01 dezembro, 2009

Direitização e Funcionalismo


Querido Blog:
Dizque há alguns anos, ainda vivo, meu amado Andrew Glyn ficou espantosamente surpreso ao saber que eu preferia BigMac a spaghetti e Coca-cola a champanhe. Sabendo que ele poderia seguir-se surpreendendo, mudei de hábito: passei a mentir preferir low fat cheese e água. Seja como for, desde aquele tempo, eu tinha a sensação de que -depois de ter comido um BigMac com fritas, como observamos na bandeja acima, eu tinha a sensação de que bygones are bygones. Ou, como disseram Sá, Rodrix e Guarabira, no disco "Passado, Presente, Futuro", "o que passou, passou".

Ainda assim, o tom milenarista do artigo de Waldir José Rampinelli, na p.2 (clicar/ver) do Boletim APUFSC Sindical, de minha associação de professores sindicatilizados de Floripa, deixa-me contrafeito. O título do artigo é "A direitização na UFSC e a função do CFH". São mais de 10 anos que de lá saí, aposentado. Não lembro o que é CFH, talvez Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Lembro ligeiramente do movimento docente, lembro que assumi publicamente minha posição contrária ao movimento grevista. Lembro de que Pedro Antonio Vieira disse-me não poder afford a mesma posição, pois eu -ao sair de Porto Alegre em 1995- não carreguei meu chapéu. Ou seja, ao reter o chapéu original, sua história o impedia de fazer certos movimentos radicais.

No outro dia, fiz comentários ao artigo de Hélio Pellegrino. Ele próprio fazia suas considerações sobre as instituições que emperram o desenrolar da História (nota bene o h e o H). Também vivo pensando no significado desta, com H. Nasce como tragédia e se repete como comédia, quando o faz. Era Marx, "18 de Brumário"? Eu tenho lá minhas antipatias por este tipo de história que serve para nos escravizar, negligenciando possibilidades libertadoras. Seja como for, greve é grave e vim a entender que ainda se faz greve, no Brasil, como uma espécie de gincana da tomada de consciência. E também pela falta de uma diretriz realmente interessante sobre o que fazer para mobilizar a -diz Billy Blanco- plebe rude.

Falar em plebe rude é casca grossa e requer importantes definições. Quem, afinal, é alienado e quem é que detém o verdadeiro sentimento do mundo? Por um lado, acho que Chávez, Fidel Castro, Somoza, Stroessner, Joseph Stálin, Mao-Zedong, o carinha da Coréia do Norte, essa macacada, são ilegítimos. Mesmo que eleitos, como pilhas de milicos brasileiros. Por outro lado, acho que há dois resultados eleitorais sagrados: o do reitor da UFSC e o da direção do CFH. A palavra chave é "falsa consciência". Quem expressou falsa consciência ao votar, o povo da Venezuela, ou o da Colômbia, países já jurados de guerra em breve? Haverá, em ambos os países, eleições que eternizem no poder os rapazes hoje por lá jungidos? Sou incapaz de pensar no assunto com a suficiente profundidade que ele requer. Intuo que haverá um problema eleitoral, um problema com a plebe rude, outro com a definição de democracia e outro ainda com a definição de fascismo, de que falarei mais abaixo.

Pois bem, em minha opinião, o artigo de Rampinelli é ranzinza (ver "Aurelião"), pois acusa de direitosos os eleitos para a reitoria e para o CFH, além -claro- dos atuais dirigentes da associação dos professores. Transcrevo e comento dois trechos.

