Querido diário:
Comecei o título deste artigo usando o adjetivo masculino singular "honesto". Singular, eis a chave, uma vez que parece haver poucos honestos, especialmente na política, objeto de minha incursão à economia política do Brasil contemporâneo. A corrupção não é de hoje e o povo, piadista como ele só, já acusou esta escassez quando da eleição -lá por seus pares- do general Ernesto Geisel à presidência da república em 15 de janeiro de 1974. Diz a piada que -homens de seu tempo- os militares tentaram resolver o impasse do excesso de candidatos à sucessão do general Emílio Garrastazu Médici, pedindo a um algoritmo que, desta vez, apontasse um general honesto. O computador -segue a lenda- pensou, pensou e informou: "honesto não tem, mas por aproximação temos um Ernesto". Aqui entre nós, tornemo-nos circunspectos: primeiramente fora Temer!
Os tempos mudaram. Mudanças cosméticas, é verdade, pois o principal problema brasileiro, a desigualdade, esconde-se nas mais variadas fímbrias da vida nacional. Na presente fase e as instituições que nela funcionam, não há como deixar de referir que a própria desigualdade é endossada pela impunidade. Um sistema judiciário de baixa eficiência é um poderoso aliado da desigualdade na medida que, por exemplo, não exige do poder executivo a criação de condições para todas as crianças frequentarem escolas de qualidade, não oferece segurança pública em níveis adequados, não garante (nem entende o que significa) um sistema de saúde realmente universal, não pune políticos que mentem em suas promessas eleitorais, e por aí segue a saga.
A impunidade, como sabemos, é alcançada pelo estabelecimento de um preço baixíssimo para a demanda por crimes. Sendo esta demanda exercida pelos desonestos, o preço baixo induz ao consumo de alta quantidade de ilícitos. Já estamos com dois itens: a desigualdade e a impunidade. Mas rapidamente cumpre-nos acrescentar uma terceira e poderosa aliada no Brasil: a leniência, a lentidão da justiça, o que provocou uma relação entre processos pendentes e população realmente escandalosa: para os 200 milhões de brasileiros, há 100 milhões de processos transitando pelos escaninhos das repartições da administração da justiça. Como evitar de comemorar que, em média, cada brasileiro ou está processando outro ou sendo processado por ele?
No congresso nacional, as posições de representantes do povo já vêm diretamente associadas à cultura da impunidade, pois são dezenas os deputados e senadores cuja motivação para permanecerem na política é o foro especial que a representação lhes oferece e, com ele, a criminalização de suas ações apenas após filtro imposto pelo poder judiciário. A atual composição das duas casas é de 513 deputados e 81 senadores. Deste total de 594 representantes do povo e das terras há 238 "sendo investigados", como aponta Isabella Macedo em artigo de 27 de julho no site http://congressoemfoco.uol.com.br. São centenas de inquéritos, quase alcançando galhardamente a média de apenas meio processo por brasileiro. Em outras palavras, dado o tamanho da amostra (e a possível impunidade/ignorância sobre crimes de muitos deles) um político exercendo cargos eletivos pratica ações que são mais suspeitas de criminosas que a média da população brasileira. Mau sinal... Esta escandalosa convivência com a impunidade dos parlamentares é um trágico exemplo voltado a conduzir nossa reflexão sobre a herança que a atual geração deixará para seus pósteros.
Um portentoso exemplo da vigilância feita pela atual geração quanto às tentativas governamentais de conduzir ao desmantelamento da administração pública pode ser notado, nos dias que correm, pela mobilização de diferentes categorias profissionais de funcionários públicos, bem como de organizações comunitárias como certo número de sindicatos e da igreja, especialmente a católica. Em particular, os funcionários públicos estão dando nova lição de civismo, inclusive deixando claro que o estilo anterior de condução da administração pública majoritariamente por meio de funcionários detentores de cargos em comissão, em detrimento da busca do aperfeiçoamento do profissionalismo dos funcionários de carreira, fadou-se ao fracasso. Mais que nunca, está se mostrando, com galhardia, que a administração pública deve ser democratizada e não aparelhada.
