09 junho, 2017

Negro de Primeira Linha


Querido diário:
As pernas, pelo menos, existem nas cores branca preta e amarela: pelo menos é o que nos informa a terceira estrofe do Poema de Sete Faces, de Carlos Drummond de Andrade. Em compensação, fez-se uma grande farra quando um ministro do supremo tribunal (R$ 30mil, fora as vantagens) referiu-se ao negro Joaquim Barbosa, ex-potentado daquele troço, como um negro de primeira linha.

Como sabemos, as linhas se dividem em primeira linha e demais linhas. de sua parte, as cores das pessoas podem associar-se com as brancas, as pretas e as amarelas. Se um cara chama outro de negro de primeira linha e em seguida pede desculpas é que ele ou acha que o objeto de sua atenção é branco ou amarelo, ou ainda, que ele não é das demais linhas. De minha parte, acho não haver nada de errado com qualquer linha e qualquer cor. E, se me dirigir a alguém como branco, preto ou amarelo, o máximo que podemos discutir é se negro é raça ou cor, se branco ou amarelo são raças ou cores. E o que é raça. Preocupa-me mais a minha gente que é reaça.

DdAB
Poema de sete faces
Carlos Drummond de Andrade

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do -bigode,

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Poesia”, livro de 1930 (retirado de http://www.horizonte.unam.mx/brasil/drumm1.html)

E lá no Facebook:

A história é longa: andei sugerindo que, sempre que o supremo tem decisões vencidas pelo escore de 6x5, os cinco derrotados devem ser postos pra rua e eleitos outros cinco, até que cheguem a um consenso sobre como se defende a constituição, pois dificilmente poderemos conceber 11 maneiras diferentes de fazê-lo. Por outro lado, andei lendo o poema de Carlos Drummond de Andrade, intitulado "Poema de Sete Faces", quando ele fala em "pernas brancas, pretas, amarelas". Isto significa -pensei- que as cores das gentes também podem ser brancas, pretas e amarelas.
Precisamente seguindo esta linha de pensamento é que fiquei estupefato quando um dos ministros classificou outro, aposentado, de negro de primeira linha. Aí fiz algumas reflexões no blog, aproveitando para citar ipsis litteris o poema caandrade.


E de volta cá: Caandrade? Clique aqui.

2 comentários:

Unknown disse...

Que beleza, Duilîo!
Valeu pela tua boa reflexão e boas relembranças do inesquecível e inquieto Poetinha de todas as gentes, CARLOS DRUMOND DE ANDRADE...
Abraços do,
GWMachado,
Fpolis (SC) BR.

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Vi o comentário tardiamente. Obrigado, querido amigo Gerônimo! O senhor "algoritmo" não tem deixado que eu veja tuas publicações no Facebook. Mas às vezes pulo por lá. E sempre gosto, quase sempre levo dever de casa para pensar ou estudar.
DdAB