13 fevereiro, 2022

O SUS e o Significado de Universalidade

 

Tem muito juiz mal preparado, inclusive sem saber que aqueles óculos redondinhos que vemos estampados no rosto de John Lennon eram distribuídos gratuitamente pelo SUS britânico (ou seja, o NHS - National Health Service) naquele tempo áureo da social-democracia no reino, na Europa e em boa parte do resto do mundo.

Mas tem ainda mais falta de preparação dos juízes, de muitos juízes do desafortunado Brasil: ganham milhões e não estudam. Muitos juízes são especialmente desconhecedores da teoria da escolha pública (TEP). Deixo claro, não são todos os juízes, como posso presumir. Ao mesmo tempo, alinho ao lado deles milhões de estudiosos, formuladores e outros envolvidos com o desenho e aplicação das políticas de governo que desconhecem as reflexões teóricas da citada TEP que podem dar escopo a sua atuação. 

Sem uma base mais sólida sobre as questões das falhas de mercado e falhas de governo é impossível um juiz exarar boas sentenças nos assuntos governamentais. Por exemplo, é sabido que,  volta e meia, ordens judiciais furam a fila de transplantes de órgãos. Outro exemplo: juízes mandam o SUS pagar medicamentos muito caros para uns, enquanto que medicamentos mais baratos para outras doenças são sonegados precisamente pela falta de recursos para tudo.

Falo agora da incompreensão por parte desse grupo do significado do termo "universal" envolvido pela sigla de SUS - sistema, único e de saúde. Agora começa.

Único não é sinônimo de universal. O primeiro termo pode bem estar descrevendo um monopólio, digamos, de tecnologia D.25 para internet com impressão em 3D, algo pirado e só concebido para dar este exemplo. Como sabemos, um monopólio puro, modelado na teoria econômica elementar e, mais recentemente, nos últimos 50 anos, na teoria dos jogos, não existe no mundo. Naqueles tempos dizia-se que havia um monopólio, o único reconhecido como tal, na indústria (de um só produtor) de máquinas para fabricar sapatos, uma empresa americana que, no devido tempo, teve seu poder de mercado quebrado pelos italianos.

Outra instituição universal é a renda básica da cidadania prevista na lei 10.835/2004. 2004! Segundo ano do governo Lula e negligenciada durante todo o lulismo. Pela lei (ainda a ser cumprida por algum governo decente), todos, indiscriminadamente, independente de outros ganhos, serão credenciados a receber certo estipêndio mensal, compatível com o grau de desenvolvimento econômico do país. Todos indiscriminadamente têm acesso a ela, desde o vereador Eduardo Suplicy que fez o projeto enquanto senador a Chico Buarque e Chico Zé, um descendente de portugueses que conheci.

Com universal, a encrenca é diferente: tem que servir para habitantes da Terra e de colônias extra-lunares, além das lunares propriamente. Num sistema universal, todo mundo tem acesso àquilo que está sendo universalizado. Então isto significa dizer que tenho acesso a um iate de 15 pés? Claro que não, pois não tem nenhuma linha de modelos de 15 pés de iates sendo universalizada. E aí chegamos na sempre elogiada por mim teoria da escolha pública: o iate nem precisa ser universalizado para ver sua escassez administrada, pois há dois mecanismos de mercado coibindo seu uso, sua compra: a exclusão e o consumo rival. Exclusão significa dizer que consumidores com poder aquisitivo insuficiente estarão barrados ao consumo de iates. Rivalidade no consumo quer dizer que, se minha avó compra um iate de 15 pés (para permitir-me pular o carnaval embarcado, presumo), tua avó não poderá comprar aquele mesmo que vai parar em meu ancoradouro.

O SUS propõe-se a cumprir o mesmo preceito. Mas existe uma diferença importante entre renda básica e SUS. No segundo caso, precisamos pensar no conceito de hierarquização das necessidades humanas. Tirei a lista que segue da Wikipedia hoje mesmo:

Necessidades Básicas (primárias)
::: Fisiológicas 
::: Segurança
Necessidades Psicológicas (secundárias) 
::: Sociais 
::: Estima 
Necessidades de Autorrealização

Pois então. No caso do SUS, trabalha-se arduamente pela consolidação de seus princípios doutrinários (universalidade, equidade e integralidade nos serviços e ações de saúde), bem como dos princípios que dizem respeito a sua operacionalização (descentralização dos serviços, regionalização e hierarquização da rede e participação...".

E agora termino: juiz mandar hospital furar fila de transplantes de órgãos, juiz mandar o SUS importar remédios caríssimos (em detrimento dos baratíssimos, por exemplo, para acabar com a barriga d'água), tudo isto é uma insanidade geral. Mostra apenas o despreparo, em linhas gerais, do sistema judiciário (da polícia aos juízes).

DdAB

2 comentários:

Unknown disse...

Tche excelente reflexão . para "tornar"mais complexo vamos ponderar a criação de valor e a possível destruição de valor associada ao "Sr Juiz". Ele errar ou falhar em uma sentença é humano e parte da "destruição de valor "gerenciável", erro esporádico. Mas quando o "sistema possui "processos internos" e "operação" que constantemente "propicia" o erro ai temos um sério problema . Isto se deve ao fato que a "destruição de valor" se torna sistêmica . E "destruição de valor" sistêmica, empobrece uma nação, mantem o subdesenvolvimento, consome os recursos ( naturais e humanos ) . O "juiz ignorante" aliado a um sistema "burro" mantem o subdesenvolvimento. Lembra-se do Joseph Schumpeter a destruição criativa . Sim o nosso Judiciario e sua operação e formação de seus quadros deveria se re-inventar .

Antonio Avila disse...

Até a Constituinte, havia vários sistemas públicos de saúde, em especial os federais, os estaduais e os municipais. A ideia dominante foi a de unificar todos os sistemas, daí o Único. Ao mesmo tempo foram ganhando corpo as ideias socialistas que visavam a construção de um sistema para todos, um sistema universal. Mas num País com uma desigualdade de rendas escandalosa o universal é um acontecimento. Os detentores de altas rendas bateram palmas. Os exemplos citados acima escancaram uma pequena parte do problema. Além disso, o SUS só funciona razoavelmente porque é ruim e com isso expulsa grande parte da classe média alta que apela para os planos de saúde particulares. Tudo sem contar que os grandes financiadores do SUS são os trabalhadores pobres.