14 setembro, 2018

História da Ficção, volume 1

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Querido diário:

Pensei que devo escrever minha própria história da ficção. Por falta de prática, comecei imaginando um velhinho daqueles literatos do tempo antigo, talvez um tanto baseado no romance "Meu irmão alemão", de Chico Buarque. Escrevo: tenho cerca de 1.200 livros, uns 200 ou 300 de ficção, muitos outros de economia, outros ainda de divulgação científica e outros, tico-tico-no-fubá. De sua parte, para simples comparação, o dr. Rodrigo Cambará, personagem da saga "O Tempo e o Vento", de Érico Veríssimo, muito metido a bacana, tinha anunciados 5.000. Um monte. Eu garanto não ter lido todos esses 1.200 e os amigos do dr. Rodrigo, alguns deles, juravam que ele teria lido no máximo uns 50. Ou exagero?

Na primeira prateleira, da esquerda para a direita de minha biblioteca de leitura-literária, estão Eça, Graciliano e Érico. Este ainda derrama-se para a segunda. Se eu não fizer o relato seguindo a estrita ordem em que os livros foram colocados na estante, minha mãe morre. Isto implica que devo começar com um livro que não li, Não importa, se é ficção, posso mentir que li.

Então vejamos: Eça de Queirós, como todo mundo, deixou uma obra impressa em vida muito interessante - digo-o mesmo sem haver lido tudo - e divertida. Mas meus livros mais amados foram "A Cidade e as Serras" e a "Correspondência de Fradique Mendes". Por quê, então, não li o primeiro primeiríssimo da prateleira? Por quê só esbarrei aqui e ali no "O Primo Basílio"? Porque, mal comecei a familiarizar-me com a história, como de hábito, fui conferir o final, mas mesmo antes disto entendi que Basílio se enroscaria com Luísa, o que me desagradou, talvez simples ciúme. Ciúme ou não, o fato é que, ao ler "Ulysses", de James Joyce, também fiquei furioso ao constatar com meus próprios olhos que Molly Bloom passava regularmente Leopold Bloom para trás. Por quê Basílio e não eu? Por quê Luíza daquele tempo e não Luana Piovani dos dias que correm (ou melhor, de uns cinco anos atrás)? Eu queria eu! Agora, cá entre nós, tem muita Luíza na literatura. Para quantificar o "muita", já vou dando exemplos. Um: "Um Ramo para Luíza", de José Condé e a Luizinha de "Caetés". Li o primeiro no final dos anos 1960s. Falarei adiante deste e de outros Gracilianos.

Ao lado de "O Primo Basílio" postei -sem segundas intenções- "O Crime do Padre Amaro" Eu li "A Cidade e as Serras", com absoluta certeza, ou em 1963 ou 1964 ou 1965 ou 1966. Dou quatro opções para garantir a certeza! E garanto. Se não roubaram, haverá traços de minhas impressões digitais, cabelos, células, espirro, entre suas páginas encontrada na biblioteca do Colégio Estadual Júlio de Caudilhos. Lembrava de alguma coisa, como a calefação na casa de Jacinto de Thormes à Paris. O interessante é que, em fevereiro de 2011, fomos passar as férias em Lisboa, segunda viagem, nova parceria. No final de tarde chuvosa, num shopping center, com ares ou nomes internacionais, depois de ter feito uma refeição na praça de alimentação, vi uma feira de livros com ofertas. Comprei este Eça, outro livro com as histórias de Jorge Luis Borges escritas em co-autorias. Levara acompanhando-me a "A Filosofia e e Espelho da Natureza", de Richard Rorty, um livro que li inteirinho, nada entendi e acho-o um dos melhores de não-ficção que li na vida. Minha edição é super-maneira, portuguesa, com certeza. Tem uma edição Relume-Dumará, brasileira. Olhei-a e vi a baixaria nacional: nem índice remissivo o diabo da Relume-Dumará ofereceu ao leitor doméstico.

