Dedico esta postagem a Silvana Moura, a moura
Às antevésperas do Natal, aconteceu uma tarde de autógrafos, precisamente, na quarta-feira, 8, às 18h30 na Torre de Pizza do Shopping Olaria, quando Marino Boeira, meu San Marino (como vou explicar lá adiante) autografou, com referência completa, seu:
BOEIRA, Marino (2021) Aconteceu em... Porto Alegre: Digrapho.
Por medo de contágio do covid-19 (obviamente não na cerimônia, mas no Uber, no ônibus, na própria caminhada pelas ruas da cidade), não pude comparecer, eu que já devia uma explicação pelo outro livro de Marino em 2021: Brizola e eu. Este Aconteceu em... foi-me doado por sua esposa, Silvana Moura, a moura, e autografado por ele. Ela, a moura, permitiu-me lembrar incontinenti o apelido de Karl Marx (Maurish, em alemão), o que me fez já ir colocando-a no lado esquerdo do peito. Pois fiquei feliz com o donativo e até agora ainda não achei uma forma de reciprocar durante a pandemia.
O fato insofismável é que, nesses tempos de doenças terríveis tão mal-tratadas pelo governo do Brasil -ungido aos cargos por 57 milhões de brasileiros estranhos- e carente de interações sociais, cheguei ao mural de Marino lá no Facebook. E dele, mural, sou frequentador assíduo e comentador intermitente. E dele, mural, conheci muita gente interessante e destaco a já citada Silvana Moura, a moura. E dele, mural de Marino, conheci por opiniões ajustadas a minha forma de ver o mundo Vera Pellin que para alegria geral empreendeu a coordenação editorial e o design gráfico do livro Aconteceu em...
Com o tempo, vim a descobrir ser um subconjunto de Marino com sua maneira de ver o mundo, suas preocupações e mesmo dúvidas (com uma lapelinha de discordâncias). Concordo com praticamente tudo o que ele fala no Facebook com certas, às vezes, engripadas discordâncias. Mais divertido é falar das divergência que das convergências.
Ou melhor, iniciando pelas convergências, deixe-me listar algumas. Por exemplo, somos ambos torcedores do Sport Club Internacional. Adoramos a camiseta vermelha e nos orgulhamos de apoiar um clube de futebol fundado por trabalhadores anarquistas. Mas aí mesmo já surge um ponto de exclamação de discórdia: também torço para o Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense, um clube também sagrado e sofro ao ver postagens de Marino sinalizando, de súbito, tratar-se do "grêmio" (em caixa baixa). Por ser um torcedor esclarecido, contudo, reconheço que, nos confrontos diretos (isto é, os jogos batizados como Gre-Nal, granais), o Internacional vence em todos os itens relevantes: goleador, gols a favor, menos gols contra, campeonatos locais, primeiro campeão nacional de Porto Alegre, e por aí vai. Uma das últimas inovações institucionais do Internacional foi ter criado a "torcida mista", com um espaço reservado em seu estádio para a turma que, talvez, também torça para os dois clubes e que naquele Gre-Nal específico, decidiu vestir-se de azul ou de vermelho. Eu mesmo já fui num destes e em outros Gre-Nais, indo e deixando de ir ao Estádio Beira-Rio, circulei com camisa de um clube ou do outro acompanhado por gente querida vestindo uma camisa do outro ou de um.
Agora, cá entre nós, o Grêmio é um clube puro-sangue em matéria de acolhimento a todos os sangues. Acusado que foi de ser um clube que despreza os negros, sua resposta foi "no rim", como dizíamos em Jaguary. O Grêmio defendeu-se alardeando ser um clube de azul, branco e preto (estou listando em ordem alfabética) e last but not least, nunca foi tão vigoroso quanto não se envergonhar por colocar o "preto", o negro, no final da fila: em último mas não o último...
Mais convergências. Quando eu nasci, Marino estava prestes a completar seu oitavo aniversário de existência. Imagino que, alfabetizado e, deste modo, tirando enorme diferença entre sua monumental lista de leituras e meus montinhos. Ainda assim, imagino ter lido algumas coisas que ele passou ao largo. Por exemplo, o livro Capitalism unleashed, de meu finado e sempre amado orientador do doutorado, o mister Andrew Glyn. Glyn foi trotskista durante muitos anos, tendo abandonado o ideal socialista e enturmado na social-democracia, culminando com a defesa entusiástica da instituição da renda básica universal. E eu a apoio desde que nela ouvi falar, antes mesmo de Glyn. Pronto, baita diferença com Marino que, com frequência, se revela socialista e considera que o capitalismo está acabado. Falo por mim: o problema do capitalismo não é a produção, ao contrário, ao ser incapaz de reproduzir-se sem ser em escala ampliada, tem crises periódicas de super-produção. Mas tem um enorme problema na esfera da distribuição da renda ou da despesa.
