Querido diário:
Vejam só! Mal acabo de incursionar pelo mundo das pontuações do trio Joyce-Guimarães-Campos e já tenho opinião ultra refinada do prof. Conrado. Não é que é que o homem é uma enciclopédia? E não é que esta enciclopédia viva não se cinge à linguística? Temos todas as artes e um bastantão de filosofia!
Estou convencido de que a língua escrita, sendo sempre uma simplificação das incontáveis variações da falada (que se pense, p. ex., nas tantas entoações que podemos usar falando para expressar algo como "Que dia lindo!", para cuja forma escrita não nos resta muito mais do que um ponto de exclamação, ou dois, ou três, se se quiser, mas que dificilmente traduzirá a avaliação da voz), é toda uma tecnologia per se, i. é, mais do que a mera rendição daquilo que as interações verbais hajam podido produzir.
Entre as línguas que tenham alcançado a escrita, se distinguirão aquelas em que mais se haja investido nessa tecnologia, as chamadas "línguas de cultura".
No que se refere à pontuação especificamente, houve tempo em que apenas o ponto era usado, e era um ponto erguido, a modo de um hífen, cuja função primordial era a de marcar a separação de uma palavra em relação à outra. Representava já uma evolução se considerarmos que antes as palavras eram escritas TODASJUNTAEEMMAIÚSCULAS, como acabo de fazer. Muitos sinais foram sendo acrescentados, sobretudo quando, com a invenção da imprensa, a língua escrita foi se tornando mais acessível.
Vimos de uma tradição de normatização, coisa que dividimos com nossos irmãos neolatinos, capitaneados pela princesa das neolatinas, que é a língua francesa, com sua Académie. Ainda que não veja a normatização como algo necessariamente negativo, entendo que para determinado grau de letramento que se tenha atingido e sobretudo para aqueles que trabalhem constantemente com a língua, pode o cuidado excessivo com a norma desempenhar um papel mais negativo do que positivo, talvez mesmo inibidor.
Há sempre a questão do bom gosto, do que está na moda, etc., como o ponto e vírgula, p. ex., que já ninguém usa, etc. Aliás, em bom número dos exemplos que trazes, talvez o ponto e vírgula ficasse melhor, ou, dito de outro modo, estão os dois pontos lá cumprindo uma função que muitas vezes se tem visto na literatura cumprir o ponto e vírgula. Sendo os autores mencionados já bastante senhores da tecnologia da língua escrita, não valerá decerto meter-se com eles.
DdAB
Imagem: tá na cara que é a capa da tradução Penguin/português. Não sei se todos os pontos colocados por Joyce lá no Ulysses dele dariam para compor estes escritos numa capa que tomaria o espaço entre o Terceiro Planeta de Sol e os asteróides.
Um comentário:
A verità é que o Campos de Carvalho (na Vaca de Nariz Sutil) está cheio de pontos-e-vírgula e travessões.
DdAB
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