12 julho, 2019

Sigo na "Veja" de 10 de julho: capitalismo espacial


Depois que inventaram a econometria espacial, e que vim a saber que ela é absolutamente terráquea, falar em capitalismo espacial como assunto sideral é universal. Bem sabemos que "universal" não é "eterno", nem "infinito", claro, pois nem o Sol nem as estrelas, nem os prótons são verdadeiramente eternos. Até o capitalismo, que o ministro Paulo Guedes vê -erroneamente- como uma instituição humana eterna, a meu ver, acabou há mais de 15 dias, como venho sustentando há anos.

Para facilitar minha comunicação com as massas e dificultar a compreensão de minha análise pelas gerações futuras, costumo designar o sistema econômico que sucedeu o capitalismo precisamente de capitalismo. Azar. Rigorosamente falando, o capitalismo tem em comum com o capitalismo a presença de um mercado de trabalho e a persistente incorporação de progresso técnico nos processos produtivos. No capitalismo que sucede o capitalismo, vejo cada vez mais importância no mercado financeiro, isto é, este mercado existe há séculos no capitalismo e se torna cada vez mais importante no capitalismo. Talvez ele venha a tornar-se tão insinuante que ainda colocará em segundo plano a produção de bens, atendo-se basicamente a definir a dinâmica do sistema precisamente com seu crescimento infinito (epa!, infinito?).

O próprio mercado de trabalho, tenho esta intuição já baseada em alguns indícios seguros, vai perdendo importância à medida que esse mundo de mercadorias vai-se ele próprio desmaterializando, ou seja, finanças, mercado financeiro. Quem olha a imagem que deve ser publicada no livro em que estou trabalhando e que coloquei lá no início verá no bloco B33, que registra as relações interinstitucionais alcançam a cifra de L$ 3.443,0 por contraste aos L$ 2.264,3 concernentes às relações interindustriais. Este é o futuro! 

Ou seja, as transações alheias ao mercado de fatores de produção tornam-se cada vez mais proeminentes na determinação da receita (renda mais transferências) das famílias, governo e empresas investidoras, importadoras e exportadoras. Mas a produção de serviços tampouco terá um final discernível no capitalismo que sucede o capitalismo: nunca ficaremos satisfeitos com o nível de atenção médica (queremos a vida eterna, ou o que pudermos) e serviços de transportes (lua-de-mel nos anéis de Saturno).

E a teoria do valor trabalho, como funciona sem mercado de trabalho? Já falei: o valor adicionado é determinado pelo tamanho da população (ver, entre outras postagens, esta aqui). Ou seja, estou dando outro (o primeiro foi diferenciar capitalismo de capitalismo...) golpe, agora tratando-se da teoria do valor. Naturalmente nem o capitalismo nem seu sucessor, o capitalismo, são eternos. Mas aquelas leis associadas à teoria do valor trabalho (quem gera valor é o trabalho socialmente necessário para a produção da mercadoria) seguem vigorando, o que sempre é comprovado pela relação inversa entre o crescimento dos preços e o da produtividade do trabalho: quanto menor é o conteúdo de trabalho na composição da mercadoria, maior sua produtividade e menor o valor. Este é o lado alegre do capitalismo que antecede o capitalismo.

Antigamente falava-se no hedonismo enquanto característica indissociável do ser humano. Tá aqui o que diz a dicio.com.br:

ÉTICA
cada uma das doutrinas que concordam na determinação do prazer como o bem supremo, finalidade e fundamento da vida moral, embora se afastem no momento de explicitar o conteúdo e as características da plena fruição, assim como os meios para obtê-la.


Estamos no mundo composto por utilitaristas: o máximo de bem-estar com o mínimo de esforço. E esta é uma característica do velho capitalismo e que vem sendo mantida pelo novo. Na linguagem dos economistas clássicos, estamos falando numa das leis fundamentais, talvez de ambos: transformar trabalho vivo (isto é, o trabalho que o indivíduo pratica) em trabalho morto (o trabalho acumulado em, por exemplo, bens de capital). Sempre entendi e nunca escondi que esta é a maior virtude do velho capitalismo, que não foi comungada pelo socialismo, levando-o à falência, ao fracasso.

E que tudo isto tem a ver com as formas mercantis enquanto promotoras do crescimento econômico? Volta a "Veja". Nas páginas 86 e 87 do exemplar datado de 10 de julho, há uma notícia sobre o futuro da indústria aero-espacial. Fala-se da mudança de estratégia da NASA. Diz a "Veja" que disse Barack Obama:

Ao comprarmos os serviços de transportes espacial, aceleramos o ritmo das inovações à medida que startups [assim, sem itálico] de jovens líderes se estabeleçam para competir [entre si] e projetar novos meios de transportar pessoas e materiais para fora da atmosfera.

Segue a matéria citando "o engenheiro espacial americano Chris Lewicki": "A meta é aproveitar a concorrência para forçar a redução dos custos das viagens". 

Tá tudo aí: o capitalismo é mesmo contraditório - ao elevar a rentabilidade de um setor em virtude da elevação da produtividade do trabalho, ele induz a criação de progresso técnico e, ao mesmo tempo, coloca em ação a lei de ferro de que os preços vão cair.

DdAB
P.S. E o socialismo? Só iria dar certo se a humanidade viesse a falar esperanto, o que jamais vai acontecer. Mas, ao mesmo tempo, não é impossível -e até é super-provável- que a humanidade crie novas instituições econômicas e sociais que gerem novos arranjos sobre a propriedade privada dos meios de produção: indivíduos independentes livremente associados.

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