07 março, 2010

VIOLÊNCIA E SEGURANÇA PÚBLICA


Querido Blogue:
Li (Somewhere, p.1947) que o Sr. Marshall Rosemberg (não sei quem é) disse que a violência nada mais é do que a “manifestação trágica de necessidades não atendidas”.

Ora, o Sr. Aurelião diz de violência: 4.Jur. Constrangimento físico ou moral; uso da força; coação.

Neste caso, torna-se claro que a violência consiste em ação da parte de um indivíduo ou grupo, inclusive governantes, que restringe a liberdade de ação de outro/s. Ou seja, forçar comportamentos nos outros que atendam aos interesses do “violento”.

Ademais, parece-me que “necessidades não atendidas” abarca todo tipo de ação, pois – sabemos desde a primeira aula do mais elementar curso de Introdução à Economia – as necessidades humanas são ilimitadas. Neste caso, a bondade e a habilidade de nunca desafinar no canto orfeônico também são manifestações de necessidades não atendidas. Cá entre nós... Ficaria a diferença no “trágica”, o que me parece insuficiente.

O desejo de segurança é algo tão básico que sequer pode ser considerado uma criação humana. Ora, os animais também desenvolveram a função de segurança individual e coletiva, perfeitamente delegada pela coletividade a alguns indivíduos (formigas, lobos etc.). Pensando em diferenciar-se dos animais, os indivíduos humanos organizam-se em comunidades (aliás, como os bichinhos) e estas vieram a constituir o estado (lá esta maldade os bichinhos não produziram e, se o tivessem feito, não escreveriam com “e” maiúsculo, I guess). O estado exerce funções que não podem ser desempenhadas pelo mercado, ainda que possa atuar em paralelo com este. Ao mesmo tempo, o Estado atua por delegação da comunidade, ainda que, às vezes, possa agir contrariamente aos interesses desta (como a corrupção dos políticos). Dizer que a segurança existe quando os indivíduos (“as pessoas”) cuidam umas das outras evade a questão: quem deve cuidar de minha segurança essencialmente, além de mim próprio e dos membros de minha comunidade mais próxima (vizinhos), é o Governo, que foi constituído precisamente para prestar este tipo serviço cuja provisão pelo mercado é impossível.

A ação dos indivíduos na provisão dos serviços de segurança pública tem dois óbices importantes. Primeiro, eles não têm poder de polícia, nem atribuição de administrar a justiça. Em segundo lugar, não existe um incentivo emanado do mercado que permita que os indivíduos prestem segurança pública aos demais. A ação do Estado torna-se possível, pois ele tem o poder de tributar e, como tal, presta o serviço que – de outro modo – não teria financiamento. No jargão econômico, diz-se que a segurança pública (além de outros serviços, como a iluminação pública e as amenidades ambientais) é um bem público, significando que:

.a. se houver provisão para um, haverá provisão para os demais, sem que o custo se eleve (diferentemente de um restaurante, em que a provisão ilimitada é impossível, pois a cozinha não pode atender a todos, nem haverá garfos) e

.b. o consumo de um não exclui o consumo dos demais (diferentemente do restaurante, em que quem não paga não come).

Acho evidente que meu sentimento de segurança é uma das causas meu bem-estar. Por seu turno, a segurança, evidentemente, é conseqüência da ação de um governo sério. E a insegurança é conseqüência da ação de governos como os que temos visto no Brasil desde os anos 1970: incompetentes, anti-democráticos e incapazes de entender a natureza das aflições da população. Ou seja, do loteamento do setor público para cooptar as elites e seus filhotes em troca de apoio político para a implementação de reformas anti-democráticas que nos distanciam do socialismo.

Por mais que atuemos em defesa da segurança pública, enquanto indivíduos e mesmo enquanto membros de alguma associação comunitária, nossos resultados serão modestos. Não podemos substituir as funções do sistema judiciário. Para não falar no encarceramento dos juízes que ganham R$ 27.000 por mês, podemos argumentar com as funções de polícia: prevenção, repressão e punição. Mas que será que podemos fazer para que o aparato governamental pare de roubar o dinheiro público ou gastá-lo em fins esdrúxulos (patrocinar o vôlei, promover coquetéis de lançamento de shows de música)?

Existe uma explicação da ação governamental que se chama de “teoria da troca voluntária”. Esta diz que eu pago impostos em troca do recebimento da ação governamental que considero adequada. Neste caso, creio que nossa responsabilidade não é de criarmos “segurança pública”, o que é uma função muito mais estatal do que comunitária. Ainda que possamos desempenhar ações comunitárias, tenho a sensação de que o diferencial realmente será dado pela ação governamental. E temos a responsabilidade de cobrar ação dos governantes.
DdAB

2 comentários:

Sílvio e Ana disse...

A violência dá um lucro absurdo, principalmente porque não precisa seguir as regras. Chico Mendes tá incomodando? Mata o cara logo. O político não aceita suborno? Faz uma "proposta irrecusável".
Nunca háverá punição severa para quem tem tanto dinheiro, estendendo sua influência até o judiciário.
Como poderíamos fazer com que a bandidagem tivesse menos lucro? Como poderíamos fazer com que seu negócio falisse?
Será que teremos que andar armados e treinar para sacar mais rápido?
(Sílvio)

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

aí, S.:
na sociedade igualitária:
.a. tem pouco bandido, pois
.b. tem muita gente trabalhando no sistema judiciário (polícia, julgamentos, presídios)
.c. alguns que sereiam bandidos, ao verem que lucro não será alto (probabilidade de ser preso é alta), preferirão os empregos de cuidar de velho, cuidar de criança, cuidar das margens das rodovias.
DdAB