17 setembro, 2018

El Señor Marx y el Derrumbre


Querido diário:

Quase um ano atrás, andei lendo o número de outubro de 2017 da revista Cult que tem no tema de capa "Marx e as Crises do Capitalismo", tudo a propósito da passagem dos 150 anos da publicação de O Capital, digo, Das Kapital. Quando morei em Berlim, à propos, andei sugerindo que trocassem os artigos der e die por das, usando-o em todos os casos, como o the do inglês, ao mesmo tempo, homenageando a conquista da terceira dimensão. Não aceitaram, tentei justificar invocando o fato de que absurdamente voltaram a usar aquele Erset, sei lá. Por desgosto com essa derrota, abandonei os estudos dessa língua germânica.

Entre os interessantes artigos do -assim identificado- número 228 da Cult, temos nas páginas 32-34 o ensaio de Gustavo Moura, cujo título é "Nem profecia nem dogma; o autor de O Capital identificou importantes aspectos das formações sociais capitalistas e decisivas tendências de seu evolver histórico". Lemos na p.33 que Moura está citando uma carta de Marx endereçada a Arnold Ruge: "nós não antecipamos dogmaticamente o mundo de amanhã, mas somente queremos chegar ao novo mundo por meio da crítica do antigo."

Então estamos precisando prestar bastante atenção a esta proposição: apenas depois da crítica ao mundo antigo é que chegaremos ao novo. Esta mesma posição, mutatis mutandis, é repetida na Crítica do Programa de Gotha.

Mas tem mais gente tratando do tema del derrumbre del capitalismo. Meses antes daquele outubro, ganhei de presente de Naira Vasconcellos o livro:

SODRÉ, Nelson Werneck (1984) Contribuição à história do PCB. São Paulo: Global.

E na página 18 lemos o seguinte:

Como qualquer adolescente sabe, os comunistas e seu Partido têm suficiente compreensão da História para não esperar a 'implantação' -para empregar um dos chavões prediletos do escasso vocabulário da reação- do comunismo de um dia para o outro (como poderia supor algum demente), ou, no polo oposto, apenas quando toda a população, até o último indivíduo, estiver convencido de que assim deve ser feito. Admitem, portanto, e não é preciso excessivo esforço de raciocínio para isso, que a passagem ao socialismo (ao comunismo é coisa ainda mais complexa) demanda etapas de transição, cujo caráter, duração, função, etc., muda de caso a caso. O problema está intimamente ligado a outro, sempre presente e quase sempre obscuro e por isso mesmo polêmico, em todos os tempos: o do 'caráter da revolução' de cada uma dessas etapas. Não cabe aqui discutir questão tão complexa. É suficiente dizer que as chamadas 'reformas de base' definiam o caráter da revolução brasileira naquela etapa, isto é, a etapa da segunda década do século XX, no Brasil. Tratava-se de um elenco de reformas, ditas básicas, que não tinham conteúdo socialista, mas que permitiriam, implantadas e desenvolvidas, acelerar bastante aquilo que, em História, se conhece como revolução democrático-burguesa. Um dos traços irônicos dessa revolução reside no fato de que ela obriga a burguesia a cumprir seu papel histórico em países, como o Brasil, em que ela chegou tarde e está historicamente defasada. O elenco das 'reformas de base' não era, pois, em si, revolucionário: a estrutura de classes não seria subvertida. Importava, em linhas muito gerais, numa reforma agrária (que alguns queriam 'radical', mas cujo sentido só entendiam em palavras); numa reforma urbana, que deteria a espoliação do inquilinato; numa reforma eleitoral (dando direito de voto a soldados e marinheiros, e de votar e ser votado a qualquer cidadão maior e não insano, bem como aos analfabetos); numa reforma econômica que reduziria a sangria da remessa de lucros, nacionalizaria as principais empresas multinacionais, particularmente aquelas da área energética, sanearia a especulação financeira, baratearisa o crédito, preservaria os salários e, portanto, o poder aquisitivo dos trabalhadores, etc.

Até aqui o velho Nelson Werneck mandou bem. O mesmo fez meu colega de UFSC, o prof. Gerônimo Machado: não queremos o socialismo agora, mas reformas democráticas que conduzam a ele. Por falar em reformas de base, em 1963-4, havia o programa de reformas cobradas ao pres. João Goulart, quando ele retomou o poder com o fim do parlamentarismo:

. reforma agrária
. reforma educacional
. reforma fiscal
. reforma eleitoral
. reforma urbana
. reforma bancária.

Aqui comentei uma série de reformas que considero relevantes para a retomada (ou melhor, da tomada, pois com esse Gini sempre superior a 0,5, desde 1960) da vida democrática brasileira, o que apenas pode ser feito se houver redução no grau de desigualdade na distribuição da renda. E, naturalmente, sob o ponto de vista da vida política, a redemocratização do país.

Concluo dizendo que todas essas reformas de que falo têm em comum o fato de manterem o status quo no que diz respeito, alternativamente, a rupturas institucionais, como é o caso del derrumbre del capitalismo. Dei-me conta de que a humanidade ainda não gerou instituições suficientemente fortes a fim de lidar com um sistema econômico diferente do capitalismo. Se soubéssemos quais são essas instituições, já poderíamos estar propagandeando-as. O que sabemos é que as reformas de que Jango falou e as de que falei e até os cronistas de Zero Hora falaram podem criar essas pré-condições. Por fim, considero mais sensato que o capitalismo seja substituído naturalmente a vê-lo destruído abruptamente. Aliás, já andei brincando com a ideia de que "o capitalismo acabou há mais de 15 dias", isto é, já vivemos em outra formação econômico-social diferente daquela que Marx chamou de capitalismo.

DdAB
P.S. A imagem que nos encima fi-la (fila?) eu mesmo mostrando o esquema geral de crescimento de uma economia capitalista. O capitalista detém um montante D de dinheiro, com ele compra mercadorias no valor M, inclusive os serviços do trabalho, leva esse M ao recesso da fábrica e o envolve no processo produtivo do qual resulta um volume maior de mercadorias, M', sendo este levado ao mercado e vendido pelo valor D'. Se não for vendido, não gerou valor nenhum e o capitalista perderá seu amado dinheirinho investido nessa canoa furada.
P.S.S. Aquele M' não está bem contado: antes de dar seu salto mortal (isto é, ser vendida), a mercadoria não tem valor nenhum. Claro que, estilizadamente, podemos dizer que ela tem potência de valor com magnitude M'.
P.S.S.S. Desde que aprendi que o conceito de eficiência se desdobra em "produtiva, alocativa e distributiva", entendi que o capitalismo é mau na eficiência distributiva e na alocativa. Seu forte é a eficiência produtiva, dada sua espantosa tendência de gerar progresso técnico eliminador do trabalho vivo. Ou seja, para bom entendedor, ninguém precisaria trabalhar tanto, sendo constrangido a fazê-lo precisamente por causa daquelas viagens de subsunção formal e subsunção real da classe trabalhadora. Com uma boa reforma, pode-se controlar as ineficiências alocativa e distributiva, mas não se deve desprezar o lado alegre do capitalismo que é mesmo o de eliminar trabalho vivo e deixar tempo livre para a macacada jogar cartas ou esculpir obras de arte.


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