15 dezembro, 2016

A ANAC, o Calheiros e o Custo Marginal


Querido diário:

Já falei que um cemitério índio se propaga por praticamente todo lugar onde ando, ou melhor, parece que vivo pisoteando cemitérios índios (e nada a ver com o cavalo de Átila). Esta filosofia ocorreu-me ao ver hoje no portal de minha casa não apenas o jornal Zero Herra, mas também o Correio do Bobo. Explico-me: andei, desde março, digamos, até outubro, discriminando Zero Hora, pois achei intolerável o apoio dado por 95% de seus cronistas ao impeachment da presidenta Dilma (não queeu apoiasse seu desastrado governo). Aí comecei a ler o Correio do Povo, também portador de um conteúdo reacionário de dar inveja aos mais fundos grotões do inferno. Passei ao Jornal do Comércio. Abateu-me igual sensação de desconforto. E aí é que filosofei estoicamente: eu tenho mesmo é que sofrer... E voltei a assinar a Zero Herra (e já achei uma meia dúzia de erros nessas semanas, o que decidi parar de registrar, como o fiz em alguns casos aqui neste blog propriamente dito).

Em compensação, volto a filosofar, uma das chamadas de capa do Correio do Povo diz:

COBRANÇA DE BAGAGEM
SENADO SUSTENTA DECISÃO DA ANAC E REGRAS SE MANTÊM
(Remetendo à página 10)

Corri à página 10 num misto de estupefação, hilariedade, ódio, contentamento, diversão, desilusão e tantos outros sentimentos desencontrados. Não falarei tudo o que sei sobre o tema, pois me interessa adentrar outras searas.

O POBREMA (como diriam muitos deputados e senadores)
Dias atrás vi na televisão (sempre que ligo o aparelho, antes de apertar o botão, ingiro duas taças de caninha, durante a tortura, faço-o com mais dois ou três copos e, ao desligá-la, despeço-me da azulzinha com mais uma ou duas garrafas. Bem que mereço, afinal, olhei TV) um anúncio de que a ANAC (um bodoar [boudoir]] governamental chamado de principal que já foi aprisionado pelo agente, isso que ela é que se chama agente, há muito tempo. A ANAC decidiu mudar a praxe brasileira (datada no tempo, por suposto, pois nem Santos Dumont regulara este negócio recentente) de o passageiro das viagens áreas nos "aviões de carreira". Agora a bagagem para ser carregada dentro da aeronave passa de cinco a dez quilos, ao passo que a que erra carregada no compartimento de carga passa a ter peso equivalente a um metro cúbico de puro vácuo. Ou seja, o passageiro não tem mais direito a carregar malas, roupas, escovas de dentes, a menos que o faça dentro do avião.

Eu usei o verbo no presente? Usei e errei... Talvez o presidente Michel F. Temer ainda demita o sr. Eduardo Sanovicz (demagogia do primeiro e castigo merecido para o segundo). É que Eduardo fez e... vejam só: o senado da república já começou a desfazer.

Disse o Edu: "[...] os preços das passagens aéreas cairão após as mudanças anunciadas pela ANAC." Disse o Renan: "Este [aprovação de um projeto de lei que desmoraliza a ação do Edu] é um gesto pelo consumidor. Se tem uma bandeira que nos une é a proteção ao consumidor."

FILOSOFIA DA PRÁXIS
Comecei pela análise da linguagem. Pensei: "Calheiros quer tirar o pelo, o couro do povo brasileiro, caso contrário já teria abandonado a política lá em 2006 ou 2007, quando foram-lhe assacadas as maiores vilezas". E depois: acho que tem umas 200 bandeiras que unem os inimputáveis senadores, talvez a menos cotada seja mesmo o interesse popular. Mas, concedo, talvez eles não tenham acordo sobre quais são os interesses populares, quem são os amigos do povo.

ECONOMIA POLÍTICA DA BARBARIDADE
Se eu te peço R$ 100 emprestados e depois, mesmo antes de pagá-lo, peço mais R$ 150, esses R$ 150 podem ser chamados de valor marginal do empréstimo. Uma vez que não paguei nem os 100, minha dívida agora passa a ser 250, não é isto? Ou seja, dívida inicial = 100, acréscimo da dívida (dívida marginal) = 150 e dívida total = 250). Na margem, a dívida aumentou em 150: o que acontece na margem é marginal. Pois bem, existe um modelo contestado por economistas de maus bofes que problematiza uma situação raramente encontrada no mercado, uma estrutura de mercado chamada de concorrência pura. E que dizemos nós, os economistas de bons bofes? Dizemos que este modelo é desabotinadamente importante para entendermos alguns conceitos importantes que têm tudo a ver com a luta que encetamos (os de bons bofes, claro) pela sociedade igualitária.

