23 junho, 2018

Refundação da FEE: pela contabilidade social regional

Querido blog:

A FEE faz muito mais que contabilidade social regional, faz, por exemplo, demografia e coleta outros indicadores econômicos, sócio-demográficos e ambientais. A lei que determinou seu fechamento -e de outras congêneres importantes para a vida societária gaúcha- foi uma vitória da má política sobre o bom planejamento governamental. Esta irresponsabilidade praticada por governantes e políticos da ocasião terá consequências que vão-se estender por, pelo menos, um lustro.

No presente momento, ao acompanhar a constatação de que a burrada governamental já encontrou sua primeira barreira com a divulgação do PIB de 2017, achei que seria oportuno falar alguma coisa mais sobre os demais capítulos da contabilidade social. Primeiro, pois foi praticamente por "essa ponta" que comecei minha vida profissional na FEE e em suas precursoras. Graças a esta experiência, um bom tempo depois, passei a lecionar contabilidade social no curso de graduação e graças ao material que fui compilando e processando para benefício dos alunos, criei um núcleo de capítulos que iriam integrar-se a outros temas e outros autores, gerando-se o livro

Mesoeconomia - Lições de Contabilidade Social A Mensuração do Esforço Produtivo da Sociedade. Duilio de Avila Bêrni; Vladimir Lautert (e colaboradores).

Pois nele, em sua página 75, vemos o quadro que segue. O título é informativo: existe uma nova contabilidade social envolvendo a referida contabilidade social regional. Essa visão não excessivamente pessoal mostra uma listagem de 14 capítulos que requerem esforços além das habilidades técnicas de uma instituição específica (se a FEE requeria ajuda e gastou décadas para montar sua rede, só imagina o que a FIPE poderá fazer, especialmente se considerarmos que em 2019 poderá ocorrer a refundação da FEE).

No primeiro dos 14 itens do Quadro 2.2, já temos alguma contribuição para entender o grau de irresponsabilidade da parte do governo de José Ivo Sartori em -primeiro- fechar a FEE e -segundo- ater-se ao chamado jornalístico de oferecer detalhes apenas para o PIB, o produto interno bruto (calculado -nova terminologia- a preços de consumidor). O Rio Grande do Sul precisa de uma instituição voltada à produção de estatísticas e que se incumba de calcular o valor adicionado anualmente pela sociedade local. Com este agregado econômico, pode-se avaliar o grau de eficiência com que os recursos da sociedade foram utilizados.

A grande questão, portanto, é que a contabilidade social calcula diversos agregados muito além do valor adicionado. Mas, de sua parte, ele próprio não se atém exclusivamente ao PIB. Naquela primeira linha do Quadro 2.2, vemos que se fala nas óticas do produto, da renda e da despesa. E na figura que segue vemos uma exposição didática da forma como esses três agregados se relacionam por meio da matriz de contabilidade social.
Pedagogicamente falando, o painel (a) mostra o que vemos como um empate no jogo da velha, mas aqueles cinco "x" estão demarcando um espaço sinalizado no painel (b). Trata-se de uma matriz quadrada que exibe nas linhas as contas dos produtores, dos (serviços dos) fatores e a das instituições. A convenção contábil adotada nesse contexto mostra que a cifra de 1.000 que lemos na célula c13 - primeira linha, terceira coluna - informa que os produtores venderam bens e serviços de uso intermediário às instituições (que, obviamente, os compraram). No painel (c), vemos o significado dessas cinco cifras. Cabe destacar o conteúdo da célula c33, em que observamos o registro das relações institucionais, que distingue a matriz de contabilidade social. Também merece destaque a constatação de que as células c11, c13 e c21 constituem a matriz de insumo-produto.

