Esta é minha incoerência? Parece de brincadeira se focarmos na grande incoerência evidenciada por "Carta Capital" no que diz respeito aos ditos e desditos do procurador Deltan Dalagnol. Tá na "Carta". A capa já é pungente:
OS PECADOS DO ACUSADOR
DELTAN FOI PATROCINADO POR SETORES EMPRESARIAIS POUPADOS PELA LAVA JATO E PLANEJOU USAR A ESPOSA COMO LARANJA
E, nas páginas 14-21, vem a devastadora reportagem sobre a informação contida nos vazamentos da correspondência eletrônica entre a macacada. Destaco apenas um trecho que me dá vontade de me esconder ("ainda se orgulha de ser brasileiro", disse Gonzaguinha).
O PROCURADOR HEREGE
A INVESTIGAÇÃO DA SUA VIDA DE PALESTRANTE AMEAÇA LEVAR DALLAGNOL À FOGUEIRA POR DINHEIRO, O EVANGÉLICO CHEFE DA FORÇA-TAREFA DA LAVA JATO PECOU.
por ANDRÉ BARROCAL
Dallagnol planejava ser sócio de um colega da força-tarefa, Roberson Pozzobon, e botar as esposas dos dois à frente da firma. As negociações ocorriam à vezes por mensagens escritas em aplicativos de celular, em um grupo do qual só o quarteto participava. Algumas conversas chegaram a Glenn Greenwald, do The Intercept. Em uma delas, de 3 de dezembro de 2018, Dallagnol diz à esposa no grupo: 'Vc e Amanda do Robito estão com a missão de abrir uma empresa de eventos e palestras. VAmos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade...'
Dallagnol tinha consciência de que era uma burla. 'Só vamos ter que separar as tratativas de coordenação pedagógica do curso que podem ser minhas e do Robito e as tratativas gerenciais que precisam ser de Vcs duas, por questão legal', escreveu ao grupo em 19 de fevereiro de 2019. E em seguida: 'É bem possível que um dia ela seja ouvida sobre isso pra nos pegarem por gerenciarmos empresa.' 'Ela' era uma outra Fernanda, de sobrenome Cunha, dona de uma firma de organização de eventos e palestras, a Star. Na cabeça do chefe da força-tarefa, o negócio que ele montaria com a esposa e os Pozzobon poderia contratar a Star para a parte organizacional, pagando um terço do cachê que receberiam ele e Pozzobom. Este sugeriu menos, 20%, mas o outro achou pouco.
[...]
A arquitetura bolada por Dallagnol para disfarçar, através da esposa, a violação de leis é condenada pelo próprio como laranjismo. Em um livro de 2010 intitulado Lavagem de Dinheiro - Prevenção e Controle Penal, uma coletânea de textos de vários autores desenterrada nos últimos dias por um blogueiro, Hugo Souza, o procurador defendeu que 'o uso de familiares para movimentação e a fim de figurarem como proprietários nominais de bens, valores e empresas, merece destaque em separado em razão de sua frequência, ainda que os familiares possam ser enquadrados em outrsas categorias, como a dos laranjas e testas de ferro.' Para Dallagnol, 'sob o ponto de vista do criminoso, o uso de pessoa com vínculo familiar (...) é altamente tentador, pois não demanda maior esforço - quase toda pessoa possui relação com pais, ou filhos, ou irmãos, ou possui um companheiro(a), chama menos a atenção no momento do uso, e apresenta segurança, decorrente do vínculo de confiança, tanto sob o prisma econômico como de manutenção do segredo'.
Destaco este gráfico rei do sarcasmo:
Chegou a vez do uso do PowerPoint para mostrar onde o cara está metido.
Que podemos comentar? Saudades da leitura semanal da revista. Vergonha de ver-me testemunha de tanta sem-vergonhice no poder judiciário brasileiro. Vergonha de testemunhar o que ocorreu no Brasil a partir da campanha eleitoral de 2018. Bolsonaro perdeu 30 anos na câmara dos deputados sem aprender praticamente nada sobre o Brasil, os problemas brasileiros, os problemas mundiais. Seus 57 milhões de votos servem, a meu ver, para emblematizar o fim do lulismo, aliás, já totalmente emblematizado na eleição de 2016, quando o PT levou uma derrota escalafobética. Talvez o partido não tenha acabado, mas ele jamais será capaz de retomar o poder e comportar-se adequadamente. Aliás, o teste de bom-comportamento não será feito, pois duvido que ele (e nós) volte/mos ao poder.
DdAB
P.S. Fernando Lara escreveu no mural dele lá do Facebook:
Eis que agora se resolveu discutir no Brasil "o que é melhor: cortar gastos ou aumentar impostos".
Li uma análise que ele fez e que foi recomendada para republicação pelo dr. Algoritmo. E comentei:
Mas no primeiro semestre da faculdade de economia, ensina-se aquele "teorema do orçamento equilibrado" que prevê que, se o governo gasta $1 e arrecada $1, não gera déficit e, talvez contra-intuitivamente, gera-se um aumento de renda. A explicação é a diferença entre as propensões a poupar e a gastar por parte do setor não-governo. Claro que, naquele mundo sem juros e sem preços, esta é realidade teórica inarredável. Mas, considerando juros e preços, ainda haverá um impacto positivo desses dois aumentos sobre a renda. Claro que estamos falando num mundo keynesiano-marxiano, em que "quem manda é a demanda".
E ele comentou:
eu acho esse ponto bastante importante mas infelizmente acredito que são bem poucos professores que ensinam isso ...
E eu comentei:
Sabes que tenho o maior orgulho de ter estudado "economia industrial" a vida inteira, o que me leva a sugerir que a turma não entende direito o modelo de insumo-produto. Quero dizer: nunca fui mais do que um aplicado professor da macroeconomia que nunca foi minha área de especialização. Mas tenho aprendido bastante com tuas lições e com as "cargas de leitura" que as acompanham. Dito isto, hoje sigo abalado pelas críticas que André Lara Rezende tem feito à macroeconomia moderna. Se o que ele diz é verdade, o que acabo de dizer no comentário original é falso. Ou melhor, não há evidência que comprove a operacionalidade (ou a inoperância...) da política econômica.
Quando Lara Rezende fala em "acadêmicos e banqueiros", tenho vontade de me esconder e seguir fazendo a apologia da política industrial voltada à produção de esgotos... Seja como for, há um desafio empírico para orientar a política macroeconômica que tem objetivos múltiplos: desemprego e salários, juros, câmbio e inflação,
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