29 outubro, 2016

Eleições de Porto Alegre: o papel dos reformadores


Querido diário:

Todos sabemos que:

.a. o segundo turno da eleição para prefeito de Porto Alegre tem uma pesquisa de intenção de voto divulgada ontem, apresentando os seguintes percentuais:
.a. favorito: Marquesan com 44%.
.b. segundão: Melo com 38%.
.c. brancos e nulos: 18%.

Segue-se logicamente que:

.a. vou dirigir-me à urna, a fim de votar em Melo para prefeito de Porto Alegre.
.b. para tando vou dirigir-me à urna do Colégio Franklin Delano Roosevelt.
.c. se ficar no caminho, bebendo, no final não votarei em Melo, que bem merece o opróbio.
.d. mas que é melhor vê-lo na prefeitura a ver Marquesan, lá isto é.
.e. quanto por cento dos 38% de intenções de votar em Melo são de gente "da esquerda"?
.f. por um conhecido teorema da aritmética, 38+18=56, ou seja, se todos os votos de Melo fossem da esquerda e se aqueles 18% também o fossem, da turma que não está contente com a derrota de Luciana e Raul, o PSTU, aquelal turma, a esquerda (e quem seria, porca pipa?) teria ganho a eleição já no primeiro turno.
.g. não podemos deixar de rir a incompetência daquela turma que deveria entender das intenções dos companheiros (ou pelo menos controlar o que a macacada pensa, realizanado pesquisas de opinião sistematicamente, um amadorismo de doer). Aparentemente, os companheiros estão completamente distantes de qualquer palavra de ordem de qualquer liderança formal, quero dizer, dos partidos de esquerda.

E eu, onde foi que eu errei? Em achar que mais gente, além de mim, acharia sensato votar em Melo. Talvez ainda votem. Tal é a importância que devoto a este tipo de processo eleitoral que nem lembro se votei em Melo no primeiro turno, como cheguei a cogitar, parece que não fiquei bebendo em casa, também como levantei como possibilidade. E acho que andei fazendo um registro por aqui, mas não creio que valha a pena procurar.

Por que votar em Melo (probabilidade alta)?
Porque sou adepto do voto útil. Nem sempre o fui, mas agora sou. Azar.
Mas tem mais: evoquemos o paradoxo eleitoral (em geral as pessoas têm um custo para votar, mas o fazem, ainda que sabedoras de que seu voto não será decisivo).

Eu, conhecedor do paradoxo e, talvez, até, auxiliar do esclarecimento de uma racionalização para a ação de eleitores dos países democráticos (naturalmente não estamos falando do Brasil e de outra meia-dúzia de países abobados em que o voto é obrigatório), digo que voto para que amigos e parentes saibam que estou praticando o voto útil, por achar Marquesan ainda mais pernicioso para a democracia (?) brasileira do que o próprio Melo.

E daí? Se Melo vencer, vou escrever-lhe sugerindo:

.a. implantação da renda básica da cidadania em Porto Alegre.
.b. implantação do Serviço Municipal (adicional pecuniário sobre a renda básica.
.c. recomendar ao governo federal uma reforma tributária que, em 20 anos, mude a estrutura, fazendo a parte substantiva da receita tributária ser de impostos diretos (renda, propriedade, herança).
.d. esclarecer que uma sociedade decente (além de não ter obrigatoriedade do voto) não pode ter enormes desníveis nos níveis de consumo per capita.
.e. garantir aposentadoria integral para os trabalhadores.
.f. forçar a redução da exposição da população economicamente ativa ao mercado de trabalho (entradas tardias e aposentadorias precoces).
.e. assegurar que, nesses 20 anos, nenhum trabalhador ganhe menos que um aposentado.

Se Melo não responder, vou tentar seguir pensando na frente única da esquerda. Se responder, também. Como sabemos, comecei uma lista que até agora recebeu apoios entusiásticos e críticas acerbas:

.a. defesa internacional da proclamação do governo mundial.
.b. reforma eleitoral com voto facultativo e voto distrital.
.c. reforma política, com implantação do parlamentarismo.

Se é para prosseguir nesta linha de traços esmaecidos da filosofia política, o que me parece ser o problema mais sério nestas circunstâncias e em tantas outras que não consideramos é a obrigatoriedade do voto. Fico imaginando o que pensa um indivíduo classificado por Jessé Souza como "da ralé". Será que esta mesma sensação que agora nos sufoca (de não vermos alternativas interessantes para o destinatário de nosso voto) não o vem subjugando durante toda sua vida? E, para ele, a melhor resposta seria mesmo ficar enchendo a cara todo domingo, sem perder tempo com a "bobajada da política", pois afinal, não são mesmo todos ladrões de qualquer jeito?

E em outro problema mais delicado. Para Jorge Vianna Monteiro e seu/s livro/s de teoria da escolha pública, há sete agentes da política:

.a. o cidadão-eleitor.
.b. os legisladores.
.c. o chefe do poder executivo (eu jogaria aqui os promotores e policiais).
.d. os burocratas.
.e. os reformadores.
.f. os grupos de interesse (eu jogaria aqui a imprensa).
.g. os juízes.

Em meu caso, assim como na maioria dos leitores, o agente da política pode exercer mais de um papel. Eu, por exemplo, incluo-me na categoria dos cidadãos-eleitores e, com certa soberba, declaro também estar na dos reformadores.

Um corolário da primazia do primeiro agente (o eleitor) votar é que seria um erro considerar, em geral, 80% do eleitorado como composto por idiotas. Parece que, na maior parte do mundo democrático (quero dizer, que tem eleições periódicas, servidas por regras racionais), as ações governamentais coadunam-se com tendências à direita, pelo menos desde a dupla Reagan-Tatcher. Profundo baque na social-democracia. E Porto Alegre? Vai ganhar quem fizer mais votos: provavelmente Marquesan, do PSDB (cujas letras SD são mero jogo de palavras...). Em qualquer caso, não darei colher e votarei em Melo (se não houver contratempo). Mas derrota mesmo é daquela turma que, no primeiro turno, fez uma votação considerada (em testes qui-quadrado) ridícula.
.
É claro que passou da hora para que a esquerda/clever pare de achar que os resultados das eleições são manipulados pelos demais agentes da política, especialmente a polícia, os promotores, os juízes e a imprensa.
DdAB
Aquele Dionísio da figura lá de cima é de Caravaggio, n'est ce pas?

2 comentários:

Anaximandros disse...

Nesse e em outros casos sigo o Sen, o universo 'capacitatório', (tradução funcional apenas e, também ela, incompleta, portanto), somados ou não, de todos, é infinito e aí, nisso aí, reside a grandeza da coisa toda, a incompletude, essa sim, a maior prosperidade possível de muitos, da maioria livre, verbal ou não, nulo não é completude, second best, não é completude, consenso sobreposto não é completude, etc. Creio, humildemente, que aceitar a incompletude e a inutilidade da completude, é a maior alegria de todos, mesmo então, por isso, prossigo. Grande abraço e desculpa antecipada, hoje sou galo e colorado, amanhã colorado e galo, jamaisumsó, s.

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Mais que nunca, diligente filósofo, entendo a importância da legenda dele ao referir que a informação é o caminho para a razoabilidade. Calculei em mais da metade o povo que não vota em Marchesan, mas mesmo nesse meio há tanta falta de informação sobre as condições de capacitação que não posso pensar (sem falar no voto obrigatório) em "eleições democráticas".
Vejamos o que nos reserva o amanhã. E o dia seguinte...