Na UFSC, parte da esquerda e da centroesquerda – que não apenas lutou contra a
ditadura militar, mas que também defendeu a universidade pública, gratuita e de qualidade, criando, inclusive, um sindicato combativo – se deslocou, mais recentemente, para posições conservadoras, tendo alguns migrados para a “nova direita” e um pequeno grupo avançado para posições fascistas. As razões internas
para esta direitização generalizada em nossa universidade se devem a várias causas, tais como a) a busca pelo poder por meio de um cargo na estrutura da instituição; b) a vitória da administração central, nas últimas eleições para a reitoria, nos três segmentos de categorias; c)o encerramento provisório do tema dos escândalos
financeiros das fundações de apoio; d) o crescimento da interferência da reitoria sobre os sindicatos dos docentes, dos servidores e de alguns centros acadêmicos de estudantes; e) o incremento de assessorias e bolsas para professores, aumentando sua renda salarial; f) a criação de cerca de duzentas funções gratificadas,
permitindo que o reitor acomodasse um número significativo de pessoas na estrutura
da universidade; g) a onda de crescimento e de expansionismo da universidade em Santa
Catarina, que dá à administração central força para impor-se internamente; h) e a capacidade extraordinária que a esquerda tem de se fragmentar a cada processo eleitoral.

Diante deste quadro, e com uma crise sistêmico-estrutural assustando muita gente,
há uma corrida pela busca de um abrigo supostamente seguro na estrutura de poder. O
ideólogo de ontem se tornou um pragmático de hoje, sem passar pela vergonha de ter de
explicar seu passado rejeitado. O pensamento conservador avança para a direitização e passamos a presenciar, pela primeira vez na história da Universidade Federal de Santa Catarina, acontecimentos tais como: a) um pró-reitor – com o consentimento do reitor – processar dois professores por suas manifestações de opinião, fato este nunca ocorrido, nem mesmo durante a ditadura militar; b) um professor do Conselho
Editorial da EdUFSC, pertencente ao Departamento de Engenharia Elétrica, se contrapor a dois pareceristas favoráveis à publicação de um livro – sendo um deles de renome nacional –, com o claro objetivo de censurar um trabalho histórico-político sobre a Colômbia, já tornado público em três países por conta de sua relevância; c) uma administração central que se nega a retirar um processo
contra estudantes, criminalizando um movimento de jovens que luta por melhores condições de sobrevivência na instituição; d) decisões de conselhos e de
colegiados que simplesmente são ignoradas por quem deveria implementá-las, o que caberia inclusive, dentro de uma ordem democrática, a figura do impeachment
contra tais pessoas. Enfim, presenciamos o desrespeito às normas básicas de uma
democracia burguesa. Para agravar esta direitização, aparecem os fascistas, assumindo claramente uma posição antinegros, antiíndios, antihomossexuais, antibrancos pobres, antissindicatos de classe, antimovimentos sociais, anti-partidos de esquerda e, por incrível que pareça, anticiências humanas
e antifilosofia (sic).

A “nova direita” entende – como afirmava Welch – que as únicas vitórias políticas
seguras só podem ser alcançadas por meio de organizações não políticas que disponham
de um fim mais seguro, positivo e permanente que os fins políticos imediatos.
Enfim, através de organizações que tenham base, coesão, força clara e uma direção estável, características impossíveis de serem encontradas nas instâncias tradicionais do partido político.

Portanto, cabe à direção do CFH atuar, também, no exercício da política nesta dura
conjuntura de direitização em nossa universidade. Cooperar com o avanço do pensamento
conservador na UFSC na perspectiva de angariar mais poder é servir a um projeto
elitista, traindo o programa pelo qual foi eleita esta direção.