Falando, então, em Glyn e em social-democracia, aprendi com ele que a chave de acionamento da sociedade igualitária é o emprego. Mesmo que com alguns períodos de euforia no mercado de trabalho, uma das leis gerais de desenvolvimento do sistema é cultivar o desemprego. Algumas vezes, ao ler Marino reverenciando o socialismo, torno-me um comentador (com a bondade dele) argumentando que a humanidade ainda não foi capaz de criar instituições (como o tabu do incesto, o fim do infanticídio, o mercado e o dinheiro) capazes de dar apoio a uma sociedade socialista. E o pior é que nem sabemos que tipo de instituições seriam essas.
Então, grêmio (em caixa baixa) e Socialismo (em caixa alta) dividem nossas agendas como um facão afiado particiona um queijo colonial made in Farroupilha. E poderia falar em divergência, mas acho tratar-se de um ponto de coincidência que ambos, embora originários de Porto Alegre (e embora meu Heimat seja o Rio de Janeiro), vivemos anos importantes de nossas existências no interior gaúcho. De minha parte, fui parar em Jaguary, que a nova lei permite escrever com esse "y".
Pois em Jaguary, num daqueles questionários estilo who is who, ou melhor, who wants to date who, que a gente era convidado a responder, e muito populares nos anos 1950s e 1960s, indagava-se "que cidade tu conhece". Para Marino, a lista é enorme, pois ele diz no livro (página 84) "eu coleciono cidades". Já no índice do livro, vemos que aconteceram coisas em 58 cidades:
Cairo, Koblenz, São Petersburgo, Cannes, Karlovy Vary, Istambul, Viena, Moscou, Paris (1), Amsterdã, Londres, Bangkok, Copacabana, Dublim, Ushuaia, Farroupilha (1), Quebec, São Borja, Rothemburg ob der Tauber, Los Andes, Cracóvia, New Orleans, Gramado, Boston, Roma, Farroupilha (2), Estocolmo, Porto Alegre, Berlim, Lisboa, Cancún, Monte Saint-Michel, Colmar, Tacuarembó, Paris (2), Nazca, Heilderberg, Basileia, Havana, Porto, Buenos Aires, Avignon, Óbidos, Bratislava, Veneza, Valparaíso, Bruges, Salta, Cochabamba, Córdoba, Puno, San Pedro de Atacama, Santiago do Chile, Florianópolis, Copenhague, Colônia do Sacramento, Granada e Corumbá.
Em ordem alfabética:
Amsterdã, Avignon, Bangkok, Basileia, Berlim, Boston, Bratislava, Bruges, Buenos Aires, Cairo, Cancún, Cannes, Cochabamba, Colmar, Colônia do Sacramento, Copacabana, Copenhague, Córdoba, Corumbá, Cracóvia, Dublim, Estocolmo, Farroupilha (1), Farroupilha (2), Florianópolis, Gramado, Granada, Havana, Heilderberg, Istambul, Karlovy Vary, Koblenz, Lisboa, Londres, Los Andes, Monte Saint-Michel, Moscou, Nazca, New Orleans, Óbidos, Paris (1), Paris (2), Porto, Porto Alegre, Puno, Quebec, Roma, Rothemburg ob der Tauber, Salta, San Pedro de Atacama, Santiago do Chile, São Borja, São Petersburgo, Tacuarembó, Ushuaia, Valparaíso, Veneza e Viena.
Comunalidades: partilho de sua lista em:
Amsterdã, Berlim, Bruges, Buenos Aires, Colônia do Sacramento, Dublim, Estocolmo, Farroupilha , Florianópolis, Gramado, Heilderberg, Lisboa, Londres, Óbidos, Paris, Porto, Porto Alegre, Roma, Rothemburg ob der Tauber, São Borja, Veneza e Viena.
Ou seja, 22/58 = 38%. Não é pouco se considerarmos que no máximo, et pour cause, sou um colecionador de cidadezinhas... Mas a verdade é que Marino tem ainda muitas outras cidades citadas no livro visitadas (ou vistas pela janela do ônibus, página 84), como é o caso de pelo menos (se não me escapou nada) destas 44:
Bagé, Bariloche, Cachoeira do Sul, Chicago, Cuzco, Dom Pedrito, Dresden, El Calafate, Ernestina, Fontoura Xavier, Genebra, Hannover, Los Angeles, Lugano, Machu Picchu, Manheim, Marques de Souza, Mendoza, Miami, Montreal, New Hampshire, Orlando, Paso de los Libertadores, Paso de los Libres, Passo Fundo, Payssandú, Pedro Juan Caballero, Pensacola, Puerto Suárez, Punta de Este, Rivera/Livramento, Santa Cruz de la Sierra, Santa Maria, San Francisco, São José do Herval, São Sepé, Tallahassee, Tio Hugo, Toronto, Trinta y Tres, Uruguaiana, Vermont, Vila Nova de Gaia e Viña de Mar.
