Querido Blog:
Semanas atrás, um menino de rua indagou-me a diferença entre Dupont e Dupond. Disse-lhe ser impossível distinguir, ao que ele retrucou que [a], onde aij é o elemento característico desta matriz de história. Fuere como fuera, ele voltou a encontrar-me num jogo de osso e disse-me que catadupa é uma "bruta duma queda dágua". E que nas estações de trem, como na que seu bisavô materno foi chefe, havia as catadupas às pampas, pois as locomotivas resfolegavam "mais que papeleiro", teria acrescentado (e pensado: "mais que burro de papeleiro").
Em seguida, pediu-me para explicar-lhe a diferença entre psiquiatria e psicanálise, o que recusei-me a fazer, pois já o fizera à exaustão durante o terceiro ano do curso colegial. Mas sugeri-lhe que poderia explicar a diferença entre informação e conhecimento. Ele, antes de aceitar, indagou-me que quis eu dizer ao usar o verbo "retrucar". Eu retruquei que falei só por farra, pois falo mais em replicar, redargüir, retorquir, inclusive achando chulo este troço de "retrucar", pois sempre penso no jogo de truco, onde se dá o truco, se retruca e mais coisas de que agora não lembro, pois estou coçando a cabeça com o garfo.
Então ficou assim:
.a. ciência: conjunto de conhecimentos socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente acumulados, dotados de universalidade e objetividade que permitem sua transmissão, e estruturados com métodos, teorias e linguagens próprias, que visam compreender e, possivelmente, orientar a natureza e as atividades humanas.
Ao ouvir isto, o menino de rua indagou: que é conjunto? que é conhecimento (disse que responderia no próximo verbete), que é social, que é advérbio, que é produção, que é história (também irei responder), que é acumulação de capital, Rosa Luxemburg etc., qual a diferença entre universidade e universalidade, existe objetividade em ciência? e em penteados?, que é transmissão? que é estrutura, que é Althusser? que é método, que é teoria, que é linguagem, que é propriedade, que é visão, que é compreensão, que é natureza, qual a natureza da natureza humana? atividade é sinônomo de indústria? Respondi que iria estudar e depois responderia.
.b. conhecimento: falei para ele: "é um documento representativo de mercadoria depositada ou entregue para transporte, e que, se endossado, pode ser negociado como título de crédito, como o conhecimento de carga e conhecimento de depósito." Ele não gostou e disse: "que achas de entendermos, no sentido mais amplo, conhecimento como o atributo geral que têm os seres vivos de reagir ativamente ao mundo circundante, na medida de sua organização biológica e no sentido de sua sobrevivência." Disse achar bom e ele prosseguiu: "E que tal esta visão de que é o processo pelo qual se determina a relação entre sujeito e objeto?" Disse-lhe parecer-me um tanto quanto como direi. Ele prosseguiu, destemido: "E a apropriação do objeto pelo pensamento, como quer que se conceba essa apropriação, como definição, como percepção clara, como apreensão completa, como análise etc." Disse-lhe achar complicado. Ele concluiu, triunfante: "Então somos forçados a crer que é a posição, pelo pensamento, de um objeto como objeto, variando o grau de passividade ou de atividade que se admitam nessa posição." Anuí.
.c. cultura: Disse-me apenas: "a cultura é uma das categorias da dialética que permite-nos proceder à análise do processo pelo qual o homem, por meio de sua atividade concreta (espiritual e material - insistiu), ao mesmo tempo que modifica a natureza, cria a si mesmo como sujeito social da história." Falei: "Então precisaremos caprichar na definição de 'história'". Ele anuiu.
.d. história: já coordenados, falamos em jogral (ver): enredo, trama, fábula, patranha, lorota, peta; conto, complicação, amolação, chateação, luxo, melindre, dengue, complicação, relação amorosa; caso, aventura, coisa, objeto, negócio, troço. Um motorista de um bandeirante apenas olhou-nos de soslaio (ver).
.e. informação: falei rápido: é medida em bits ou nits. Os bits são usados para a linguagem binária e os nits quando a unidade de medida da informação original é dada em logaritmos neperianos. Ele anuiu, mas disse, como que me censurando, e acho que indevidamente: "Mas tu não vai esquecer de dizer o que é instituição." E eu disse o que segue.
.f. instituição: estrutura decorrente de necessidades sociais básicas, com caráter de relativa permanência, e identificável pelo valor de seus códigos de conduta, alguns deles expressos em leis; instituto. Ele coçou a cabeça com um garfo e disse: "E garfo?" Eu disse o que segue:
.g. garfo: é o substantivo correspondente ao verbo "garfear", que é o que os políticos e ladrões brasileiros fazem com a liberdade do povo, doce povo. Ele coçou a cabeça com o garfo... Acrescentei: "instrumento utilizado, à falta de pentes de piolho, para coçar a cabeça de humanos e máquinas". Ele coçou a cabeça com o garfo.
