Nesta postagem, vou dar mais detalhes sobre as razões de minhas preferências. Mas, como bom gaúcho (heimat), começo botando defeito no que, depois, e apenas depois, vou elogiar...
O DEFEITO
Tanta discussão já foi feita sobre o "Ulysses" que talvez já não mais seja possível fazer-se o levantamento de tudo o que foi escrito. Ou que apenas seja possível daqui a 1.000 anos... Um desses meandros da abordagem ao romance diz respeito às letras inicial e final da história: stately e yes, ou seja, as letras inicial e final da palavra "sífilis". Por quê? Existe uma longa bibliografia de comentadores sustentando que Joyce padeceu desta DST.
REFLEXÕES SOBRE OS DOIS "S" DO SUBSTANTIVO/ADVÉRBIO INICIAL (stately) E DO ADVÉRBIO FINAL (yes)
Para chegar na ilustração, temos um bom caminho a percorrer. Lendo daqui e dali, cheguei à conclusão que Joyce quis mesmo protestar contra a sífilis que o acometeu em algum ponto de sua vida ao iniciar o romance com a letra 's' e concluí-lo com outra (ver mais reflexões aqui). De fato em inglês, a edição princeps (Penguin) e também a edição de Hans Gabler (Vintage) mantêm as palavras originais 'stately' e 'yes'. Vou repetir aqui, para conveniência do leitor, a palavra inicial do romance nas traduções que tenho à mão ('stately'). E acrescentar a elas a final ('yes').
JOYCE, James (2007) Ulisses. Rio de Janeiro: Alfaguarra/Objetiva. 908p. Tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro. "majestoso" e "sim".
JOYCE, James (2012) Ulysses. São Paulo: Penguin Classics/Companhia das Letras. 1106p. Tradução de Caetano Waldrigues Galindo. "solene" e "sim".
JOYCE, James (2013). Ulisses. Lisboa: Relógio D'Água. 730p. Tradução de Jorge Vaz de Carvalho. "soberbo" e "yes".
TRADUÇÕES EM ESPANHOL
JOYCE, James (1988) Ulises. Barcelona: Debolsillo. 963p. Tradução de José Maria Valverde."solemne" e "sí".
JOYCE, James (2008) Ulises. Mexico: Tomo. 728p. (na verdade, "Grupo Editorial Tomo, S. A de C. V."). 1a. edición, noviembre. Tradução de J. Salas Subirat reproduzindo o original argentino."imponente". "sí''.
abcz
VIRTUDES ADICIONAIS DA TRADUÇÃO BERNARDINA
Mais referências para avaliar a qualidade da tradução da profa. Bernardina são as notas do final do volume. Ela inicia confrontando a "Odisseia" de Homero com o "Ulysses" de James Joyce. Além disso, ela apresenta uma lista de termos requerendo qualificações praticamente página-a-página. Por exemplo, ao final do primeiro parágrafo do romance, vem uma expressão latina: "Introibo ad altare Dei". Bernardina escreve: [...] latim: "Eu irei ao altar de Deus". (Salmo 43.4) - Palavras do padre ao iniciar a antiga missa latina. Esta iniciativa é muito importante para quem deseja aposar-se dos detalhes da construção joyceana.
Mas isto não é tudo. Depois de um prefácio e sua bibliografia da autoria da professora, vemos um "Esquema dos Episódios", esquema este feito por James Joyce em 1921, para benefício de seu amigo Stuart Gilbert. Na edição Penguin-Companhia/Galindo, reproduz-se esse mesmo esquema. Podemos vê-lo clicando aqui. que, tristemente, foi eliminado da edução Companhia das Letras/Galindo. E ainda agora isso não é tudo, pois -além desse esquema feito para o amigo Stuart Gilbert, James Joyce fez outro, desta vez direcionado a seu amigo Carlo Linati (aqui).
E qual a importância desses esquemas? Eles mostram aspectos omitidos pelo próprio autor na edição princeps, ou seja a Penguin inglesa. Podemos entender que o romance tem três partes. A primeira contempla os três capítulos iniciais e se intitula "Telemaquia". A segunda contempla os capítulos 4-15, intitulando-se "Odisseia" e a última contempla os três capítulos finais. E se intitula "Nostos".
Daí advém uma superioridade da tradução da profa. Bernardina sobre algumas das recém citadas, pois ela nos permite ver também o título dos 18 capítulos, o que já é também um brinde para o leitor. Mas ela não reproduz esses títulos como frontispícios dos próprios capítulos. A lápis, o leitor pode fazê-lo e, caso se arrependa, pode apagá-los...
DdAB
P.S. Caetano Galindo é um acadêmico de respeito, especialista em comentar Joyce, além do "Ulysses" (além, claro, de outras especialidades). É dele um maravilhoso livro de introdução ao "Ulysses":
GALINDO, Caetano W. (2016) Uma visita guiada ao Ulysses de James Joyce: São Paulo: Companhia das Letras.
Não sei o que é melhor: meter os peitos e ler a tradução da profa. Bernardina ou o livro introdutório de Galindo, também professor. Nas atrevo-me a recomendar a da professora.
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