Não me declaro mórbido, apenas que o mar é que não está para peixe. Esta foto veio do Google-Images, quando pedi "o genro do carandiru", precisamente o título desta postagem. Motiva-a a declaração que ouvi há dias de que o Ministro da Justiça, o Mr. Tarso Genro, declarou-se "radicalmente contrário" à privatização dos presídios. Eu queria ter respondido. Em seguida, vi o jornalista Humberto Trezzi, na p.4 da you-know-what.
Trezzi concede um ponto a Tarso para, em seguida, clamar o que segue: "É mais do que hora de o Rio Grande testar essa opção.", nomeadamente, da privatização. E que diz a favor do tresloucado ministro? Diz: "Ele argumenta - com boa dose de razão - que o custo de cada preso será muito maior e que a missão de guarnecer presidiários é muito estratégica para ser delegada pelo Estado a terceiros."
Aqui mora o perigo, meu chapa. tanto erro de Trezzi que devemos considerar que ele e Tarso encontram-se mesmo do mesmo lado, tiveram o mesmo tipo de formação, digamos, intelectual. Há muitos anos que eu, com a educação intelectual de que desfrutava e, parece, até amplou-se nos últimos 5min ("nunca fui tão sábio quanto agora"), problematizei a questão das privatizações e cheguei à conclusão que elas poderiam impedir carandirus, como o da efígie do sistema judiciário brasileiro que selecionei para ilustrar esta postagem. Tributos, também, por que não privatizar, como sugeriu-me Alexandre Barros há 20 anos? Na hora, achei que era a cerveja quente que me alterava a audição. Depois achei que a idéia era quente e a audição que se ajustasse à vida neutra com relação à cerveja.
Muito antes de eu ter lido o magistral livro de microeconomia de Samuel Bowles, caiu-me a ficha que "carandiru nunca mais" vai ocorrer -ou, como é o caso, não ocorrer- apenas com uma modificação radical na forma de Tarso e Trezzi pensarem o problema da escolha pública no Brasil. Presumo que nenhum deles terá arautos, digamos, do porte de Bowles, para transmitir-lhes alguns conceitos da economia política moderna.
O primeiro ponto a ser levantado é que a sociedade se expressa por meio de três tipos de organizações: comunidade, mercado e estado. Talvez sua existência tenha ocorrido precisamente nesta ordem: a comunidade primitiva permitiu a companhia de estranhos, o food sharing e daí a troca e, de imediato, o Banco Central Mundial. Ou seja, gastaram-se mais de um milhão de anos para o food sharing e apenas poucos séculos para o banco central, regulador da vida sanguínea das economias monetárias.
O segundo ponto: o mercado tem falhas: market failures, o estado tem falhas, government failures e a comunidade tem falhas, community failures, se meu inglês não redunda em obviedades... Market failure: o mercado é incapaz de gerar segurança pública, government failure: o governo -desde que a Profa. Yeda Rorato Crusius fugiu da escola sem os rudimentos da teoria da escolha pública de Tollisson, Tullock e Temperani- é suscetível à influência de grupos de interesses, por exemplo, os traficantes de drogas que contratam ex-ministros do sistema judiciário para defendê-los frente aos ... juízes do próprio governo. Em compensação, a comunidade falha também: linchamentos, congestionamentos de tráfego, mercado negro, e por aí vai.
Segundo-bis: o artigo dele falava em "taxes, tariffs and theft". Demorei a entender, mas entendi. Ladrão causa apenas redistribuição, como os impostos e as tarifas alfandegárias, se meu inglês me permite deixar claro meu português. E por falar em mercado negro, é evidente que sua existência não é falha de mercado, mas falha de comunidade ou de governo, como sugeri há tempos, sinuosameante, ao sustentar (sem trocadilho) que a lei da oferta e procura é mais atraente (eu disse "sem trocadilho") do que a lei da gravidade.
Terceiro: voltemos ao ponto de Tarso Genro, como expõe Trezzi. "A missão de guarnecer presidiários não pode ser delegada nem ao mercado nem à comunidade." Epa, nenhum deles disse isto, pois não parecem compartilhar com a Profa. Yeda da danada da loucura. Mas parece que podemos dizer que eles diriam! Só um stalinista (era trotesquista?) poderia pensar que são os governantes os únicos agentes sociais capazes de lidar com missões estratégicas.