Este livro acompanhava-me desde o Brasil e levei-o a Portugal apenas como companheiro e leitura leve (...) para as férias. Além de Rorty, é provável que tenha levado outro, de economia, mas -a certa altura- embarafustei pela leitura de "A Cidade e as Serras", investida agora em outra edição gloriosa, pela capa, papel cheiroso, gramatura adequada, diagramação límpida. No verso de sua folha de rosto, escrevi:

. O Crime do Padre Amaro
. O Primo Basílio
. O Mandarim que li na volta ao Brasil)
. A Relíquia (que li na volta ao Brasil)
. Os Maias
. A Ilustre casa dos Ramires
. Correspondência de Fradique Mendes.

E também li o ensaio "Eça de Queirós e o Século XIX", de Vianna Moog. E parece que parei por aí. Quereria dizer o quê? Que li ou lerei? Sinto vergonha por ainda não ter lido tudo isto, mas não posso estar tão desocupado para ler incansavelmente. Bem no topo da página 3 de "A Cidade e as Serras" em que consta um bico-de-pena de Eça, com seu bigodão e cravo na lapela, escrevi: "Tenho que rir sozinho! Ia esquecendo o mouse sem fio no Hotel Ibis, em Floripa." Falarei lá adiante que concluí a leitura -em Porto Alegre- no dia 21 de março de 2011. Reconstituo: estava "negociando com Brena Fernandez o trabalho conjunto que viria a ser a segunda edição do livro que levei vários anos organizando intitulado "Técnicas de Pesquisa em Economia" e que foi publicado em 2002 pela Editora Saraiva. Empreitada de sucesso, pois nós ambos organizamos o livro "Métodos e Técnicas de Pesquisa nas Ciências Empresariais".

Uma vez que já me aposentara da PUCRS, não queria ter envolvimento maiúsculo,, mas sobretudo queria alguém que sentisse envolvimento com o futuro da obra, novas edições, site, aquelas coisas. Tentei algum ex-colega da UFSC, comentando com o prof. João Rogério Sanson, que estava difícil fazer a parceria. Ele me indicou o nome de Brena Fernandez, uma economista estudiosa de epistemologia, tipo o prof. Ramón Fernandez (que não tem qualquer parentesco, ironias dos genogramas...). Viajei para Floripa bem no início de 2011, ficando lá por duas ou três noites, já não lembro. Claro que levei um computador, pois poderia trabalhar, delirar ou deixá-lo parado. Não lembro tampouco como saí do apartamento do hotel, deixando meu amado mouse, nem o que me fez voltar, digamos que fechar a janela ou pegar uma capa, guarda-chuva, sei lá. Como possivelmente Eça estivesse pronto para ser recuperado para a leitura de bordo, não me contive e nele joguei o desabafo.

Pois então. Seguindo alinhado à margem direita deste arquivo, quando transformado meu DOC em PDF, anotei uma espécie de índice analítico de que falarei adiante, remetendo às páginas 130, 135, 138 e 174. Na página 5 há alguns dados de imprenta, mas o que destaco são minhas anotações. Como uma espécie de subtítulo para "A Cidade e as Serras", escrevi: "Narrado em primeira pessoa por Zé Fernandes."

Voltam as datas: "Lisboa, 21/fev/2011, 18h26min, relógio Citizen adquirido há menos de 10 horas. Livro lido entre 1963 e 1965 (estimativa) na Biblioteca do 'Julinho'. E mais chamadas: "Tudo que é sólido desmancha no ar!", remetendo à p.94 e "p. 235: partidas dobradas", e ainda a informação de que botei no blog essas coisas. Por fim, os verbos "rugir, rosnar e ganir". Talvez o primeiro que quase matou-me de rir tenha sido o "ganir" lá da página 54. Talvez antes, preciso conferir, a gente volta no tempo para conferir.

Um vídeorromance. Há que escrevê-lo. Há muita coisa, há muita coisa. Na página 7, inicia-se a transcrição de uma carta firmada pelo J. de José Maria e não Z de "teu Zé". Editado, presumo, com o título de "Thormes visto por Eça de Queirós, em 2/jan/1898. Mais de 100 anos atrás. Serão 200, 300, mil, milhões de anos. A gente volta no tempo para conferir.

