12 janeiro, 2021

Mudança do Hino Sul-Riograndense: primeiro tiro n'água


 

Ela, não podia deixar de ser ela, a Zero Hora. Ele, não poderia deixar de ser ele, o Túlio Millmann. Na página 4 do exemplar de hoje do jornal, Túlio tem uma manchete tamanho gigante: "Projeto quer mudar o Hino Rio-Grandense". E diz que o deputado Luiz Fernando Mainardi conversou com duas vereadoras negras*, de Porto Alegre e Bagé, criticando a forma atual do hino:

"povo que não tem virtude acaba por ser escravo"

por

"povo que não tem virtudes acaba por escravizar".

Achei meio imbecil esta proposta de troca. Claro que o primeiro trecho tem tudo a ver com o desprezo que hoje atribuímos a manifestações racistas: como, assim, que escravos estão no clube da turma sem virtude? ... da qual incontestavelmente fazem parte os políticos... Em certas rodas existencialistas, eu já teria nascido escravo, independentemente das eventuais virtudes que posso ter trazido desde meus tempos de nascituro e depois de dado à luz. Entre elas, destaco o choro lacrimejante, a barriga na miséria (vazia de fábrica), e por aí vai Vovó.

Mas, em boa medida, nem me cabe ficar falando no hino sul-riograndense, pois nem nasci nesta quadratura: "eu sou do Rio de Janeiro, diz que Deus diz que dá...". E não me chamo Conrado, mas não posso deixar de registrar que notei que aquela "virtude" poderia mudar para "virtudes", o que me excluiria do clube, como mencionei. Sou contra tascarem o "s" naquela "virtude" do hino racista... Ao mesmo tempo, parece-me que nada há de mais imbecil, como registrei, que trocar aquele 6 por 12/2 é, como direi?, imbecil. 

Não sei classificar linguisticamente, mas sinto -filosoficamente- que "virtude" é um conjunto que abarca todas as virtudes, ao passo que "virtudes" refere-se a um conjunto restrito, como o choro com lágrimas, a saliva com certo conteúdo de bactérias streptococus mutans, e assim por diante.

E a métrica da excelência Mainardi? O original "povo que não tem virtude acaba por ser escravo" tem po-vo-que-não-tem-vir-tu-dea-ca-ba-por-se-res-cra-vo, ou seja, 14 sílabas da contagem poética. De sua parte aquele "povo que não tem virtudes acaba por escravizar" tem po-vo-que-não-tem-vir-tu-de-sa-ca-ba-po-res-cra-vi-zar, conta com suas 15. Perdemos métrica, mas ganhamos uma sílaba poética. Assim não conto um empate: em qualquer caso, conto derrota.

Agora, se é para desrespeitar a métrica do hino que se põe novamente sub judice, proponho:

a) povo que não preza o igualitarismo terminará elegendo governantes que não privilegiam a formação de capital humano, com gastos direcionados aos setores da educação, da saúde, da segurança, do saneamento, das relações diplomáticas,

b) povo que não tem virtude não tem vergonha na cara, como é o caso daquela fração dos 57 milhões que votaram em Bolsonaro em 2018 e até hoje ainda não se arrependeram; que precisa fazer nosso presidente para mostrar a tod@s que ele próprio não tem qualquer virtude (areté, em grego)?

c) a tolice da intelligentsia brasileira é não entender que o verdadeiro problema do Brasil é a desigualdade e não aquela macaquice de casa-grande-senzala ou mesmo a cordialidade e ainda, tudo conforme Jessé Souza, a casa-e-a-rua.

Acho que bastam mais três contribuições para o tema.

DdAB

*Pelo que pude apurar pela própria foto de Mainardi com Laura Sito que compõe a notícia e procurando o nome de Caren Castêncio no Google também lhe atribuo a cor negra (conjunto que abarca pardos e pretos, na linguagem do IBGE).

P.S. Por estas e outras é que sou francamente favorável ao fechamento dos estados e, com eles, as assembleias legislativas estaduais e o senado federal!

P.S.S. A imagem é a tal 'areté' em grego que retirei da Wikipedia.

P.S.S.S. Comentário do prof. Conrado Chagas lá no Facebook: 

A contagem das sílabas (pés) métricas aumenta, Dondo, como observaste. Te pergunto: e a rima como fica no projeto? Sim, pq "escravo" rima com "bravo". Qual é a solução que propõem para rimar com "escravizar"? Entendo que, como está, o hino pode ter uma interpretação racista, já que dá a entender que aqueles que foram escravizados assim o foram por inépcia de virtude. Mas não seria o caso de deixar os poetas resolverem o imbróglio, talvez por meio de um concurso? Gosto do Mainardi, mas não me consta que tenha lidado com versos.

Nenhum comentário: