E-MAIL DE DdAB
Tempos atrás, quando recebi a revista da FAPESP, "Pesquisa". Constatei nas páginas 30-35 uma longa entrevista com o prof. Ataliba Teixeira de Castilho, linguista com passagem pelas grandes universidades paulistas. Título: "O Linguista Libertário" (Setembro de 2017. Ano 18 n. 259). Por esse tempo, escrevi o seguinte e-mail ao prof. Conrado de Abreu Chagas:
Sabes, Conrado, que foi contigo (menos que com a Suzzie) que comecei a entender que língua brasileira é mais real que a portuguesa e, se me atenho/ative à segunda, devo/devia a meu conservadorismo. Por exemplo, eu escrevia: "tenho-me ocupado..." A Editora Saraiva, de meu livro de Teoria dos Jogos (na co-autoria com Brena Fernandez), tirou essa -palavra que também aprendi contigo- cliticização. E fui vendo outras mudanças, como o início de frase com pronome átono. Nesta brasilização eu não caí, pois tinha criado o movimento "Me Faz Próclise, Te Chamo de Castelhano", o MeFaz. Mas tenho tentado reduzir a rigidez, sei lá.
Pois então, na página 33, lemos:
Pois então, na página 33, lemos:
"[...] Um linguista norte-americano, Daniel Everett, veio para a Unicamp nos anos 1970 e depois estudou a língua da comunidade pirahã no Amazonas. Ele entrou em conflito com o linguista norte-americano Noam Chomsky, que dizia que o que chamamos de recursão era universal. Recursão é a possibilidade de aplicar uma regra repetidas vezes na construção das frases. Em português, toda vez que quero colocar um plural, coloco um s. No entanto, Everett não encontrou recursividade na língua dos pirahã, que também não tem palavras para números e cores. Chomsky teve de admitir a exceção à regra que ele imaginava ser geral."
Claro que fiquei apuzzilado (gostou?, kkk) com este negócio anti-Chomsky. Pois bem, o registro fi-lo (hehehe) agora. E então passo a meu primeiro assunto.
Misturo-os, para iniciar. O bom velhinho fala na língua culta e parece que é um dos criadores daquele NURC onde a Suzzie trabalhou em tenra infância. E eu sempre tive presente essa encrenca de que a língua culta é falada pelos ricos e os pobres invejam os ricos...
Um animal que afrontou-a foi o juiz Sérgio Moro, que escreveu na sentença do Lula: "considerou-se muitas razões". Condenou um inocente, claro... Eu também tinha uma citação do ladrão Ruy Barbosa com esse "erro" de concordância verbal, sei lá.
Pois eu reconheço que novas línguas surgem, quase sempre baseadas em línguas anteriormente existentes. E fico a indagar-me qual é o momento em que podemos falar na inauguração. Lembro que Stephen Pinker falou na língua de sinais de surdo-mudos que as crianças nicaraguenses estavam criando rapidamente quando foram colocadas em contato, assim que a revolução começou a agir.
Mas entendo que expressões como "nóis pega os pexe", "despois", "ansim", "eu trúxi", "caminhou cunós", "mindingo", "nóis vai", "ele cabeu", "rúbrica", "a marida".
RESPOSTA DO PROF. CONRADO DE ABREU CHAGAS
Bom, o negócio com o Chomsky é simples. Ao longo de seu desenvolvimento, a chamada Teoria Gerativa passou por várias fases. A razão se deverá ao grau de generalização, à elegância do modelo, etc. O primeiro trabalho de Chomsky sobre Linguística remonta a 1955, ano em que escreveu sua tese de doutorado sob a orientação de Harris. Ninguém sabia muito bem o que fazer com aquilo que ali vinha exposto. Não parecia pertencer ao campo até então conhecido como Linguística. Em 1957, ele publica como que um resumo da tese num livrinho chamado Syntactic Structures, recentemente retraduzido para o português, com notas e tudo mais, por aquele que será possivelmente nosso melhor sintaticista brasileiro, o Prof. Sérgio de Moura Menuzzi, atual diretor da Faculdade de Letras da UFRGS. Nesse livro, Chomsky, de modo bastante elegante, resolve um dos problemas mais curiosos da gramática inglesa, que é o uso do auxiliar DO. Para ele, em lugar de uma frase (uma "sentence") em inglês conter tão somente sujeito e predicado, isto é, um SN (sintagma nominal) e SV (sintagma verbal), haveria também uma categoria intermediária, que ele denomina AUX, a qual abriga, basicamente, os verbos "auxiliares" DO, BE e HAVE. Sabemos que o inglês é uma língua que, nas negativas, traz o elemento negativo na posição pós-verbal, assim como o alemão e o francês contemporâneo falado, por exemplo. Vejamos:
1. Ich verstehe NICHT
2. Je comprends PAS
3. *I understand NOT
4. I do NOT understand
5. She does NOT understand
6. She understands
7. Does she understand?
A frase em (3) é hoje bastante restrita em inglês, havendo mesmo quem a considere agramatical (daí o asterisco). Foi ela, porém, a norma até os séculos XV e XVI. Mas em 1957 Chomsky não considera esses aspectos históricos. Apenas constata que, no inglês, em lugar de (3), a norma é (4). O verbo DO ocuparia assim a posição AUX. Além disso, comparando (5) com (6), propõe que o advérbio negativo NOT é o que impede que a desinência -s possa mover-se até o verbo principal, o mesmo ocorrendo com o pronome SHE em (7). Seu entendimento é o de que, para que a desinência -s possa mover-se até o verbo principal, AUX e V devem estar "adjacentes", ou seja, não deve haver nada in between. Quando essa adjacência não se verifica, existe uma regra de inserção de DO, o qual funcionaria como um "suporte" para a desinência.
