03 junho, 2009

Royalties

Querido Diário:Ontem foi dia concorridíssimo. Escrevi a Moacyr Scliar e recebi vibrante resposta.

Hoje, acabo de enviar o que segue a José Pedro Goulart, por seu artigo evocativo de "direitos autorais" e a dificuldade de pagá-los no mundo da Internet. Lá vai:
querido Zé Pedro:
gostei também da crônica de hoje. por regra de três, entendo de arte menos do que entenderás de economia. ainda assim, achei oportuno falar nas duas coisas, comentando tuas idéias.

.1. creio que o grande sinecurista dos direitos autorais é Hugh Grant (filme colorido...) em "Grande Garoto". a idéia é interessante, ainda assim, há aprendizado para os "negócios", no sentido original de "negar o ócio". Hugh (or whatever) dividia sua jornada em bits de15min, precisamente para não ficar parado. a forma física lá dele, a personagem, tampouco levaria a pensar na "tv com batatinhas de pacote" o dia inteiro. mas há outros; sempre me imaginei como herdeiro de Luiz Fernando Veríssimo ou Paulo Coelho, para não falar em estrangeiros, mesmo cientistas importantes, que se divulgadores de idéias deles próprios e de outros, como Richard Dawkins, Roger Penrose e dezenas de outros.

.2. David Ricardo dizia que a "economia política" é a ciência que estuda as leis que regem a distribuição da renda entre as diferentes classes sociais (para ele, tratava-se de trabalhadores, rentistas e capitalistas). hoje entendo que "a luta de classes deve ser substituída pela luta entre instituições", numas elipses que criei com relação a algumas tecnicalidades envolvidas na chamada matriz de contabilidade social. quero dizer: nas sociedades civilizadas, o mercado de trabalho cada vez perde mais importância na distribuição da renda. por exemplo, não apenas posso transferir um dinheirinho todo fim-de-mês a uma tia carente, como eu próprio recebo "proventos da aposentadoria" do govenro, outros recebem "seguro desemprego" e ainda outros recebem "bolsa família", e por aí vai.

.3. Joseph Alois Schumpter dizia que cabem "spectacular prizes" ao empresário inovador, a sociedade devendo garantir-lhe o direito de uso exclusivo de sua invenção por um prazo razoável. ele mesmo sabia que o direito de patente deve ser concedido por um período nem curto nem longo. hoje, já um padrão universal de 15 anos. ou seja, nada me impede de reproduzir o mecanismo de uma câmera digital, ou o que seja, depois de 15 anos. mesmo o pagamento de royalties durante a vigência da patente não pode ser extorsivo, sendo que já houve decisões da justiça americana para limitar o poder de monopólio do "monopolista da inovação'.

.4. livros, pelo que sei, têm garantia de direitos autorais por 60 anos. desenhos de relógios cartiers terão lá mais do que os 15 anos a que referi. dizem que os japoneses patentearam o DNA (ou o que seja) de uma espécie de planta da Amazônia. onde estará o limite?

.5. minha sugestão é muito simples e análoga ao que defendo (com milhares de outros) sobre a renda básica universal. sobre esta, entendo que qualquer cidadão terráqueo, ao completar, digamos 24 anos (o início da vida adulta, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho) deva ganhar um estipêndio pago por um fundo internacional que venho chamando de "Brigada Ambiental Mundial" (financiado com 5% do PIB de todos os países do mundo e complementado pelo chamado Imposto de Tobin, uma fração das transações financeiras internacionais).

.6. os direitos autorais poderiam ter o mesmo tratamento: a comunidade internacional destina uma fração do PIB, digamos 1% ou 0,001%, sabe-se lá, e o divide com base em critérios objetivos, como a estimativa (por economistas insuspeitos) da amplitude do uso da obra que estará sendo divulgada gratuitamente. o "spectacular prize" schumpeteriano não surgiria precisamente na área do desenho, mas da produção: quem usasse mais eficientemente mais ganharia na forma de lucros (e não na de renda-do-rentista ricardiano).

abraços
DdAB

Um comentário:

Unknown disse...

Sob estímulo dos espaços livres para comentários que tem caracterizado suas últimas (digo, mais recentes) blogagens, atrevo-me a voltar à sua presença portando o fardo das (muitas) dúvidas que assolam alguém que, como eu, assume decididamente a postura de aprendiz diante de seus escritos. Por hoje, são duas:
a) não consegui explicar a uma aluna sua idéia de um estipêndio mínimo(renda? provento? seguro?) para cada membro (adulto) da comunidade humana mundial, a ser financiado por 5% do PIB de todos e cada um dos países ... a "bolada" toda seria dividida igualmente entre todos os viventes do planeta? a gente aqui ganharia uma ajudazinha mensal de valor igual à de um cidadão de outro país cujos 5% representem, em termos absolutos, dez vezes mais do que a contribuição do nosso (Brasil) para esse sistema mundial de "bolsa -indivíduo"? Foi-me perguntado se isso não seria a reedição daquela utopia dezenoveana: "de cada um segundo sua capacidade; a cada um segundo sua necessidade" - supondo necessidades mínimas iguais, claro. Mas - ponto crucial - caso aceita e desejada por todos, a sua concetização não daria muito problema operacional, como o Bolsa-família tem dado, vez por outra, aqui e acolá ... imagina isso em escala mundial! Imagina na India (lá tem gente pra caramba!) ou, como dizem os Cassetas: imagina ma Jamaica!
b)a mesma angústia me assola, porém em dose dobrada, no tocante à questão dos direitos autorais. Acontece que estou bastante inclinada a escrever obra autobiográfica, a ser publicada por uma editora alternativa. Já prevejo que será reapropriada e reeleborada sob a forma de roteiro para filme, peça de teatro (o Sr. sabe, hoje em dia vai-se muito rápido do divã aos palcos)e mesmo como inspiração para outras trajetórias individuais - modalidade que, a meu ver, já configuraria plágio. Então, pergunto: onde (e como) poderia eu cobrar a fração correspondente à minha obra sobre os 0,001% do PIB mundial (destinados a esse fundo específico)? Teria que recorrer a algum desses "economistas inuspeitos" que a que o Sr. se refere?
c) Por fim, minha maior dificuldade é - confesso - entender essa idéia de que se "usasse mais eficientemente, mais ganharia na forma de lucros". Não me soa a utopia e, sim, a pragmatismo. Me parece contraditório. e sem comprovaçào empírica: por vezes, a gente usa com a maior eficiência e pouco lucra.
Perdoe, Prof., se me alongo, mas a aluna que tenho a meu lado é impertinente (como costumam ser os alunos inteligentes) e constantemente me cobra respostas.