Querido blog:
Há tempos estou para fazer uma postagem sobre um número da revista Cult, o n.9 ano 21, edição especial de janeiro do ano corrente, especial, pois traz uma coletânea de textos publicados em vários números pretéritos na própria Cult sobre Hannah Arendt. Na página 48, fisguei um trechinho do artigo de Eduardo Jardim, intitulado Tensão entre a teoria e a prática.
[...]
A noção de que a teoria deve servir para uma intervenção transformadora na realidade marcou a compreensão que os cientistas sociais tiveram da sua vocação. Essa convicção se sustentava na aceitação de um dualismo de teoria e prática, presente ao longo da nossa tradição de pensamento, que, iniciada com os antigos, pretendeu impor à teoria a tarefa de produzir critérios para atuar na realidade - do que resultou uma compreensão instrumental da atividade intelectual. Hannah Arendt, por sua vez, propôs tratar da relação entre teoria e prática fora dos marcos tradicionais, o que a conduziu a tomar distância da solução 'ativista' adotada pela orientação dominante nas ciências sociais. Para ela, na atualidade, importa considerar o estatuto próprio da teoria, independentemente das tarefas que lhe são atribuídas, o pensamento sendo visto como a mais desinteressada das atividades espirituais.
E tenho sempre presente uma lição que aprendi há menos de um ano ao ver o filme argentino "Cidadão Ilustre". Essa personagem que enriqueceu na Espanha como escritor, ao visitar a cidade de nascença na Argentina, começou a ser requisitado a contribuir pecuniariamente para diversos e estrambóticos projetos. Um deles era um pai de um adolescente (?) excepcional pedindo que o escritor pagasse ao filho uma cadeira de rodas mais moderna do que a que se vê na tela. O escritor, negando-se a atender o pedido, disse apenas: "Não pense que não me preocupo com as questões sociais de meu tempo. Ocorre que escolhi outras frentes de combate e não esta da caridade cheek-to-cheek."
Não que isto seja um consolo para mim, que faço o que de melhor posso para mudar o mundo. Mas associo as duas passagens que me marcaram. Confronto-as com uma frase que aprendi com Jean Paul Sartre, na orelha daquele velho livro de sua própria autoria intitulado "Furacão sobre Cuba". Dizia-nos Sartre: "Quem não fizer tudo aquilo que pode, e mesmo mais do que pode, é como se não tivesse feito absolutamente nada". Quando li isto, fiquei pensando em como poderia eu fazer mais do que posso. Meu papel como intelectual e professor aposentado é fazer exatamente o que faço que posso chamar de "ligeiramente menos do que posso"... Afinal um heptagenário precisa aplicar-se em atividades individuais precisamente para manter essa condição e até ampliá-la para octogenário.
DdAB
P.S. Acabo de descobrir que o www.dicio.com.br não fala em heptagenário, mas em septuagenário.
P.S.S. Tá confirmado que o nome é septuagenário, como indica aquele rapaz de 70 anos que se dedica a atividades pouco edificantes, de acordo com a internet. Espero que seja fake-news.
P.S.S.S. Ali atrás declarei-me intelectual, pois:
.a uso óculos
.b tenho mais de 1.000 livros
.c tenho péssima caligrafia.
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