Querido diário:
Se eu lesse o título que dei a esta postagem na capa de um livro, iria adquiri-lo (por compra ou roubo) e ler com sofreguidão. Não se trata disso, nem tenho o engenho de escrever algo de grande monta, como o tema requer. Apenas a revisão da literatura dos últimos dez anos levaria mais tempo que aquele que me está dado viver sobre a terra. Para ser rápido e, certamente, bem rasteirinho, já vou adiantando: acho que o estado nacional está agonizante e que o governo mundial ainda tardará a ser implantado. Neste vácuo entre o velho que perdura e o novo que não nasce (respingando, como deve ser, sangue, suor e lágrimas por todos os poros), vemos horrores acontecendo, desde a guerra na Europa nos anos 1990, sua invasão por um milhão de refugiados nos anos 2010s, o tratamento de péssima qualidade dado a países como a Nigéria, o Paraguay e o Brasil. Epa, o Brasil até nem pode ser comparado com essa dupla.
Segundo parágrafo: em novembro de 2015, em pleno Rio de Janeiro, vi numa banca a revista Cult que nunca tinha se dado a ver por mim em meu canto da província porto-alegrense. Desde então, em duas ou três oportunidades, tentei tornar-me seu assinante via internet, enfrentando sempre rotundos e estrondosos fracassos. Até que, dias atrás, tive sucesso. Pois -entusiasmado com este, com esta- decidi adquirir (no caso, por compra) dois números atrasados. O número de dezembro de 2016 anuncia na capa o tema especial "O Desmanche Neoliberal", tema que me faz, em tudo, pensar no fim do estado nacional e na emergência do governo mundial. Li com exação, não gostei muito da qualidade literária, quero dizer, acho que encontrei parágrafos um tanto mal-engendrados, fazendo algumas ideias ininteligíveis mesmo na segunda ou terceira leitura. Talvez, em alguns casos, houvesse apenas problemas de tradução. Da página 14 à 17, tem um artigo assinado por Ruy Braga, ele agora intitulado "A Herança do Neoliberalismo: sementes da revolta; diferentemente do passado fordista, uma vitória pacificadora do Estado social não parece nada provável".
Uma vez que não estou suficientemente convencido de ter entendido o primeiro parágrafo da seção intitulada "Espoliação Social" (página 15), posso estar citando fora de contexto. Mas não importa, pois -fosse eu capaz- teria eu myself propriamente eu teria criado-a:
[...] um Estado nacional refém do poder das finanças globalizadas.
Fosse minha a frase, não teria aquele "estado" com 'capital', mas claro que não podemos deixar de lado a realidade realmente real em que o estado e o mercado, em outras palavras, o capitalismo contemporâneo são irmãos siameses. Como dizemos em Jaguari, a cara dum é o focinho do outro. Com efeito, tem muita gente que, ao falar em capitalismo, esquece o estado e fica olhando exclusivamente para o mercado e até apontando suas falhas. Ao não estudar o estado como seu contraponto (seu, dele, mercado, claro) esquece duas coisas: as falhas de governo e, ainda, a presença da comunidade e suas próprias falhas, dela, comunidade.
Mercado, estado e comunidade: o mais importante trio de agregação de preferências coletivas. Todos têm falhas, todos funcionam às vezes de modo harmônico e integrado e, outras tantas vezes, funcionam alquebrados e desintegrados. Olha o que tá escrito na página 630 do livro "Mesoeconomia; lições de contabilidade social", da Editora Bookman:
Se uma comunidade fraca se deixa equilibrar por um estado forte, veremos o comprometimento da eficiência distributiva. Uma comunidade forte e espiritualizada poderá comprometer o desenvolvimento das forças produtivas, a divisão do trabalho e, como tal, o desenvolvimento do mercado. Um mercado forte pode desequilibrar a ação do estado fraco, enviesando o uso do poder político, em possível prejuízo da comunidade, para não falar no prejuízo direto, por exemplo, com a cobrança de preços monopolísticos pelos produtos que vemos transacionados.
É bem verdade que tem gente que não quer a ação harmônica da tríade, como dizemos lá no livro. Ainda tem gente que pensa que tá na hora de destruirmos o capitalismo, pensando que vai de roldão apenas o duo mercado-estado. Não se dão conta da convivência entre os três polos. Não se dão conta de que o esperanto foi uma língua surgida em laboratório, substituindo o que a comunidade leva anos para construir e aperfeiçoar. Não se dão conta de que o socialismo também é um construto de laboratório e que não podia dar certo mesmo. Quando se fala em socialismo de estado, ocorre-me a figura criada por terceiros e que muito me impactou: e se for o socialismo nacional, não é o mesmo que nacional-socialismo?
