Querido diário:
Não terminarei nunca de falar em Machado de Assis e suas "Memórias Póstumas de Braz Cubas". E agora, em breve passagem, falo de sua invencível originalidade, declarando-o um precursor de "Rayuela" ("O Jogo da Amerelinha"), de Julio Cortázar. Pois vamos à prova.
O capítulo CXXIX se intitula "Sem remorsos" fala de seus sentimentos com relação ao fato de ter sido amante da esposa de Lobo Neves. Inicia dizendo "Sem remorsos", ponto. E segue-se nova sentença, com nosso Brasinho imaginando que, se tivesse o equipamento adequado, poderia "decompor o remorso até os mais simples elementos [...]". No capítulo seguinte, intitulado "Para intercalar no capítulo CXXIX", ele inicia dizendo: "A primeira vez que pude falar a Virgília, depois da presidência [de Lobo Neves], foi num baile em 1855. [...] Lembra-me que falamos muito, sem aludir a cousa nenhuma do passado. [...]". E termina dizendo:
-Magnífica!
Convém intercalar este capítulo entre a primeira oração e a segunda do capítulo CXXIX.
Vi nesse simples saltitar das razões de Brás Cubas uma ideia que certamente tomaria corpo no "puladinho" de que foi composto o "Rayuela", que, em gauchês, se pronuncia "sapata".
Então o capítulo CXXIX ficaria assim na edição da Biblioteca Nacional:
Sem remorsos. A primeira vez que pude falar a Virgília, depois da presidência, foi num baile em 1855. Trazia um soberbo vestido de gorgorão azul, e ostentava às luzes o mesmo par de ombros de outro tempo. Não era a frescura da primeira idade; ao contrário; mas ainda estava formosa, de uma formosura outoniça, realçada pela noite. Lembra-me que falamos muito; e sem aludir a coisa nenhuma do passado. Subentendia-se tudo. Um dito remoto, vago, ou então um olhar, e mais nada. Pouco depois, retirou-se; eu fui vê-la descer as escadas, e não sei por que fenômeno de ventriloquismo cerebral (perdoem-me os filólogos essa frase bárbara) murmurei comigo esta palavra profundamente retrospectiva:
— Magnífica!DdAB
P.S. Nunca fui capaz de ler aquele "O Jogo da Amarelinha", ou seja, a tradução brasileira. Mas li, con gusto, a tradução portuguesa, cuja capa insiro lá no início.
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