Stop. Pois o que é que fica do "pequeno grupo avançado para posições fascistas"? Os antinegros, antiíndios etc. serão os referidos como parte da esquerda e da centro-esquerda que "se deslocou"? Ou é apenas uma mistureba de assuntos, voltados a preparar a transição para falar do CFH? Antes, reflitamos sobre "as razões internas da direitização". Na razão .b., vemos que -ao lado de Chávez e do Colombiano- houve uma vitória dos atuais detentores do poder na administração central "nos três segmentos de categorias". Que são eles? Estudantes, funcionários e professores? Operários, soldados e camponeses? Será que os segmentos esposam falsa consciência? O item .d. é absoluto consenso entre os interlocutores ou uma tese que precisa de testes de verificabilidade (definir interferência, definir período de tempo relevante, comparar com igual fenômeno das administrações anteriores etc.)? Os itens .e. e .f. não estariam a explicar a "hegemonia", tudo no mundo fazendo "escolhas racionais"? No jargão economês, não teriam sido subornados pelas bolsas e funções gratificadas? E o expansionismo do item .g., acompanha-se de direitização de todo o sistema federal de ensino superior e do próprio Presidente Luiz Ignácio Lula da Silva, o rapaz que -aparentemente- odeia reeleições?

O item da extraordinária capacidade de fragmentação da esquerda -o .h.- parece-me o mais maravilhoso do artigo. Obviamente, isto acontece, obviamente isto não pode ser declarado como manobra da direita, pelo menos não pode, se usarmos o manual SWOT (o que nos enfraquece?, o que fortalece nossos adversários?). Ou seja, a direita tem o dever legal de tentar enfraquecer-nos e nós temos o compromisso institucional de tentar enfraquecê-la. Mas também precisamos indagar-nos se foi a direita mesmo que nos enfraqueceu, se nos estamos tornando mesmo direitosos, ou se isto é que é a tese do artigo, logo não é argumento em favor da tese. Explicação funcionalista, no caso extremo e desagradável (preservando das críticas a explicação funcional agradável), diz algo como "A e B implicam B. Ora, observamos B, logo também devemos estar observando A". No caso, é isto: rolaram funções gratificadas? Então houve direitização. Não sei se Rampinelli pensa estar fazendo ciência social ao escrever com frequencia para o Boletim. Seu tom milenarista é inegável. Meu milenarismo -in sharp contrast- nada mais é do que a aplicação impiedosa da teoria da escolha racional e, infelizmente, algumas improvisações originárias de meu próprio cérebro. Ou seja, se a negadinha elegeu o reitor e o diretor pensando em vantagens materiais e eles criaram tais vantagens, nada há que possa ser criticado, durante o atual mandato. Ou seja, as regras do jogo não podem ser mudadas em benefício de eternas Chávez ou Somoza ou Haya de La Torre(era isto?). Mas uma plataforma eleitoral que acena com bolsas e efegês e -demagogicamente?- as paga deve ser declarada muito do sabidinha, pois cria lealdades inquebrantáveis. "O povo gosta de mordomia, quem gosta de miséria é o intelectual", teria dito um frasista cujo treinamento nas ciências sociais não deve ser levado excessivamente a sério.

Sem nos desesperarmos por aqui, podemos ler a itemização do arrazoado do parágrafo "Diante deste quadro...". Se não vejo enormes problemas com o quadro, não chego a tremer diante dele. Mas vejo com quem vê, por exemplo, o já alardeadíssimo -no Boletim- insurgimento de gente que achou que o pró-reitor que processou desafetos está agindo de atrabiliário. Desagradam-me pró-reitores que resolvem suas querelas pela via do pugilato, mas a busca de soluções judiciais não me desagradam. A todos nós deve ser assegurado o direito de emitir opiniões. E -claro- todos têm que responder por elas, no sentido de as manterem ou retificarem. Caso não haja acordo sobre o conteúdo de ofensa à honra pessoal embutida em opiniões (por exemplo, minha consideração de que todo político é ladrão), é preciso a busca de soluções pelo duelo (discordo), pela busca de intermediações por third parties, a busca de ajuda judicial (todo juiz é ladrão, I'm afraid). Segundo exemplo: o tal livro recomendado por Rampinelli e que alguém da atual administração superior, encarregada pelos operários, camponeses e soldados, digo, professores, funcionários e estudantes, de gerir a UFSC discorde de suas preferências literárias. Ou seja, ele queria o livro, uns neguinhos da reitoria não o queriam. Rampinelli queria que eles quisessem. Não o querendo, eles passaram a ser declarados como censores. E já temos os fascistas. E a questão de se estamos na UFSC, no Brasil e no resto do mundo vivendo uma ordem democrática. Aí começa a diatribe de Rampinelli contra a direção do CFH, que não lembro o que quer dizer, nem se foi eleita pela maioria dos operários, camponeses e soldados. Presumo que tenha sido, pois presumo que -em maior do que em menor grau- a ordem democrática brasileira esteja burlada apenas nas questões relevantes. Este tipo de querela que resulta da fragmentação da esquerda, em geral, tem soluções judiciais expeditas. A indústria da liminar, claro. Vou parar por aqui, aditando um comentário a seus dois últimos parágrafos:

