que o principal objetivo de qualquer política econômica deve residir na melhoria do padrão de vida da população. Ou, o que é o mesmo ,aumentar quantitativa e distributivamente o mercado interno de bens de consumo. Ocorre que, pelo menos a médio e longo prazo, um país não expande seu mercado interno de quanto quer, mas de quanto pode. A análise econômica nos ensina que a trajetória de crescimento do consumo, ao longo do tempo, está sujeita a auma série de condicionantes limitativas que convém relembrar:
A) nenhuma nação pode consumir mais do que produz, a menos que se descapitalize ou se endivide externamente; como nenhum banqueiro empresta a quem se descapitaliza, a única maneira sustentável de elevar os padrões de consumo consiste em aumentar os índices de produção;
B) o aumento de produção só se consegue através da capitalização da sociedade via investimento; os investimentos só podem ser financiados pela poupança interna, que significa a abstenção de consumo, ou, complementarmente, pela poupança externa;
C) os padrões de consumo que interessa aumentar são os reais e não os nominais; a tentativa de expansão do mercado interno além das possibilidades pode ser frustrada pela inflação;
D) um país não pode viver com suas contas externas em permanente desequilíbrio;
E) um país absorve poupanças externas na medida em que seu consumo mais investimento excede o Produto Nacional Bruto; o excesso, que é a absorção líquida de poupanças externas, coincide com o déficit em conta-corrente do balanço de pagamentos., isto é, o déficit comercial mais o de serviços e transferências unilaterais;
F) só há três formas de financiamento do déficit em conta corrente: o aumento da dívida externa, o ingresso de investimentos externos diretos e a perda de reservas cambiais. Esta última forma só pode ser usada transitoriamente; se conceituarmos como dívida externa líquida a dívida bruta menos reservas, podemos afirmar, contabilmente, que o acrescimento da dívida líquida é igual ao déficit em conta corrente menos o ingresso de investimentos diretos;
G) assim sendo, dívida líquida não é causa, mas efeito do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos;
H) um país de moeda inconversível, como o Brasil e a virtual totalidade dos países em desenvolvimento, tem que pagar sua dívida externa em moeda estrangeira, a capacidade de endividamento de um país está, assim, estreitamente correlacionada com a sua capacidade de gerar divisas via exportação de bens e serviços. Essas condicionantes, quase todas tautológicas, têm que ser levadas em consideração em qualquer model ode desenvolvimento. Coo todos os freios aos sonhos de uma sociedade, elas se podem considerar bastante antipáticas, mas a teoria prevê e a experiência confirma que o esquecimento de qualquer destas limitações ao crescimento do consumo redunda em estrondoso fracasso na vida de qualquer economia. Abstrair essas condicionantes é um fútil exercício de revolta contra a aritmética.
Certamente essas limitações ao crescimento sempre existiram e foram devidamente ressaltadas nos manuais elementares de economia. O aumento dos preços do petróleo, em fins de 1973, simplesmente as tornou muito mais apertadas, sobretudo para as nações em desenvolvimento importadoras de petróleo.
O artigo segue com mais três ou quatro vezes o tamanho do trecho que acabo de transcrever. O restante inteirinho (toda a seção 2) obedece ao título de "O Panorama Econômico Internacional".
Tem muita coisa para comentar, o que -talvez- eu mesmo venha a fazer nos próximos tempos. Como disse Marx sobre Balzac, como disse Cortázar sobre Borges e como disse Antonio Barros de Castro sobre a ditadura militar, não nos devemos enganar, não devemos confundir a ação reacionária com o legado literário nos dois primeiros casos e "desenvolvimentista" no outro. Quero dizer, Simonsen foi um homem que serviu a ditadura militar, um ministro competente e que até perdeu o pé para gente mais a sua direita, inclusive o sr.Antonio Delfim Netto.
Também pode ser que eu venha a trazer mais detalhes sobre outro trabalho de Mário Henrique Simonsen, desta vez já fora do governo, lá naqueles tempos, publicado pela revista Veja, quando ainda lhe restavam a ela traços de decência. É óbvio que os escritos de Simonsen lá naquele contexto o caracterizaram como um social-democrata. E interessante que é expandir o assunto, tempos depois dele, o sr. José Serra, naqueles tempos, também escreveu um alentado artigo para a mesmíssima Veja, deixando clara sua visão não muito destoante de Simonsen.
O que eu desejo com esta postagem é deixar claras algumas tiradas retóricas de Simonsen, em particular aquela questão das tautologias e das afrontas à aritmética. Como sabe meu leitor diuturno, declaro-me o paradigma do pensamento de esquerda contemporâneo, como ainda referi recentemente: nada de nacionalismo, nada de protecionismo, nada de estupidez aritmética. Ou seja, parece óbvio que há um vetor constituído pelos valores numéricos das variáveis taxa de juros, taxa de câmbio, taxa de salário e déficit público que dá equilíbrio (poderiam lá os anti-equilibristas dizer 'dá consistência') macroeconômico ao sistema.
O Brasil do primeiro governo Dilma perdeu esta condição e agora está pagando um preço altíssimo para recuperá-la. Aos que vão nascer: estude sem preconceitos, escolha um paradigma analítico, aproprie-se de suas equações tautológicas/aritméticas fundamentais (e, claro, das equações de comportamento) e nunca fuja delas, nunca as contrarie, nunca contrarie a lei da oferta e procura.
DdAB
A imagem tirei-a deste blog aqui. A matéria ão me pareceu muito interessante, não chegando ao ponto de induzir-me a lê-la todinha. Por outro lado, parece óbvio que a ideia de ornitorrinco associada ao descalabro brasileiro é iniciativa de Chico de Oliveira. Eu gostaria de saber especificamente se ele é nacionalista, protecionista, essas coisas. E se acha que é melhor formar capital físico do que capital humano.
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