Na Tabela 3,5 vemos um desdobramento parcial das componentes das três óticas de cálculo do valor adicionado. Na ótica do produto, vemos o registro das remunerações dos fatores de produção de acordo com os setores econômicos que os pagam. Na ótica da renda, vemos como essas remunerações são transferidas às instituições que -de acordo com o modelo- autorizaram seus integrantes (as famílias e as pessoas que as constituem) a levar sua capacidade produtiva ao mercado de trabalho e aos demais mercados de fatores de produção. Por fim, na ótica da despesa, vemos como os setores econômicos (agricultura, indústria e serviços, no quadro e grandes desdobramentos nos cálculos concretos do IBGE e anteriormente à lei que a fechou da FEE) proveem as necessidades das instituições, fornecendo-lhes bens e serviços de uso final. Na tabela que segue, a ótica da despesa tem uma peculiaridade, mostrando os valores das transações feitas entre produtores e instituições líquidos de impostos indiretos e também líquidos de importações.
De volta ao Quadro 2.2, olhando suas demais linhas, observamos o registro de um programa de trabalho ainda não integralmente cumprido nem para o nível nacional nem para o estadual. E, se o estado do Rio Grande do Sul tem-se visto incapaz de calcular o mais simples, dado o fechamento da FEE, que dizer da possibilidade de completar o programa inteiro?

Farei um registro final da linha 4, nomeadamente, fazer comparações intertemporais entre agregados econômicos. Naturalmente, o grande desafio no cálculo do valor adicionado e suas três óticas de cálculo alcança sua plena relevância quando se dispõe de uma série construída com a mesma metodologia para fazer as comparações no valor nominal (isto é, aquele valor calculado aos preços correntes, podendo carregar, portanto, o resultado de processos inflacionários) de diferentes períodos. Esta comparação entre valores nominais é hábil para observar-se a mudança estrutural da economia, por exemplo, saber se a indústria de transformação está aumentando, reduzindo ou mantendo constante sua participação no produto interno bruto (1). Mas a comparação do total e de seus componentes do valor adicionado calculado a preços constantes é fundamental para eliminar dos cálculos o efeito dos aumentos dos preços das diferentes mercadorias e, com essas novas cifras, também o sendo para a avaliação do dinamismo dos diferentes componentes.

Na verdade, mesmo que não houvesse inflação, mas apenas alguma flutuação de preços respondendo a mudanças relativas na escassez de uns poucos produtos, enfrentaríamos o problema da correção, pois o que desejamos obter é a variação real, ou seja, variação na quantidade produzida, ou melhor, num índice da quantidade produzida. E aí entramos no mundo dos números índices, um dos capítulos mais interessantes da estatística econômica e também da teoria econômica, que inspira a construção de um índice chamado de índice verdadeiro.

DdAB
P.S. Uma visão objetiva dos custos sociais do fechamento da FEE encontra-se aqui.
P.S.S. E aqui a lista dos coautores:
Adalberto Alves Maia Neto, Adalmir Marquetti, Adelar Fochezatto, Ademir Barbosa Koucher, Adriana Nunes Ferreira, Alexandre Alves Porsse, André Moreira Cunha, Ani Reni Ew, Cássio Calvete, Daniela Magalhães Prates, Duilio de Avila Bêrni, Eduardo Finamore, Eduardo Grijó, Fernando Salgueiro Perobelli, Flávio Tosi Feijó, Gláucia Michel de Oliva, Henrique Morrone, João Rogério Sanson, Liderau dos Santos Marques Jr., Luciano Moraes Braga, Paulo de Andrade Jacinto, Riovaldo Mesquita, Ubaldino de Almeida Conceição, Vania Alberton, Vladimir Lautert. Agradecimento especial: David Pedroso Corrêa e Arlei Fachinello.
(1) Notar que, uma vez que o valor adicionado tem três óticas de cálculo, se estamos falando em participação dos setores em sua composição, podemos falar nas óticas do produto ou da despesa. Em geral essas participações serão diferentes, dando alguma indicação sobre a especialização setorial. Uma vez que a oferta total é igual à demanda total, temos PIB + Insumos Comprados = DF + Insumos Vendidos. Se o PIB é maior que a DF, segue-se que os insumos comprados são menores que os vendidos por setor. Isto significa que o setor é menos especializado que a média da economia em matéria de insumos intermediários.

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