Querido diário:
Pelo que entendi, o mundo começou de um jeito que não testemunhamos e, como tal, apenas podemos teorizar a respeito. Depois do mundo vieram, como disse Richard Dawkins, "os seres unicelulares, as amebas e... nós mesmos." Claro que, mesmo antes de nós e depois das amebas, ele não referiu -mas não há de discordar deste pobre comentador- o surgimento dos animais sociais, como as cobras e os humanos.
Tá cheio de gente querendo entender o comportamento das células (por que uma célula 'tronco' sabe como diferenciar a formação da mão humana do cérebro?), das amebas, das cobras, lobos e de nós mesmos.
O começo do assunto é escrever um parágrafo sobre ele, ordenando os seguintes itens, que andei chamando de teoria dos 7Cs: começar, conceituar, classificar, contrastar, comentar, concluir e continuar [este 'continuar' depois do 'concluir' é para dizer que, se não sabemos direito como é que o mundo começou, que dizer de se ele vai e como acabar].
Em nosso caso, já temos uma pilha de conceitos, por exemplo, mundo, seres unicelulares, comportamento. E por que, dos 7Cs, separei apenas o 'conceito'? Pois é a partir de conceitos que podemos não apenas falar sobre eles mas, principalmente, relacionar um com o outro. Por exemplo, posso dizer que, hoje em dia, tenho uma renda maior do que a que me cabia quando eu tinha 15 anos de idade (ou escolaridade...). E que hoje em dia meu nível de consumo é maior que o anterior. Então já fiz uma relação entre dois conceitos, pois não precisava tê-la feito desta forma. Por exemplo, poderia falar em ter mais cáries hoje do que naquele tempo, sei lá, tanta coisa. Mas adstrinjamo-nos [claro que o Blog e o Facebook sabem o verbo adstringir, mas não sabe conjugá-lo e pintou-o de vermelho quando digitei].
É que, quando eu digo que meu nível de consumo depende de minha renda, dado que já fiz conceitos para consumo e renda e que, neste processo, defini variáveis, como é o caso da dupla consumo e renda, pois -como sabemos- variável é tudo o que varia. No caso, meu consumo e minha renda não dependem apenas daquele dia específico em que olhei no orçamento doméstico e vi os níveis de cada um. Eles são variáveis, pois num mês tem um valor para C, no outro, valor diferente para Y, e assim por diante. E que isto tem a ver com teoria?
Um dia encontrei (ou penso que tê-lo-ia encontrado), casualmente, numa academia de ginástica (pois a escolar fugiu-lhe e ele a ela) o governador Rigoto. Indaguei-lhe: qual a diferença entre teoria e realidade. Ele não respondeu, apenas sentenciou: "na realidade, a teoria é outra". Mas fiquei matutando sobre o que ele quis dizer com isto, pois parece óbvio que existe um mundo das ideias e outro dos seres tridimensionais, como os ratos e os homens, para citar Steinbeck. Logo, na realidade, a teoria é a teoria. Falando em governadores, evoquei o sucessor da economista Yeda Crusius, minha professora e colega. Disse, mutatis mutandis, o novo luminar da governança estadual, ele referindo-se a "transparência":
A é teoria e é por isto que a chamam de teoria.
E o Aurelião? Peguei as duas primeiras acepções:
1. Conhecimento especulativo, meramente racional.
2. Conjunto de princípios fundamentais duma arte ou duma ciência.
Fiquemos com especulação. Claro que é uma especulação de minha parte associar não apenas a minha renda, mas a de todo o resto da macacada, com os correspondentes consumos. Ao mesmo tempo, temos aí um princípio fundamental da ciência econômica. Que sabemos, então, até agora, de nossa teoria? Que o consumo se relaciona com a renda. E mais, temos razão para crer que, quanto maior a renda Y, maior será o consumo C, ou seja, eles, C e Y, mantêm uma relação direta, como a que lamento dizer existe entre meu peso e minha ingesta de açúcar.
E para que será que servem as teorias e os modelos nelas inspirados? Falo mais especificamente da ciência econômica, ainda que muitos outros ramos do conhecimento científico experimentarão variantes com relação a este quinteto de que já falarei. Um modelo serve para permitir-nos fazer cinco blim-blim-blins: compreender, descrever, explicar, prever, recomendar. Não vou falar sobre isto, deixando estes conceitos como perguntas a serem respondidas pelo leitor diligente...
E aí caímos no mundo da modelagem, no mundo dos modelos.
Num livro muito do maneiro, lemos (?) a seguinte definição de modelo: modelo é uma encrenca que, quando articulada logicamente, pode deslocar-se para um plano puramente abstrato, permitindo a problematização de aspectos paralelos e inexistentes neste mundo.
Então posso falar agora em três níveis da modelagem, ou seja, três tipos de modelos, o que farei com nossos já grandiosos conhecimentos da teoria econômica:
.a. modelo teórico: C = f(Y+) - o consumo é uma função positiva da renda,
.b. modelo empírico: C = a + bY - o consumo é uma função linear e positiva da renda (isto é, C e Y variam diretamente)
.c. modelo experimental: C = 3 + 0,65Y (em trilhões de reais, pode ser o caso do Brasil)
E se não fosse 3 e sim 3,1416? Aí a gente mudaria o 3 pelo 3,1416 e voltaríamos ao melhor dos mundos. E se não fosse 0,65? Idem, mutatis mutandis. E se não fosse linear, al´no .b.? Aí a gente metia outra função, uma não linear, como aquela que a professora Abigahil ensinou-nos a chamar de função potência, alguma outra, senóide, logarítmica, tem tantas... E se o consumo não fosse função da renda no item .a.? Aí a gente tentava descobrir de que o consumo é função. Por exemplo, o consumo de maiôs depende da estação do ano, o consumo de Artrodar depende da idade. Mas, no final das contas, poderíamos ter uma função linear (ou outra) contemplando não apenas a renda, mas uma pilha de outras variáveis que achamos seja dependente do consumo? E não haverá erros absolutamente imprevisíveis? Claro que haverá e aí a negadinha coloca na equação .a. uma variável estocástica encarregada de capturar essas influências imprevisíveis? E se ainda assim não capturar? Tenta outra, e assim por diante.
E nunca, nunca de núncaras nos daremos por satisfeitos com os resultados, pois estes -bem o sabemos- estão intrinsecamente errados, uma vez que somos incapazes de saber tudo o que se passa no universo, tudo o que influencia tudo. O que fazemos é dar golpes na realidade, felizmente, no caso, golpes mentais, tanto é que ela nem se abala com eles. Então para que servem a teoria e os modelos? Para representar de maneira caricata e parcial a realidade, de sorte a permitir-nos fazer aquelas cinco palavras: compreender, descrever, explicar, prever, recomendar.
Como disse uma amiga: "Não reli. Azar."
DdAB
P.S. Os governadores Rigotto e Sartori e seu partido são homenageados hoje, que o senado federal, no governo de seu partido, ontem, declarou Dilma ré de uma acusação escalafobética. Só bebendo! E a foto é do Jornal do Comércio e eu a editei.
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