Essa teoria acerca do DO, com a criação de uma categoria abstrata AUX, dá início à distinção que Chomsky aprofundará em 1965, em seu livro Aspects of the Theory of Syntax, entre "estrutura profunda" e "estrutura superficial". Sua ideia então é buscar entender a gramática com a qual nascemos e a qual nos permite aprender não importa que língua em tão curto espaço de tempo quando somos crianças. Porém, formalmente, isso só poderá ser feito a partir das pesquisas realizadas ao longo dos anos 70 (realizadas por ele e por seus já então numerosos colaboradores), as quais apresenta numa séria de "palestras", num livro que se chamará Lectures on Government and Binding (1981). Chegamos aqui no que veio a ser conhecido como a Teoria dos Princípios e Parâmetros, uma teoria de muita elegância e que teve descobertas deveras importantes. Parei de acompanhá-lo quando teve início o que veio a ser conhecido como Teoria Minimalista, pois me pareceu demasiado abstrata e em todo caso não dava conta, até onde eu podia ver, das questões específicas com as quais eu então lidava.
Mas a questão do método científico ao longo da Teoria Gerativa foi sempre aquele de inspiração popperiana, isto é, o "dedutivo". Isso quer dizer que as ideias são lançadas, delas fazendo-se generalizações, para a seguir, caso encontremos algum "cisne negro", dar volta atrás e rearranjar a teoria, e assim vai a valsa.
Muitos criticam Chomsky por ater-se à língua inglesa, no sentido de suas ideias sempre partirem dessa língua. E mais: de um, digamos, "dialeto" dessa língua, que é aquele usado por pessoas altamente educadas do nordeste dos Estados Unidos. Isso parece correto. Mas sempre será necessário observar que houve e ainda há pesquisadores "gerativos" em todos os cantos do globo, trabalhando com as línguas as mais variadas, inclusive as linguagens dos surdos.
Por tudo isto, pela enorme erudição do cara é que tenho um marcador de postagens só para ele!
DdAB
A imagem lá de cima é de Conrado Abreu Chagas e recolhi-a do mural do Facebook de Moca dos Santos.
1. Ich verstehe NICHT
2. Je comprends PAS
3. *I understand NOT
4. I do NOT understand
5. She does NOT understand
6. She understands
7. Does she understand?
A frase em (3) é hoje bastante restrita em inglês, havendo mesmo quem a considere agramatical (daí o asterisco). Foi ela, porém, a norma até os séculos XV e XVI. Mas em 1957 Chomsky não considera esses aspectos históricos. Apenas constata que, no inglês, em lugar de (3), a norma é (4). O verbo DO ocuparia assim a posição AUX. Além disso, comparando (5) com (6), propõe que o advérbio negativo NOT é o que impede que a desinência -s possa mover-se até o verbo principal, o mesmo ocorrendo com o pronome SHE em (7). Seu entendimento é o de que, para que a desinência -s possa mover-se até o verbo principal, AUX e V devem estar "adjacentes", ou seja, não deve haver nada in between. Quando essa adjacência não se verifica, existe uma regra de inserção de DO, o qual funcionaria como um "suporte" para a desinência.
Essa teoria acerca do DO, com a criação de uma categoria abstrata AUX, dá início à distinção que Chomsky aprofundará em 1965, em seu livro Aspects of the Theory of Syntax, entre "estrutura profunda" e "estrutura superficial". Sua ideia então é buscar entender a gramática com a qual nascemos e a qual nos permite aprender não importa que língua em tão curto espaço de tempo quando somos crianças. Porém, formalmente, isso só poderá ser feito a partir das pesquisas realizadas ao longo dos anos 70 (realizadas por ele e por seus já então numerosos colaboradores), as quais apresenta numa séria de "palestras", num livro que se chamará Lectures on Government and Binding (1981). Chegamos aqui no que veio a ser conhecido como a Teoria dos Princípios e Parâmetros, uma teoria de muita elegância e que teve descobertas deveras importantes. Parei de acompanhá-lo quando teve início o que veio a ser conhecido como Teoria Minimalista, pois me pareceu demasiado abstrata e em todo caso não dava conta, até onde eu podia ver, das questões específicas com as quais eu então lidava.
Mas a questão do método científico ao longo da Teoria Gerativa foi sempre aquele de inspiração popperiana, isto é, o "dedutivo". Isso quer dizer que as ideias são lançadas, delas fazendo-se generalizações, para a seguir, caso encontremos algum "cisne negro", dar volta atrás e rearranjar a teoria, e assim vai a valsa.
Muitos criticam Chomsky por ater-se à língua inglesa, no sentido de suas ideias sempre partirem dessa língua. E mais: de um, digamos, "dialeto" dessa língua, que é aquele usado por pessoas altamente educadas do nordeste dos Estados Unidos. Isso parece correto. Mas sempre será necessário observar que houve e ainda há pesquisadores "gerativos" em todos os cantos do globo, trabalhando com as línguas as mais variadas, inclusive as linguagens dos surdos.
Por tudo isto, pela enorme erudição do cara é que tenho um marcador de postagens só para ele!
DdAB
A imagem lá de cima é de Conrado Abreu Chagas e recolhi-a do mural do Facebook de Moca dos Santos.
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