Estado nacional, para uns, versus estado social para o artigo da Cult. Uma vez que aprendi que socialismo é fria, procuro repensar possibilidades e caminhos para a reinstauração do estado de bem-estar social, com o devido aggiornamento, naturalmente seguindo-se do aggiornamento da própria esquerda. A questão relaciona-se com a possibilidade de uma evasão da periferia com o tipo de estado que hoje vemos na Nigéria e na Bolívia, ainda que aparentado com o vigente na Noruega e na Bélgica.
Minha sugestão de questões fundamentais para o aggiornamento durante os anos que restam ao estado nacional são:
.a luta pela implantação do governo mundial
.b voto universal, secreto, facultativo, periódico e distrital
.c república parlamentarista.
Observemos que ainda não cheguei a falar muito sobre o governo mundial. Claro que não sei mais sobre ele, sei apenas da experiência europeia, sei superficialmente. Imagino que a burocracia e a demagogia permitiram-lhe aceitar os "países do leste" a uma velocidade impossível de ser absorvida nos prazos estipulados. Pensaram que a transição do socialismo de estado para o capitalismo de mercado-estado seria mais simples do que foi. E principalmente a integração deu-se precisamente no ponto em que o neoliberalismo estava avançando sobre o estado do bem-estar social nos próprios países signatários originais. E qual teria sido a solução e qual é a solução mesmo hoje para a reorganização social-democrática do mundo? O início de tudo é a implantação da renda básica universal, financiada pela "Taxa Tobin", um imposto sobre as movimentações financeiras a serem recolhidas pelo banco central mundial.
Para falar nisto, volto ao cerne do fragmento que marcou-me, uma "faca me escavacando", na linha de Carlos Drummond de Andrade: não dá de pensar em estado nacional quando o que temos é um bando de reféns das finanças globalizadas. Quem acompanha a literatura marxista, de Marx a James Clifton, passando pelo artigo de Donaldson Brown, aceita que a concorrência aumentou e não diminuiu nestes séculos de capitalismo, ou seja, o capitalismo não se monopolizou. E o que teria feito o capitalismo tornar-se mais concorrencial, e não menos? Clifton segue Brown que sugere que o departamento de finanças da empresa procura a todo instante projetos lucrativos para colocar seu dinheiro, ou seja, o departamento de finanças transformou a empresa em um banco.
E qual seria o limite dessa financeirização do mundo? Nacionalizar as finanças ou globalizar o estado? Parece óbvio que chegou a hora de começarmos a urrar pela implantação do governo mundial, acelerar a implantação do banco central mundial. E levar o povo ao poder. E o que distancia o povo do poder? Basicamente o povo deseducado não está apto a identificar seus objetivos na vida e, como tal, é incapaz de lutar por eles. Volto à declaração atribuída a Benedito Valadares, quando indagado da razão que impediu um de seus protegés não ter sido eleito: faltaram votos.
DdAB
P.S. Tirei a imagen daqui.
P.S.S. a postagem foi-se fazendo cada vez mais longa. Omiti um baita parágrafo falando naqueles "escape from the periphery": claro que, como naquela outra de "one flew over the cuckoo's nest", volta e meia, algum país pode evadir-se do clube da baixaria. A Coreia certamente o fez, não podemos falar na mesma língua para a Índia e a China, mas há algo na "nova Ásia" que poderia dar-nos esperanças. A verità é que a social-democracia foi incapaz de integrar o mundo, de avançar a criação do governo mundial. Mas nada nesta linha podemos esperar do neoliberalismo.
P.S.S. a postagem foi-se fazendo cada vez mais longa. Omiti um baita parágrafo falando naqueles "escape from the periphery": claro que, como naquela outra de "one flew over the cuckoo's nest", volta e meia, algum país pode evadir-se do clube da baixaria. A Coreia certamente o fez, não podemos falar na mesma língua para a Índia e a China, mas há algo na "nova Ásia" que poderia dar-nos esperanças. A verità é que a social-democracia foi incapaz de integrar o mundo, de avançar a criação do governo mundial. Mas nada nesta linha podemos esperar do neoliberalismo.
Um comentário:
Recebi a propaganda:
Anônimo profesiulo.info disse...
Descubra o esperanto: https://esperanto.blog
28 de março de 2017 21:37 Excluir
E tenho a dizer algo:
Embora eu compare esperanto com socialismo como tentativas tecnocráticas de fazer em instantes o que a sociedade leva anos (criar uma língua ou criar um sistema econômico) para concluir. Mas isto não me impede de admirar pessoas que consideram o esperanto como um passo pela paz. E nem mesmo os socialistas que estudam formas alternativas de organização econômica e social. Sigo citando Gerônimo Machado: não queremos socialismo agora, mas apenas reformas democráticas que levem a ele.
DdAB
Postar um comentário