.h. zurzir: verdascar, o último substantivo do dicionário, fora umas bobagens derivadas de nomes próprios, como entrará ainda o seguinte apelido que darei a uma abelha a quem estou ensinando a dançar tango em Porto Alegre: zzumzumzumzun.
Depois, o menino de rua indagou-me a diferença entre "armagedron" e "asimatopoulos". Felizmente a sinaleira abriu e eu também abri, sem deixar de abrir-me para a erudição dessa rapaziada, nem tendo tido tempo de mandá-lo à Wikipedia de Portugal.
Mas eu ainda pude postar isto na mãozinha dele: "Cultura é, de acordo com Tylor, escrevendo em 1871, "aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costumes, e todas as outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade." E ele disse que eu estaria citando quase que verbatim o Sr. HELMAN, Cecil G. (2003) Cultura, saúde e doença." ArtMed, na p.12.
Ele disse: "Cultura e curtura é a mesma coisa." Eu disse: "prá mim, também".
DdAB
4 comentários:
zzumzumzumzun!?
Caro (caríssimo) Professor: sob o impacto das suas últimas explanações que, por sua amplitude e complexidade, em muito ultrapassam minha capacidade de compreendê-las (e, quiçá, de compreendê-lo), embora mantenham e até ativem minha disposição de seguir aprendendo consigo, busquei socorro no Novo Aurélio (impresso, 1ª. Edição – portanto, um Velho Aurélio), a fim de certificar-me do lugar ocupado pelo vocábulo “zurzir” no dicionário.
Sim, Ud. tem razão, está lá: topologicamente é o antepenúltimo, mas o último que tem algum significado: “zurzir” é açoitar, espancar, maltratar, molestar, punir, castigar, criticar com severidade, repreender asperamente ... Ui! Tomara a gente nunca seja zurzido, especialmente por aqueles que mais apreciamos e amamos. Mas dá para supor que seja suportável (até mesmo inevitável) uma ou outra “zurzidela” – que vem a ser o ato ou efeito de zurzir uma vez, de leve – embora seja assustador que o Aurélio nos recomende ver, também, o significado de “surra”! Tudo fica mais ameno pelo fato de que “zurzir” é uma possível alteração de “cerzir”: unir, reunir, juntar, coser, de modo que não se notem, ou mal se notem, as costuras.
Reparando nas palavras vizinhas (são poucas – a letra Z ocupa apenas 4 páginas do Aurelião), noto que, fora “zurro”, “zurrar”, “zurrador” – todos termos associados ao burro e suas vozes - há palavras muito interessantes, como: a) “zureta”: adoidado, amalucado, zuruó e b) “zuruó”: amalucado, adoidado, zureta, ambas significando louco manso, completamente inofensivo, genioso, irascível, indignado. Pensei: genioso? irascível? indignado - será que isso tem que ver com “arretado”? Mas não: “arretado”, que o Aurélio grafa como “arreitado”, quer dizer - surpresa! – bonito, elegante, excelente, bacana, legal, e uma série de outras idéias apreciativas.
Quanto a “zumb-zumb”, zumbir, objeto do meu não-comentário anterior, só tenho isso a dizer – ou seja, nada. Um zumbido diz tudo. Basta zumbir, zumbizar – é puro som, que os humanos fazem com a boca imitando o que os insetos fazem com as asas.
Peésse: perdoe a pobreza do estilo - entre outros defeitos, marcado pelo excesso de vírgulas. Pelo excesso, enfim.
Querido Dr. Ellahe:
Sempre me alegram suas considerações, tanto que o considero um verdadeiro almanaque (id est, publicação que, além de um calendário completo, contém matéria científica, literária, informativa e, às vezes, recreativa e humorística). Calendário completo - diz-se do professor ou professora que preenche escrupulosamente pelo menos 23 horas do dia, reservando uma delas para a ginástica. Matéria científica - é a busca de expressão formal (lógica ou matemática) nas idéias mais simples, a fim de -ao enfrentar as mais delicadas- poder-se tratá-las como se tratam as flores. Literária - diz-se da veia que corria pelo corpo de Dickens, Balzac, Tolstói e Dostoievski, os quatro romancistas contemporâneos de Karl Marx e declarados como seus preferidos. Informativa - é a revista do Centro Acadêmico dos Estudantes de Informática da Universidade Federal do Pampa, ou pelo menos foi o que me disse um menino de rua. Às vezes - é o que se diz de Julio Iglesias: às vezes desejamos vê-lo morto e no resto do tempo, também. [Apenas anedótica,] [R]ecreativa e humorística - é o que pensam alguns que descreve a ambição que tenho com relação a estes escritos e uns manuscritos que reservo para jogar num poço que ainda ser-me-á indicado por meu astrólogo.
DdAB
Ai, Professor: de todas a sumidades citadas, de momento só me ocorre citar uma canção do (zás!) Julio Iglesias, que diz: "Tropecé de nuevo con la misma piedra ... en cuestión de amores nunca aprenderé ... tropecé de nuevo y con el mismo pié!" Espero que essa minha afeição por manifestações da cultura pop-vulgar não abale meu pretigio junto a Ud.
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