Aqui a lista é tão vasta que nem vou referir as tantas que também conheço. Mas destaco apenas Barcelona entre as visitadas. E tenho meus casos: primeiro, fui lá, uma de cada vez, em três oportunidades, com três esposas... Mas tem mais: aconteceu-me em Barcelona estar almoçando de entrada um gaspacho que quase me mata. Errei a mão na pimenta (um vidrinho visivelmente de Tabisco, como sabemos, o Arisco em pele de Tabasco, forte como a atração de Júpiter) e fiz um porquinho quase ao pé da mesa, quase ao pé da segunda esposa. Quase levei bronca, mas não houve retaliação nem pela guria nem pelo mozo, pois alcancei o banheiro ainda em tempo de desvencilhar-me daquele ardor desgranido nas entranhas, na garganta e na boca.
Em seguida registro que Marino não cita San Marino, que visitei, nela ficando o suficiente para poder dizer que fiz fotos e comprei bebidas, jóias e perfumes.
E ainda mais, como diz hoje a propaganda da Claro feita por Tatá Werneck: e tem mais. Filosoficamente falando, confesso ter um hobby que é queimar campo, o que teria feito naquele caderno de questionário que respondi em Jaguary. Eu mentiria que visitei:
Auckland, Brazil (no estado americano de Illinois, cuja existência descobri ao ler um dos livros de literatura infantil de Monteiro Lobato), Kuala Lumpur, Montreal, Odessa, Singapura, Sydney e Vancouver.
Estocolmo, que Marino visitou com brilho, eu não visitaria em nenhuma hipótese por problemas linguísticos. Como dizem nas folhas tantas do romance O Senhor Embaixador, se a morte fala alguma língua, pode apostar que é sueco... Prefiro é ser atraído por Júpiter que pela morte...
Para concluir, faço um registro ainda mais bibliográfico que os precedentes. Dizem que Mestre Capiba, notável compositor pernambucano, foi indagado sobre qual o melhor estilo de música, o clássico ou o popular. Sua resposta foi que a verdadeira divisão entre tipos de música é, por um lado, a boa e, por outro, a má. Entendo que tal classificação também vale para livros: bons e maus, belos e feiosos. E falo mais da forma que do conteúdo, da capa, da diagramação, da correção gramatical (disse Stephen Pinker que a gente não escreve como fala, mas como lê), essas peças de uma obra de arte que nem sempre são notadas pelo leitor apressado. O livro Aconteceu em... é uma obra de arte, tamanho, cor da capa, tipo de letra, gramatura do papel, essas coisas, tudo bem escolhidinho no capricho. A Editora Digrapho merece minha admiração e a coordenadora editorial e do design gráfico,Vera Pellin, até gratidão, pois fizeram deste novo livro de Marino Boeira não apenas um livro bom e belo, mas boníssimo e belíssimo. Terei ouvido que o autor já prepara uma nova edição com mais cidades. Desta vez vou à sessão de autógrafos e... vou comprar!
DdAB
P.S. Em seu mural no Facebook, tipo às 11h00 da manhã de hoje, Marino Boeira publicou:
CIDADES
Ao comentar meu livro Aconteceu em...o
Duilio De Avila Berni lembra que me apresento como colecionador de cidades. O criterio para considerar uma cidade conhecida é ter posto , pelo menos um pé em sua terra. Tio Hugo não entrou nessa lista porque estava num ônibus vindo de Passo Fundo e ele passou direto sem parar. Ja em Casca, como estava num carro, parei alguns segundos, pus os dois pés em sua terra e Casca está na minha lista. Uma vez indo a Montevideu, fiz uma volta imensa para por meus pés na lendária Treinta Y Tres. Claro que valeu a pena.
P.S.S. Por esse mesmo horário, Silvana, a moura publicou em seu mural:
Eu não fui além das cercanias do Pulador, mas nunca por falta de vontade e sim.de oportunidade.
Admiro quem tenha conseguido conjugar vontade e oportunidade para viajar.
Agradeço que o.regalo que te enviei tenha merecido comentário tão generoso e mais que tudo despertador de vontade de ler o livro de Marino.
Abraço
Silvana, a moura
P.S.S. E estes comentários em meu próprio mural quando estou propagandeando esta postagem:
Marino BoeiraO Duilio foi muito generoso em seus comentários. Comovido, o autor agradece. Ele só não entende como alguém que diz amar o Inter não odeia o grêmio. E tem mais Duilio, só o comunismo nos salva.
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