Em compensação, os EDBB (economistas de bons bofes), quando confrontados com aquele desenho lá de cima que colhi aqui, ficamos pensando:
.a temos um gráfico cartesiano que mostra a variável 'quantidades' no eixo horizontal e 'preços' no eixo vertical.
.b aquela linha horizontal verde designada por D é a chamada curva de demanda da empresa que estamos estudando. Naturalmente a curva de demanda da maior parte dos mercados surgidos desde o avô de Noé (o da arca) é inclinada negativamente, dizendo que, quanto maior é o preço, menor será a quantidade procurada. A linha D é horizontal para dizer que a empresa que tem um número enorme de fornecedores não tem poder para formar o preço. Por exemplo, um sojicultor de Santa Rosa que vende para a Bunge (http://www.bunge.com.br/): ela é que dá o preço e ele não vende se não quiser.
.c aquela curva vermelha é o custo médio do -então- desditado agricultor. Vemos que seu formato em U tem uma importante lição econômica: se ele produz pouco, seu custo médio é alto, se ele produz muito, também e se ele produz num certo nível crítico, seu custo é o mínimo da história.
.d aquela curva azul é o custo marginal do carinha: se o custo médio está caindo é porque o custo marginal o está puxando para baixo (na figura, vemos só um pedacinho disto), isto é, que nem no exemplo dos 250 pilas, cada unidade que o desditado produz a mais tem custo inferior ao que deveras já produzira. E chega num ponto em que o custo marginal é mínimo e depois começa a subir.
.e também vemos que, no ponto M, as três linhas (a reta, que os economistas também chamam de curva, e as duas curvas, ou seja, D, CMe e Cma) interceptam-se.
.f esse ponto tem importância fundamental para a sociedade igualitária, para sua luta ideológica contra a direita, os bolsonaristas e os economistas de maus bofes). Vejamos o porquê.

TRÊS CONCEITOS DE EFICIÊNCIA
Claro que há pelo menos 200 bandeiras, digo, 200 conceitos de eficiência, mas retenho os três que são tão lindamente ilustrados pelo exame que estamos fazendo da figura. Agora, então, estamos falando dos conceitos de eficiência produtiva, eficiência alocativa e eficiência distributiva. Antes de prosseguirmos, já podemos desferir uma bordoada nos economistas de maus bofes que até se orgulham de definir a ciência econômica como "a encrenca que estuda a alocação dos recursos sociais entre a produção a que eles se destinam". Por exemplo, uma das razões que não me levam a ser dono de uma aeronave (eu, que nem tenho malas pesando mais de 23kg) é que eu não tenho dinheiro, mas posso contratar serviços de viagens aéreas, tendo -às vezes- dinheiro para pagá-los. Parece evidente que a sociedade precisa avaliar o grau de eficiência com que usa seus recursos, mas que eficiência?

Eficiência produtiva: ocorre quando cada uma das todas empresas e, assim, toda a economia produzem a quantidade definida pela projeção vertical daquele ponto M, mensurada no eixo Q -horizontal. Ou seja, quando aquela função custo médio alcança seu ponto de mínimo, nem mais nem menos.

Eficiência alocativa: ocorre quando todas as empresas da economia produzem no ponto em que o custo marginal iguala a o preço (também conhecido como receita média), indicando que a sociedade está disposta a pagar o preço que vemos sinalizado no eixo vertical correspondente ao ponto M pela mercadoria que custa exatamente este valor para ser produzida (e como aquela curva de custo médio estava decrescendo até ali, significa que a sociedade está pagando o menor preço possível sem dar prejuízo para suas amadas companhias de aviação ou outro vendedor qualquer.

Eficiência distributiva: ocorre quando o custo médio é igual à receita média, ou seja, ao preço, significando que, deste modo, não existem lucros extraordinários (que são aqueles que excedem o pagamento regulamentar dos proprietários dos fatores usados na produção).

Tá na cara que os EDMB (economistas de maus bofes) não entendem que isto é um modelo e nunca vamos achar no mundo de carne e osso uma situação em que a empresa lá do desenho produza no ponto M e, menos ainda, a sociedade as a whole. Mas fica-nos uma lição importante: quem não produz com eficiência produtiva deveria ser fechado, quem não produz com eficiência alocativa não deveria ter poder para elevar monopolisticamente o preço de venda de seu produto e quem não produz com eficiência distributiva talvez devesse até pagar um impostinho sobre o lucro distribuído.

FILOSOFIA POLÍTICA DA CONCLUSÃO
Concluo: como é que aquela ANAC não pensou que, dado o poder de monopólio usufruído pelas companhias aéreas, elas rapidamente iriam incorporar a economia de -digamos- combustível por estarem racionando o peso que a turma quer levar ao viajar. Parece óbvio que podemos falar que, na maior parte do tempo, as empresas de aviação vivem no lucro extraordinário, e se estão no prejuízo devem ser vendidas para gerentes mais hábeis para fazê-las funcionar mais eficientemente e não penalizar quem quer que seja pela ineficiência. Ou seja, tendo lucro extraordinário, não  vemos nem uma das três eficiência. Em resumo, o Renan falou algo de útil. Mas a que custo!



DdAB

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