10 setembro, 2017

Os Grandes Números e a Empatia


Querido diário:

Praticamente em toda minha vida mantive aberta a janelinha da chamada leitura literária. Volta e meia leio novidades (por exemplo, li o livro que inspirou o filme Tubarão), outras tantas leio velharias (por exemplo, As Aventuras de Gulliver) e outras tantas leio um negócio que promete e que leva-me a lavar meus burros n'água. Tal foi o caso de

LEE, Krys (2016) How I became a North Korean. London: Faber & Faber.

Trata-se de uma novela de 240 páginas, uma chatice, tudo acontecendo na fronteira entre a Coreia do Norte e a China, a turma querendo se mandar, mas também dentro da China a vida não é fácil para migrantes. Pois não é que li uma sentença que me deixou pensativo sobre a natureza humana, nossa natural empatia e seu esmaecimento quando os números de objetos de nossa solidariedade começam a aumentar. Que digo? Que não simpatizo com milhares de mendigos, mas que simpatizo com unzinho? Melhor abandonar meus dizeres e ver o que diz a autora (páginas 97 e 98, tudo com minha tradução). Uma migrante faminta vê, numa birosca, a metade de um prato de massa e o pede à dona do empreendimento do lado chinês:

"Queria apenas alguma coisa -qualquer coisa- para comer e então irei embora." 
Os olhos da mulher encontraram os meus e deixaram de ser amistosos. 
"Você veio do outro lado do rio?", ela indagou. 
Qualquer que fosse a amabilidade anterior em seu rosto, com esta, desvaneceu-se. 
"O que sobrou, qualquer coisa".
"Essa gente...", a mulher escandiu, e novamente fui impactada pelo sentimento de que não mais era uma pessoa, mas uma entre montes e montes.

Claro que estou citando uma situação limítrofe em que minha própria empatia leva a que me solidarize com a faminta. Mas não posso deixar de entender o mal-estar da empresária. Tanta gente passando, tanto problema com seu próprio governo, tanto golpe, tanta desilusão, tanto desamparo. É gente demais, havia gente demais.

Falei que esta postagem tá marcada como economia política, o que me permite dizer que não vejo saída para a humanidade que não seja a implantação imediata do serviço municipal, com rendimentos modestos mas crescentes destinados a reduzir a migração ocorrida por problemas políticos ou econômicos. Por contraste, a migração dos tradicionais e tomara que eternos viajantes humanos deve até ser incentivada, reduzindo-se gradativamente, até a eliminação absoluta, das fronteiras nacionais.

Vivemos neste mundo de crescente globalização econômica, especialmente a financeira. Por que não começar também a globalização da força de trabalho, sua mobilidade total?

DdAB
Tá lá naquela imagem o que a negadinha chamava de "Dear Leader".
P.S. "Gente demais" ou "gente de mais"?

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