Quarto: "o custo de cada preso será muito maior" com privada do que sem privada, um troço destes. Claro que aqui é que falta realmente competência a ambos os três (Yeda incluída) para tratar de temas econômicos. Como é que alguém que não estuda economia política poderia entender o que são custos de transação? (Era só ler o que segue: custo de usar o mercado, por exemplo, cuidando para não comprar bergamota podre, nem vender aguardente por preço da água da vida eterna...) E que os custos de transação podem até baratear a mercadoria, como provam certos teoremas da função de custos: é mais barato -in some cases- produzir em dois estabelecimentos do que apenas em um. Por exemplo, pão e queijo: padarias e queijarias... No caso, deter um preso de alta periculosidade no galinheiro (reformado) que poderia abrigar alguns, a critério de pequenos empresários não valeria a pena, mas o simétrico tampouco. Para que ter prisão de alta segurança para ladrões circunstanciais, que apenas uma noite ou duas no xilindró seriam consideradas eficientes para repor os réprobos no rumo da virtude.
Quinto: a produtividade, sob a égide dos incentivos brought about pelo mercado, deve crescer mais do que a produtividade da prisão gerida pelo governo. Nem poderia deixar de ser diferente, governos não estão aí para maximizar lucros, coisa que é função precípua da empresa privada, digamos, decente. E maximizar lucro não é defeito, é virtude. O que é defeito, se é o caso relembrar, é que não há impostos sobre lucros distribuídos in Brazil, exceto, claro, traficantes de droga, que lavam seu dinheirinho com a alíquotinha de 27,5%. Pode?
Ou seja, a prisão privatizada seria:
.a. mais barata
.b. gerida mais eficazmente
.c. destruiria o emprego, ou seja, impediria que a sociedade jogasse para cuidar de presos uma fração significativa de seus filhos diletos, relegando esta função ao capital, ou seja, portas de ferro, trancas de madeira, tudo em seus conformes.
Resumo: Tarso só pode ser louco. Trezzi só pode estar mal informado. Os assessores de ambos só podem ser incompetentes.
Abraços
DdAB
P.S. Em 5/jan/2016, fiz o comentário endereçado ao prof. Sabino. E, no processo, escrevi o que segue no Facebook, encaminhando para esta postagem do blog:
Leio a opinião de muita gente de respeito sobre a tragédia penitenciária de Manaus, responsabilizando a empresa que administra o sistema, como se provisão pública pudesse confundir-se com produção privada. Para mim, a tragédia brasileira é essencialmente devida à incompetência do governo, no caso, incapaz de fiscalizar suas concessões ao setor privado. Incapaz ou subornado para tudo aceitar.
Claro que esta prática de conceder e não fiscalizar dissemina-se por todos os setores delegados, como a telefonia, as estradas e a energia elétrica. Na linha da modelagem que inspira minhas atuais leituras, não vejo mal intrínseco nas concessões, nem mesmo na privatização (tenho no blog ideias a respeito, mas não quero falar nisto agora, pois estou endereçando meu benévolo leitor a outra postagem). Por outro lado, não sei se faz algum sentido em pensar em começar a mudar o Brasil (como já se faz desde FHC) por meio da redução do tamanho do setor público.
Todo mundo fala em educação. Eu volta e meia falo em justiça, no sistema judiciário, do policial ao juiz milionário. Há pouco tempo, comecei a pensar que a centralidade poderia estar na formação de uma rede de esgotos (um subsetor dentro dos serviços industriais de utilidade pública). Sabe-se lá.
Na postagem que endereço daqui a meu blog, falo -post factum- da tragédia do Carandiru. Mas deixo claro o que entendo como tendo causado verdadeiramente o problema. Insisto no ponto mais geral:
As três principais formas que a sociedade inventou para agregar suas preferências são o mercado, o estado e a comunidade propriamente. E a tragédia da vida societária humana é que todas elas têm falhas. E vim a entender que uma sociedade decente tem por base uma combinação adequada dessas três instituições. Por exemplo, muito estado oprime o cidadão, muito mercado explora o cidadão e muita comunidade emascula o cidadão.
2 comentários:
Bela aula, professor, parabéns e, mais uma vez, muito obrigado. abracos.
PS as virgulas, impertinentes, não sabem o que dizer aos pingos nos is e aos pontos, finais.
Com a tragédia de Manaus ocorrida por estes dias que correm, decidi resgatar este material e jogá-lo em meu Facebook, pois tem gente de esquerda contrária à privatização dos presídios, já que o de Manaus -parece- estava inserido neste sistema.
Algo ocorreu nesses milhares de anos entre a postagem original e o comentário de Anaximandros: eu juro que li e agora vi não ter respondido.
Minha ideia, na postagem, para evitar Carandirus era criar prisões de provisão pública e produção privada de tamanhos menores. E não essas massas disformes que hoje são a praxe brasileira.
DdAB
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