14 outubro, 2015

O Miniporco Brasileiro e a República Popular da China

Querido diário:
A grande questão é se a China chegou no desenvolvimento de tecnologias de produção de miniporcos coloridos e aí se industrializou ou vice-versa. Tenho argumentado que o Brasil poderia ter baseado seu desenvolvimento econômico precisamente neste tipo de desdobramento da base agropecuária nacional, muito mais propícia a voos tecnológicos que o gigante asiático.

Se alguém anda pensando que sou um gênio futurista, basta lembrar, para colocar-me no chão novamente, que vi o filme Blade Runner, Caçador de Androides. Aquela distopia fascinante deixou claros os limites do desenvolvimento capitalista: ilimitado. Volta e meia, falo em perspectivas infinitas para a medicina (galgar a eternidade), os transportes (lua de mel nos anéis de Saturno) e, naturalmente, as finanças (seguros generalizados).

E por que falei em miniporco brasileiro lá no título? Porque aqui ainda levaremos quatro ou cinco séculos para colocar os meninos de rua na escola.

DdAB
Olha aqui:
Laboratório na China vende miniporco 'sob medida'; dono pode escolher cor
ANJANA AHUJA
DO "FINANCIAL TIMES"
14/10/2015  17h00
A reputação técnica do BGI, antes conhecido como Instituto de Genômica de Pequim, é invejável. Suas realizações incluem o primeiro sequenciamento dos genes do arroz e do panda gigante; colaboração na descoberta dos segredos genéticos dos grãos de sorgo e soja; e assistência nas investigações para desvendar a estrutura do vírus da síndrome respiratória aguda grave (Sars).
Agora, a instituição chinesa desenvolveu uma nova linha de trabalho como fornecedora de animais de estimação. O instituto cria porcos em miniatura para teste de remédio e vem editando seus genes a fim de manipular as dimensões e outros traços dos animais. Em uma recente conferência de cúpula mundial sobre biotecnologia, o BGI anunciou que começaria a vender animais produzidos sob encomenda. Os miniporcos, que aparentemente roubaram a cena na conferência, custarão 10 mil yuan (US$ 1.500). No futuro, os compradores poderão especificar certas características, como a cor dos pelos. O dinheiro servirá como uma modesta fonte de receita para complementar o verdadeiro rio de dinheiro que o BGI recebe do Banco de Desenvolvimento da China.
Não só os cientistas agora se sentem suficientemente confortáveis com a edição de genes para comercializar animais feitos sob medida como a história sobre os miniporcos produzidos sob encomenda surgiu no mesmo momento em que era anunciado outro grande avanço porcino. Biólogos da Universidade Harvard conseguiram extirpar 62 retrovírus das células renais de um porco. Essas remoções são necessárias se o objetivo é explorar órgãos de porco para transplantes humanos —extirpar os vírus reduz o risco de rejeição.
Miniporcos e pequenos animais de estimação
Esse momento de domínio sobre o genoma suíno não chegou sorrateiramente; na verdade, já apareceu correndo: apenas três anos depois que a tecnologia de edição de genes ganhou reconhecimento mais amplo, os seres humanos estão transformando criaturas emendadas em animais de estimação ou fornecedores de peças de reposição. Estamos remodelando outras espécies para nossos fins.
Os cientistas da China têm motivos válidos para a criação de uma linha de pequenos porcos. Os animais são um equivalente fisiológico mais próximo ao ser humano do que os ratos ou camundongos, para o teste de medicamentos. Mas o tamanho importa: criaturas de grande porte requerem doses altas, e os medicamentos experimentais tendem a ser dispendiosos.
Assim, os pesquisadores decidiram que reduziriam os objetos de suas experiências, e escolheram uma variedade de porco pequena, a raça bama, como ponto de partida. Enquanto um porco adulto da variedade regular pesa cerca de 100 quilos, os porcos bama atingem metade desse peso. Os pesquisadores do BGI usaram embriões de porcos bama e desabilitaram um ou dois genes receptores de hormônios de crescimento. Isso criou animais que chegam apenas aos 15 quilos.
O cruzamento de machos bama geneticamente miniaturizados com fêmeas bama de tamanho normal produziu ninhadas nas quais metade dos filhotes tinham tamanho reduzido. Os miniporcos, que foram usados para estudar células-tronco e nanismo, podem servir para atender à demanda por animaizinhos de colo. Alguns cientistas, no entanto, ficaram perplexos e preocupados com a incursão incomum do BGI ao reino do comércio.
Os porquinhos anões foram criados usando uma tecnologia de edição de genes relativamente antiga. Na verdade, é uma técnica mais recente, conhecida como Crispr - sigla em inglês para aglomerados de repetições palindrômicas curtas com interespaçamento regular -, que está revolucionando o campo. O método, na forma empregada pela equipe de Harvard, emprega tesouras moleculares para aparar porções do genoma, que em seguida são repostas e reparadas. É tão simples que alunos de pós-graduação são capazes de executar o processo.
A tecnologia está avançando rápido, e não só nos porcos. Ela está sendo usada no combate a doenças hereditárias e ao câncer, em ratos de laboratório, e também para criar safras agrícolas mais resistentes e biocombustíveis. A precisão está crescendo.
Como disse a professora Jennifer Doudna, uma das inventoras do Crispr, a marreta está se tornando um bisturi. De fato, da mesma forma que temos a Lei de Moore para descrever o ritmo de avanço do poder de computação, poderíamos ter a Regra de Doudma para capturar a velocidade cada vez mais acelerada com que estamos embaralhando e cortando as cartas genômicas que a natureza nos deu.
Neste ano, um pesquisador da Universidade Sun Yat-sen, em Guangzhou, editou o genoma de um embrião humano para eliminar o gene da talassemia, um grupo de doenças hereditárias do sangue. Ao adaptarmos outras espécies às nossas necessidades, certamente aceleraremos a reformulação da nossa.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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