Falarei nisto mais adiante, talvez lá pelo volume 200, mas não posso perder a oportunidade de citar Machado de Assis, que levou-me a pensar na mudança semântica entre almoço e jantar. Hoje falamos em três refeições: café, almoço e janta. No CEUE, pedia-se "uma janta", que eu amava. Podia ser "com bife" ou "com guisado". Aqui, Eça diz a Emília (também ele tem sua "Minha querida Emília") que está escrevendo "à espera da ceia" e, em parênteses: "Aqui jantamos ao meio-dia." Ora, então é razoável pensarmos que, lá e acolá, janta-se em orários diversos. Se bem entendo de Machado, o que não é excessiva diferença com relação a Eça, as três refeições são o almoço, a janta e a ceia. Preciso indagar ao prof. Conrado de Abreu Chagas.

Na página seguinte do livro "A cidade e as Serras", a carta fala em "e todavia", expressão que sempre me pareceu estranha, ainda que eu mesmo possa tê-la usado, ou a alguma equivalente. As conjunções aditivas eram e, nem, também, bem como, não só..., mas também, ao passo que as adversativas eram mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no entanto, não obstante. Quer dizer, não se pode ser aditivo e adversativo ao mesmo tempo. Na álgebra dos conjuntos, e dá ou, melhor dizendo, dá a união, não é mesmo? E depois já entrou um grifo no adjetivo "inabitada" para casa. Não quis o "desabitada"?. E já vem um anglicismo: "Nunca seria possível vir passar aqui dois meses de férias, por gosto, este ano, mesmo com o alegre propósito of roughing it. Não há quartos, -não há mesmo cozinha. Realmente a casa, tal qual está, é um vasto celeiro. Excelente para guardar milho - impossível para conter uma família." O travessão, a vírgula, o milho grafado com a naturalidade dos velhos amigos, ele - que chegara à Europa há 300 anos.

Pulando do anglicismo ao galicismo: "À la rigueur, tudo se poderia lavar e caiar rapidamente mas o que não se poderia improvisar são os quadros, soalhos, tetos, telhado." Ele está cogitando com a esposa de vir a passar uma temporada na propriedade que a família mantém "nas serras". Mas a moradia serve mesmo é para mostrar o cuidado em inventar novas palavras: "A casa, essa, inteiramente [...] de sua inabitabilidade", com grifo no original. E segue: "Excelente para guardar milho - impossível para conter uma família." Milho, um dos presentes da América ao Velho Mundo. Conter? Se me fosse dado o atrevimento de editar Eça, eu falaria em "acolher". Também já vai ficando claro que a passiva sintética vai longe: "[...] o que não se podem improvisar são quartos, soalhos, tetos, telhados."

A esta altura, volta-se a falar na pobreza: "[...] horrenda imundície da gente" Decerto há miséria, e esse é um dos reversos de toda esta beleza. Decerto as casas de aldeia ou dos caseiros são, por culpa dos proprietários, verdadeiros covis, onde mesmo o gado estaria mal. Mas há também, na gente, o amor da imundície." Ênfase no original.

E tem gente contemporânea, como é o caso do que lemos na página 196 de "Caetés" falando em "pela manhã" e "pela madrugada", que segue com "pela manhã comecei a escrever". Eça não tem meio-termo: de manhã. E a página 9. Em seguida fala em "João Pinto", que trata bem a quinta, o que me levou a pensar na dupla José Fernandes e Jacinto de Thormes, invertendo os papeis: Eça, o proprietário, vira José Pinto, o administrador que conta a história de Jacinto, alias, Eça.

Já me alonguei, mas não posso deixar de registrar o final olímpico carregado de preposições imprescindíveis: "Mil beijos aos pequenos e para ti muitos também com os mesmos mil do [...] teu J.". De fato, alonguei-me, deixei muito recorte não costurado. Lugar comum, poderia explicar, prefiro seguir. Começa o romance.

E eu interrompo o meu, por enquanto.

DdAB
P.S. Botei aquela ilustração lá em cima para homenagear a turma...

2 comentários:

Camo disse...

Gostando muito do teu estilo ...como um italiano falando .Vou apreender muito contigo .bjo tua cunhada de sempre

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Muito obrigado, querida! O que não está dito é que -por trás de meu estilo- reside o som do português-com-sotaque-gringo-de-Bento, algo que me sai naturalmente. E que uso nas estadas de Portugal, pois prefiro fingir-me de italiano...