A “nova direita” entende – como afirmava Welch – que as únicas vitórias políticas
seguras só podem ser alcançadas por meio de organizações não políticas que disponham
de um fim mais seguro, positivo e permanente que os fins políticos imediatos.
Enfim, através de organizações que tenham base, coesão, força clara e uma direção estável, características impossíveis de serem encontradas nas instâncias tradicionais do partido político3.

Portanto, cabe à direção do CFH atuar, também, no exercício da política nesta dura
conjuntura de direitização em nossa universidade. Cooperar com o avanço do pensamento
conservador na UFSC na perspectiva de angariar mais poder é servir a um projeto
elitista, traindo o programa pelo qual foi eleita esta direção.

Este troço de "nova direita" e as instituições não governamentais dá muito assunto. Quis apenas deixar registrado que estamos confrontando estado x comunidade. Ou o papel do Partido (olha o P) como condutor do proletariado bondoso, trabalhador e organizado? Stálin? O PCURSS? Que os deuses nos protejam! E o olímpico: "Portanto". Non sequitur. Simplesmente este troço de caber à direção do CFH uma tarefa do programa político de Rampinelli não se segue dos argumentos anteriormente citados. Argumentos que nem sempre seguem-se a si próprios. Argumentos que falham na definição de termos e no apelo a jargões como direitista e fascista. Não podemos deixar de ser milenaristas, cá de nosso lado do Rio Pelotas. Ainda assim, depois do sucesso doutrinário da medicina baseada em evidência, passei a querer uma filosofia política (ou o que seja) baseada em evidência. Precisamos definir direitização, fascismo e até funcionalismo.

Minha conclusão é que Rampinelli não é fascista (no sentido do Aurelião: "Sistema político nacionalista, imperialista, antiliberal e antidemocrático, liderado por Benito Mussolini (1883-1945) na Itália, e que tinha por emblema o feixe (em it., fascio) de varas dos antigos lictores romanos." Apenas excessivamente convencido da importância de seu milenarismo, quando confrontado com o milenarismo de outros. Claro que ele é politicamente incorreto, usando o duplo sentido do termo. Não se deve chamar ninguém de viado -como ofensa, por oposição a descrição positiva-, nem de fascista, nem de direitoso, nem de ladrão. No reino da retórica, evidentemente, tudo pode, e a tudo devemos desculpar, mesmo quem diz que todo ladrão é político e que devemos criar o MAL*. Meu milenasismo contrasta com o de Rampinelli no sentido de que sigo buscando um modelo que me dê as mesmas certezas que perdi há 20 ou 30 anos, mas que permitem-me suspeitar que não foi Waldir José Rampinelli que as encontrou.
DdAB

2 comentários:

maria da Paz Brasil disse...

Aê, Duilio!
Se fosse uma partida de futebol você teria feito um gol de bicicleta.
:)MdPB

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

certo, garota! esta macacada do Clube da Promoção da Guerra Colômbia-Venezuela só pode ser tratada com escárnio. sou da Paz! todo mundo diz o que quer. e a gente ri das bobagens dos exagerados.
DdAB