22 maio, 2015

Paradoxo de Abilene e Dilema de Prisioneiro


Querido diário:

Dias atrás, linhas sinuosas caíram-me aos olhos e fui-me achegando ao Paradoxo de Abilene. Vim a saber que Abilene é uma cidade bíblica na atual Turquia e há, digamos com exagero, milhares de congêneres nos Estados Unidos. E isto fez-me pensar sobre a correspondência entre paradoxo e dilema, ou melhor, o de Abilene e o do Prisioneiro.

Ao invés de olhar enciclopédias sobre o significado simples das palavras paradoxo e dilema, decidi pular mesmo é no meu dicionário. Sobre paradoxo, a maior frase de efeito é mesmo talvez minha mesmo, ou melhor, nunca vi ninguém dizer para os alunos que o paradoxo é o primo do sofisma. Explico-me: o paradoxo (como aquele velho paradoxo hidrostático, ver nota 1) é uma verdade com aparência de falsidade, ao passo que o sofisma é a falsidade (aquele a = 2a, ver nota 2) com aparência de verdade. Não é isto?

Uma vez que o dicionário aurelião segue o princípio lexicográfico (exceto, já falei?, um do MEC, que tem quebra nesta sagrada ordem na página 297, com o verbete CHEIO seguido de CHARADEIRA e depois dela CHEIRADOR, e por aí seguiu. Claro que charadeira está fora da ordem alfabética, mas a questão é ainda mais séria: erro de ortografia, pois a encrenca, uma vez que trata-se de "caixa de rapé ou de tabaco", é mesmo falta de atenção dos revisores. Ver nota 3), começo com o dilema e sigo com o paradoxo.

DILEMA - situação embaraçosa com duas saídas difíceis ou penosas.

PARADOXO - uma afirmação aparentemente contraditória [que] é, no entanto, verdadeira.

Era o que eu falei, não era?

Pois bem (invertendo a ordem alfabética...). O  Paradoxo de Abilene está aqui, com entrada na Wikipedia brasileira aqui. Nem, por sinal, na Stanford Encyclopedia of Philosophy. Se bem entendi a explicação da Wikipedia em inglês, todos em um grupo votam a favor de uma proposição que pensam ser a preferência dos demais, a fim de agradá-los, mas estes também estão escondendo suas verdadeiras preferências. E o resultado é uma escolha que não agrada a nenhum dos envolvidos.

De sua parte, o Dilema de Prisioneiro está por tudo que é lugar (Stanford aqui; WikiBras aqui; WikiTheirs aqui). No mundo mundano, também. O troço mais encontradiço na vida social que podemos imaginar é o Dilema de Prisioneiro. O nome (prisioner's dilemma) é traduzido por muitos como dilema dos prisioneiros ou até dilema do prisioneiro. A profa. Brena Fernandez e eu, no livro do qual já vou citar um trecho, discutimos durante meses sobre como nos referirmos a este jogo. E optamos pela expressão que nos acompanha agora desde o título da postagem. E aqui, então, vemos uma explicaçãozinha da encrenca:
Recompensas (punições) de Bina e de Dino, respectivamente, cotadas em anos de cadeia.
(aqueles amareloides ali em cima são da última revisão do PDF antes da impressão pela Editora Saraiva).

No paradoxo de Abilene ficou claro: a sociedade saiu perdendo, pois ninguém ficou satisfeito com a decisão coletiva que foi coletivamente implementada. No caso do dilema, nosso livro (Brena e eu) dá um exemplo interessante: o motorista da ambulância e seu assistente caem na situação do dilema. E que cada um acaba passando três noites no xilindró. Se tivessem cooperado teriam apenas duas noites, ou seja, estão pagando uma a mais. Mas quem está pagando mesmo são os colegas deles que terão que cobrir a "folga" dos dois folgazões, pois um dirigiu sem carteira de motorista e o outro não recolheu a guia de saída da ambulância e bem que a polícia os deteve, pois poderia ser apenas um ladrão (político) levando o dinheirinho público.

Moral da história: no dilema, há um dilema de escolha social. E no paradoxo há outro, até mais severo, pois vemos a decisão irracional emergir de um processo democrático.

DdAB
Lá na figura do topo, torno-me pictórico, depois de ter selecionado como quase-nada-a-ver um Botero. Agora o Breugel tem mais função: aquela turma jogando num clube de nonsense de deixar-nos desabotinados, inclusive porque tem até velhinhos pulando carniça.

NOTA 1 - Paradoxo hidrostático:
A intuição levar-nos-ia a afirmar que na base de C há mais pressão que em A ou B. Mas não há, pois a pressão não depende da área mas da altura.

NOTA 2:
Sofisma (falácia) da divisão por zero:
.1. considere uma igualdade perfeitamente palatável:
.2. a = b
.3. multipliquemos os dois lados da equação .2. por a:
.4. a^2 = ab
.5. subtraiamos b^2 de .4.:
.6. a^2 - b^2 = ab - b^2
.7. vamos agora fatorar .6. com aquelas regras dos produtos notáveis:
.8. (a + b) (a - b) = (a - b)b
.9. dividimos os dois lados por a - b:
10. a + b = b
11. substituindo de .1. temos olimpicamente
12. 2a = a.
Qual foi a encrenca: é proibido fazer a operação indicada em .9. Não pode dividir por zero, pois obviamente (a-b)=0, uma vez que em .2. já disséramos que a = b. E será que alguém poderia ser ainda mais claro para expressar este sofisma?

NOTA 3 Bibliografia:
BÊRNI, Duilio de Avila e FERNANDEZ, Brena Paula Magno (2014) Teoria dos jogos; crenças, desejos, escolhas. São Paulo: Saraiva.

BRASIL. Ministério da Educação (c.1973) Dicionário escolar da língua portuguesa. Rio de Janeiro. (8a. edição revista e atualizada por Francisco da Silveira Bueno). Fofoca: este dicionário foi produzido -diz-se por lá- no governo do general Emílio Garrastazu Médici. Tempos analfabéticos, não é mesmo?

P.S. Quando postei isto aqui, ainda não ouvira falar nesse paradoxo de Abilene. E, aparentemente, Graciliano Ramos deu-se conta de que havia algo estranho, um paradoxo de escolha social sendo vivido naquele momento da assembleia que se decidiu pela greve de fome.

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