13 dezembro, 2009

A Fábrica de Aviões: o fetichismo do fetichismo

Querido Blog:
Eu pensava em desenvolver a idéia do problema do desemprego, criticando ao mesmo tempo os indivíduos que pensam que os outros gostam de trabalhar quanto os economistas (assessores de governantes e tudo o mais) que levaram a que os primeiros pensem desta maneira. Por pura coincidência, ao abrir este software, vi num dos blogs que sigo uma defesa do emprego. Ela foi postada pelo Prof. Vanderlei Amboni, que reproduz um artigo de José de Saramago, meu amado ficcionista, de quem pouco li e mais lerei. Pois bem, estão errados! Ambos os dois!

A verdade verídica é que todos os municípios do Planeta Terra têm um distrito industrial! Ainda que não hava demanda por aeronaves suficiente para uma fábrica em cada um deles, o distrito tem certa utilidade no ordenamento do espaço urbano: bate-estaca não combina com escola. Se delírio existe pela generalização da indústria pesada municipal, este emana da incorporação idealizada da causa da geração do emprego. Mais preocupante, ainda, da ilusão de que a única forma de obtenção de dinheiro é o trabalho. Crianças, velhos, rentistas e sinecuristas não trabalham, mas qualificam-se para absorver parte do excedente econômico em resposta a ditames alheios ao mercado de trabalho.

Por outro lado, se a infância e a velhice desvalidas receberem renda, estas elevarão e estabilizarão seu padrão de consumo, induzindo a geração de emprego a ele associado. Menos aviões, mais hospitais, escolas e supermercados. Menos túneis de vento, como haverá na fábrica argentina da foto de hoje, mais refrigeração, manutenção, serviços gerais e segurança. Economias locais centradas na prestação de serviços do que na transformação industrial. Economias locais centradas no atendimento das necessidades da população local, o que será feito por meio de dinheiro e não de emprego. Emprego, em geral, até aumenta as necessidades de meios de consumo, pois ou deixa neguinho meio louco ou meio estropiado...

Nos tempos do nascimento do estado do bem-estar na Inglaterra, discutia-se a validade social e econômica da -sem eufemismo dole, isto é- esmola. Pouco menos de um século depois, ninguém mais considera que o esmoler é um desempregado, que o indivíduo que vive do seguro desemprego é ipso facto um marginal, que o aleijado e sua pensão por invalidez são anti-sociais. No entanto é consensual criticar-se o trabalhador informal que se dedica ao negócio das drogas, o da extorsão, o do roubo e o dos assassinatos.

No início do século XXI, todos os municípios do Planeta Terra vivem dois dramas severíssimos:
.a. o desemprego
.b. a falta de segurança.

A saída nefelibata é pensar no emprego induzido pela industrialização pesada. Ou leve. Ou qualquer mecanismo associado ao crescimento do valor adicionado induzido pelo investimento como única forma de promoção do bem-estar. Algum economista despreparado doutrinou o prefeito e seus assessores de que este é o caminho da salvação. Despreparado ou "defensor do capital", como diria o jargão de uma esquerda que já sepultei (ambos, a esquerda imbecil e o jargão de esquerda). Quem são os amigos do povo? Parece que era a pergunta leninista, e acho que amigo do povo é quem dá acesso a este ao supermercado e não ás aciarias soviéticas que cozinhavam minério de ferro e trabalhadores. Amigo do povo ajuda-o a alcançar o acesso aos supermercados de sua cidade e tenta evitar que este precise trabalhar para comer. Quem não trabalha não come? Aqui no apartamento do lado tem um bebezinho que, que me conste, não trabalha e -se bem me informam- come, bebe e dorme. No apartamento de cima, tem dois gurizinhos que tampouco trabalham e comem, bebem e brigam (o tempo inteiro...). Fora o casal de velhinhos do apartamento dos fundos, e por aí vai.

Parece que o imbecil sou eu, escrevendo desta forma, não é mesmo? Onde está o problema com os verdadeiros imbecis? Eles foram doutrinados por economistas despreparados, como tenho argumentado longamente em milhares de postagens. Eles não estão errados ao pensarem que o valor da produção é gerado por meio do emprego (função de produção). Nem que, ao gerar-se valor da produção, também se gera valor adicionado. Nem que o valor adicionado tem três óticas de cálculo. Mas aí começam os tropeços. Primeiro: os produtores de aviões (que fatalmente terão que usar trabalhadores para tal) produzem "produto", cuja distribuição primária vai para trabaladores (remuneração dos empregados), capitalistas (excedente operacional bruto) e governo (impostos indiretos líquidos de subsídios).

