A cada dia, a gente entra em cada fria... Hoje terminei de ler o livrinho
OSÓRIO, Pedro Luiz da Silveira (1986) Assis Brasil. Porto Alegre: Tchê. Coleção Esses Gaúchos.
O livrinho, claro, não é fria. Mas algo nas páginas 76-7 levou-me a pensar que a querela sobre como se escreve o nome do país Brasil-Brazil talvez seja interminável. Já me dediquei ao tema aqui e, secundariamente, aqui. Na segunda, aquela intitulada "Querelas do Brasil" já vemos a primeira querela nos dois versos iniciais:
O Brazil não conhece o Brasil
O Brasil nunca foi ao Brazil
Podemos observar a existência de uma incompreensão recíproca entre Brazil e Brasil: quem veio primeiro? Sempre achei que o Brazil antecedeu o Brasil. E alinho argumentos aqui e ali nessas duas postagens. Mas agora vejamos um trecho das páginas 76-77 que acima referenciei. Estamos falando da vida de Assis Brasil, autor prolífico e, se posso usar um termo recentemente incorporado a meu vocabulário, um polímata. E o autor está elogiando sua rica e variada produção literária.
[...] No livreto Brasil escreve-se com S [sic] [Assis Brasil] provou, recorrendo a obras históricas, que apenas o inglês e o holandês adotaram a grafia Brazil [sic]. E espantava-se com o fato de, ao contrário do invasor adotar a língua do invadido, os portugueses e neo-portugueses procedessem de modo inverso: 'É fato talvez único na história, e com certeza o único dos tempos modernos - o dos cidadãos de uma mesma nação discordarem sobre a ortografia do nome do próprio país. É único, mas bem expressivo: no Brasil tudo está por fazer, desde a ortografia do próprio nome', escreveu ironicamente no livro que contém o discurso de Carlos Goicochea, ao assumir a cadeira de AB [Assis Brasil] na academia - publicado pela própria academia, em 1941 - o nome do patrono aparece grafado Assis Brazil. [...]
O tal livreto é Brasil escreve-se com S. Livraria do Globo, Porto Alegre, 1918 [sic]. Retirei esta referência da Wikipedia no verbete "Assis Brasil". Na pandemia, nem penso em ir à Biblioteca Pública para examiná-lo. Mas penso que meu colega e amigo Pedro Silveira Bandeira, um bibliófilo de qualidade especial pode tê-lo em sua coleção.
A primeira constituição da república dos Estados Unidos do Brazil é de 1891. O nascimento de Assis Brasil ocorreu em 1857, ou seja, mais velho que ela. Quer dizer, ele - homem espantosamente erudito e leitor contumaz - certamente a conhecia par coeur. E ainda assim ele falava em Brasil. Eu apostaria uma rodada de cachaça num bar das redondezas que a certidão de batismo/nascimento dele deveria registrar Assis Brazil. Só lendo o "livrinho" para saber suas razões para mudar a grafia do nome paterno.
Àquele trecho de cidadãos discordarem do nome do país, acrescento a mudança de Estados Unidos do Brasil para República Federativa do Brasil. Este nome andou colando em meia-dúzia de constituições e, felizmente, naquele ridículo em que se plebiscitava se o país seria república ou monarquia, perdeu a corrente monárquica. Houvesse vitória, veríamos outro nome. Como sabemos, sou contra mudanças ortográficas: não lemos Camões não é porque ele escrever arrevesado (para nosso padrão), mas pela semântica: "armas e barões assinalados": que é isto? Obviamente, portanto, sou contra terem mudado o nome do país para Brasil. E contra Assis de Tal ter usado como seu nome para Assis Brasil.
Prometo que, se eleito vereador for, vou mudar o nome da avenida Assis Brasil para avenida Assis Brazil.
DdAB
P.S. Na constituição de 1934, já do clube da ditadura de Getúlio Vargas, vemos o nome de Estados Unidos do Brasil. Na seguinte (cognominada de 'polaca'), de 1937, também vemos o nome de Estados Unidos do Brasil. Mantêm-se os estados unidos, mas cai Brazil e perfila-se Brasil, que vigora até hoje. No outro dia, falei na seguinte, de 1946, que regeu minhas ações até 1967, quando mantive a cidadania, mas fiquei mais desamparado.
P.S.S. Sou perjuro, pois andei assegurando que a mudança de Brazil para Brasil ocorrera na onda da reforma ortográfica de -se bem lembro- 1943.
P.S.S. O professor Conrado de Abreu Chagas, e poderia ser outro alguém, que não ele?, mostrou-me o artigo 'Brasil', um nome celta que habitava o imaginário medieval, de Pedro Paulo A. Funari, disponível aqui, que me levou a firmar a convicção que o nome do país não tem a ver com o pau-brasil, mas com a terra a oeste da Europa que teria lá suas doçuras e fontes de felicidade. Nesse artigo, o professor Funari (da Unicamp), usa 25 vezes a grafia "Brasil" e nenhuma, a "Brazil". Acho que ele não se preocupava com esta questão, mas não teho dúvida de que, no tempo antigo, escrevia-se mais Brazil que Brasil. Creio ser a esta duplicidade que Assis Brasil se refere quando diz: "cidadãos de uma mesma nação discordarem sobre a ortografia do nome do próprio país".
P.S.S.S. E não seria outro senão o professor Conrado a indicar-me algo mais power sobre quando oficialmente o Brazil passou a chamar-se Brasil. O artigo
FRANCO, Maiara Ferreira Fraga do e SOUZA, Thales Ribeiro de (s.d.) Descobrindo uma pequena parcela da identidade nacional: mudança ortográfica da palavra 'Brasil'. N.B. na página 1 do artigo lê-se: "estudo realizado pelos acadêmicos Maiara F. F. do Franco e Thales R. de Souza para cumprimento parcial da disciplina de “Morfologia e Sintaxe Histórica” do curso de Letras – Língua Portuguesa da UNESC (Universidade do Extremo Sul Catarinense), orientados pela professora Dra. Fernanda Cizescki."
Pois então. Na página 8, podemos ler: "[...] também houve uma reformulação oficial da troca da grafia no país. Esta mudança ocorreu em 15 de junho de 1931, onde se lê no Art. 3, inc. XVI, "a" do Decreto 20108/31, assinado pelo então presidente Getúlio Vargas que: “Fixar a grafia usualmente dubitativa das seguintes palavras, seus derivados e afins: a) Brasil e não Brazil”.
Ainda neste P.S.S.S, cabe lembrar que o livro de Assis Brasil é de 1918, ou seja, 13 anos antes do decreto getulista. O decreto está aqui.