Mas ainda falta um elo importante nessa cadeia de resistência às assacadas de desvalorização do papel do estado e resistência funcional à também grotesca desvalorização do papel dos próprios funcionários públicos. Trata-se do espaço político propriamente, dos agentes diretamente vinculados ao governo, seja na forma de integrantes dos poderes executivo e judiciário, seja no ambiente da atividade parlamentar, dos representantes do povo no congresso nacional.
Evocando o momento explosivo da primeira metade do século XVIII na Europa, surge-nos a inspiração de pensar que também o Brasil iria beneficiar-se de uma "liga dos justos", originalmente crida como uma união entre trabalhadores alemães emigrados. Adaptando-a ao Brasil podemos pensar que os políticos honestos poderão formar um grupamento, na tentativa de montar um bloco parlamentar discursando em prol da honestidade e criando mecanismos legais conducentes a uma reforma administrativa que acabe com a impunidade em geral e a proverbial impunidade garantida aos próprios legisladores das duas casas. Um caucus de mulheres e homens honestos.
Que tipo de consequências vislumbro para tal tipo de iniciativa? Podemos tirar algumas lições da aplicação ao caso de alguns preceitos da teoria dos jogos. Bem sabemos que a teoria dos jogos é um campo de experimentos mentais que podem ser adaptados a muitas situações do mundo corrente, do mundo de homens e bichos, tratando das escolhas estratégicas em que cada jogador se envolve, no ambiente em que sua recompensa depende da escolha do outro jogador. Num jogo dinâmico (ou seja, a escolha de um jogador é concomitante ou seguida pela de seu correlato, não se esgotando num único encontro), podemos esperar que estratégias de maior sucesso, aos olhos de observadores inteligentes, serão imitadas por estes. No caso, este caucus de que falo repercutirá tão estrondosamente junto à maioria do eleitorado brasileiro que as recompensas associadas à honestidade podem ser entusiasmantes, contribuindo mesmo para a purificação do processo político. Mas há risco de que políticos e outras pessoas desonestas finjam-se de honestos, a fim de "faturar" ao mimetizarem comportamentos honestos. O mais tradicional jogo em que o caroneiro destrói o bem-estar social é o dilema de prisioneiros. Numa postagem feita em meu blog no dia 22 de maio de 2015 (1), faço algumas brincadeiras sobre ele-dilema, mas acredito dar uma boa ideia dos problemas trazidos a certos processos de escolha social precisamente em resposta à falta de coordenação nas escolhas feitas pelos agentes.
Eu mesmo já vou tratar de ir encaminhando o link deste artigo para o dep. Henrique Fontana.
DdAB
(1) Na fábula de Esopo, os ratos bolaram a solução para controlar o movimento do rato: uma coleira com guiso no pescoço do bichano. A dificuldade na realização do plano foi encontrar um voluntário para fazer o serviço.
(2) Ver: http://19duilio47.blogspot.com.br/2015/05/paradoxo-de-abilene-e-dilema-de.html.
P.S. A atriz contratada da foto que nos encima é a srta. Jujuba, pet da srta. Paula de Paris.
P.S.S. A mensagem ao deputado Henrique Fontana saiu assim:
Caro deputado Henrique Fontana:
Escrevi uma longa postagem em meu blog sugerindo a formação de um grupo de políticos honestos, a fim de tentar mover o Brasil de um jogo perverso em competição mais favorável aos interesses dos menos aquinhoados. Termino-a informando que estaria enviando o link para ela a V. Exelência. Ei-lo: http://19duilio47.blogspot.com.br/2017/12/o-jogo-do-honesto.html
E assim vai para o Facebook em instantes.
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