Em segundo lugar, este dinheiro, que é recebido pelos locatários dos fatores de produção e pelo governo, vem a ser transferido às instituições (famílias, governo, empresas investidoras e empresas estrangeiras importadoras do produto nacional). Isto se chama de distribuição secundária. Mas quem determina mesmo o consumo não é ela, mas a distribuição terciária, que haverá de contemplar também as transferências interinstitucionais, como a mesada que a avó da velhinha do apartamento citado deixou para ela, aplicada em ações da Petrobrás e de uma fábrica de móveis em Bento Gonçalves, um troço assim.

Ou seja, enrusti no segundo argumento também o terceiro: o consumo das famílias é uma função da renda-e-receita das famílias e não do fato de alguém de lá de dentro da família estar ou não trabalhando. Eu disse: consome quem tem dinheiro, isto é, renda-e-receita e não quem tem emprego. Provam-nos os nenezinhos e os aposentados, além dos políticos e milhares de outros. Tendo desvendado o fetichismo do fetichismo, pude passar a criticar livremente essa macacada que se chama de esquerdista e vem a ser mesmo é nacionalista, como o Mister Joseph Stálin, e outros cadáveres do movimento igualitarista.

Quarto argumento: problema da demanda efetiva etc.. Claro que não haverá problema de demanda efetiva, pois -ao contrário- tem mais necessidade já catalogada do que meios materiais de satisfazê-las. Mas há um problema correlato: quem dinamiza a economia? Claro que "dinamizar" significa produzir mais "valor da produção". E quem deve induzir a elevação do valor da produção e, como tal, o valor adicionado, pois este é gerado "na produção", é alguma outra coisa que não tem nada a ver com problemas distributivos. A tecnologia, o Banco Central, sei lá, alguém vai garantir que a macacada siga trabalhando, gerando seu valorzinho, que se transformará em preços e por aí vai. Para que a macacada trabalhe, é preciso receber incentivos. Recompensas e punições, este mundo que os etologistas estudam. Aliás até vegetais respondem a recompensas e punições delineados/as pela natureza e por seres humanos.

Parece-me, deste modo, cristalino que o consumo da velhinha dos fundos nada tem a ver com os trabalhadores da Petrobrás nem com os dos Móveis Missamba (era isto?). Não entendo o raciocínio de gente que não tem o atrevimento intelectual para andar o resto do caminho. Que é fetichismo das mercadorias? É pensar, apresso-me em responder, que as mercadorias trocam-se entre si, quando o que se troca são cristais de trabalho socialmente necessário etc.. E que é fetichismo do fetichismo? É pensar que aquilo que Marx e Engels pensaram para a economia mercantil simples foi além do volume 1 do Capital. No volume 3, resolve-se (de modo elegante para a época e hoje avalizado pelo modelo de insumo-produto) o problema da transformação dos valores em preços. E isto ajuda-nos a entender que a "turbulenta esfera da circulação" das mercadorias faz com que gente que não trabalha desfrute de um padrão de vida mais elevado do que muita gente que trabalha.

Mas o fetichismo do fetichismo ainda leva muitos de nós a pensarmos que haveria alguma vantagem em voltarmos à economia mercantil simples. Em outro contexto, li a frase que talvez seja do próprio Marx ou algum comentador de pedigree: "vejo este tipo de manifestação com simpatia, mas não sem ceticismo". Quem esposa teorias sobre a ação humana que dizem que queremos mesmo é voltar ao padrão de consumo de que desfrutávamos há 10 anos é abobado, mais ainda se pensar que amamos ser engolidos por onças, mortos por inflamação de um dente em plena noite, congelados no inverno etc..

E aí sinto-me à vontade para seguir na ladainha que volta e meia costumo externar contra a negadinha que não sabe do que está falando, como é o caso de José de Saramago, not to speak do Prof. Vanderlei himself. Rezo e rezarei que o homem deseja maximizar seu consumo, que as necessidades humanas são ilimitadas e que não há limite para a inventividade humana, ergo, para a criação de novos produtos que atenderão a necessidades que ainda desconhecemos (pois não era que a liberdade é o conhecimento da necessidade?).

A saída para este imbroglio do emprego e do consumo é muito simples, ainda que tenha sido engendrada por mentes intelectualmente muito superiores à minha própria. Para não falar de Milton Friedman
(que sacou que
.a. sem dinheiro para o mínimo não se é livre
.b. o imposto de renda cobra mais dos mais ricos
.b. o imposto de renda deveria pagar mais aos mais pobres),
posso falar em Philip van Parijs. E Eduardo Suplicy, ou seja, estou falando na renda básica universal.

Temos um problema de desemprego e outro de segurança pública? E eu acrescentaria um capítulo à segurança pública, que chamarei de segurança ambiental. Pois a saída racional é a ativação de mecanismos institucionais que criem empregos na atividade de segurança pública. Não se trata de esmola, mas da realocação do valor adicionado pela sociedade. Pela sociedade, ou seja, ninguém individualmente gerou o valor adicionado de nada. Uns trabalharam, mas os valores que suas horas de trabalho socialmente necessárias criaram foi transformado em preço, num processo que independe radicalmente da vontade do trabalhador. Tanto é que -por razões institucionais- deputados e ascensoristas do edifício sede da Petrobrás na Av. Rio Branco ganham milhares de vezes mais do que uma professorinha. Esta manha marxista é que poucos entendem, Saramago entre os primeiros.

Ou seja, estamos falando da produção de bens públicos, entre eles as amenidades ambientais (como é o caso de eu poder andar em charcos poluidíssimos, mas não ser assaltado, o que prefiro ao próprio saneamento). Estamos falando de atividades que ocupem a população desvalida em atividades criadas com baixíssima relação capital/produto, diferentemente dos aviões a jato, turbo-hélices, e sei lá que mais. Falamos de atividades geradoras (ou melhor, apropriadoras) de renda, ainda que rendas modestas. Atividades prestadoras de serviços amplamente valorizados (no sentido de criadoras de utilidades) pela sociedade e capazes de organizar a população desempregada em torno do mercado formal e da formação de uma cultura empreendedora. Num esquema de "serviço municipal", estamos falando da criação de uma brigada ambiental mundial, com diretórios assentados em cada município terráqueo. Ela irá permitir a todos:
.a. manter a coluna ereta (com ginástica)
.b. manter a mente quieta (com aulas de linguagem, matemática e empreendedorismo)
.c. manter o coração tranquilio (com trabalho comunitário).
DdAB
Twitter: nunca esquecendo o maravilhoso artigo de Eric Swyngedouw sobre um distrito industrial belga que recebeu uma fábrica da Ford Motors Company, deu uma volta completa e voltou à miséria original. Tivessem lá eles instalado grana entre os dedos dos trabalhadores locais, muito desperdício teria sido evitado. Eles não queriam emprego e sim comida.

4 comentários:

Vanderlei disse...

Duilio, sua concepção é liberal. Acredito que você acredita mesmo no "tal" mercado. A produção social é determinada pelas necessidades humanas. No capitalismo, a produção passa a ser determinada e dirigida para o mercado. Pensar em uma população com poder de compra no capitalismo é sonhar. Assim como pensar em uma sociedade de pleno emprego, no capitalismo, é sonho.
Essa forma de sociedade, que você defende, distribui o bolo da riqueza entre os ricos. Basta ver a prefeitura de Florianópolis que "mandou" fazer uma torre(árvore de natal) e gastou "somente" R$ 2.000.000 do erário, isto é, dinheiro do contribuinte. Para que? Por que?
Esse recurso, investido em educação não seria melhor aplicado?
O que me diz do DF, caso Arruda, que traduziu a forma de ser do Estado Burguês.
A defesa do emprego é uma "defesa" e uma crítica ao sistema capitalista, que, em crise, é abençoado pelo Estado burguês. Para salvar o sistema, o Estado emprega todos os recursos possíveis, até mesmo "abandonar" a saúde e a educação, sem falar na destruição da seguridade social.

Um outro mundo é possível. A experiência socialista não foi abandonada pela humanidade. Suas crenças no mercado são opções ideológicas e políticas. Apostar no mercado é um erro que a história já mostrou.

maria da Paz Brasil disse...

Da postagem ao comentário do Vanderlei: acredito, junto com muitos,que só é possível chegar ao socialismo pelo superdesenvolvimento do capitalismo. Ponto.

Duílio, adorei a sua coragem em falar da esquerda "troglodita" que só repete jargões.
MdPB

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

agradeço os dois comentários. vou reseponder com pouco menos de 1.000 palavras, pois fui incapaz de usar não muito mais do que as 270 escritas pelo Prof. Vanderlei. só que achei melhor fazê-lo em uma postagem independente. peço -para os que me lêem- se dirigirem para a postagem de 16/dez/2009.
DdAB

Unknown disse...

oi tenho 36 anos sempre fui façinado por avões!!tenho uma empresa que concerta carretas de automóveis (cegonhas)e queria me engreçar em uma indústria de aviões,vc acha que tenho chanses?
Aguardo respostas.Obrigado