16 junho, 2016

Indústria, Linkages e Equilíbrio


Querido diário:

Sempre me pareceu curioso que um subconjunto de economistas heterodoxos:

.a. preza em excesso o conceito de linkages originário da matriz de insumo-produto

.b. despreza o conceito de equilíbrio.

Acho que a explicação é que eles não estudaram profundamente o conceito de multiplicado keynesiano (ensinado no primeiro curso de introdução à economia a que foram submetidos). Lembra do modelo?

.a. definimos uma função consumo C = f(Y), ou seja, temos uma equação de comportamento dizendo que o consumo é uma função da renda

.b. definimos a função "demada de bens" (entre aspas, pois ela não é desenhada no plano (renda, preços), mas no plano (DB demanda de bens, OB oferta de bens); para ser demanda de bens, ela teria que ter a demanda final no eixo horizontal e o preço da demanda final no eixo vertical, claro) DB = C + I. (neste modelinho elementar, a demanda de bens é composta por demanda de consumo e demanda de investimento).

.c. definimos a condição de equilíbrio do modelo: YB = DB, a demanda de bens é igual à oferta de bens

.d. e se não aceitarmos que o mercado está em equilíbrio em alguma combinação entre OB e DB e um certo nível de preços omitido neste modelinho simples que estou começando a complicar? O modelo é rico o suficiente para permitir, por exemplo, calcularmos alguma coisa supondo, por exemplo, que a demanda é 10% maior que a oferta, ou seja, aquele YB = DB mudaria para 1,1 x YB = DB. Mas tem gente que acha que mesmo esta concessãozinha para o desequilíbrio não é válida. Esqueçamo-los.

.e. expressando a função consumo em um modelo empírico, temos, por exemplo,

C = a + b x Y, ou seja, o consumo é uma função linear da renda (e imaginamos que a e b são maiores que zero(mas a até pode ser menor que zero ou igual a zero),

.f. então a função demanda final é DB = C + I = a + b x Y + I

.g. chegamos àquela condição de equilíbrio que era YB = DB torna-se

Y = a + I + b x Y

e nada perdemos em generalidade ao trocar YB ou DB por Y, pois queremos é este Y que iguale YB e DB.

.h. reunindo os termos em Y e isolando, temos

Y - b x Y = a + I

e

(1 - b) x Y = a + I

e finalmente

Y = (a + I)/(1 - b).

Ou seja, determinamos um valor de Y que depende dos valores dos parâmetros a e b e também do nível de investimento I.

E agora é que vem o mal-entendido de muita gente. Tem gente que pensa que, quanto maior o valor de b, melhor para a economia, pois maior será o valor de Y. Puro erro, pois o que a equação está dizendo é que, para retornar ao equilíbrio, a economia precisa gerar renda (oferta de bens) para atender à nova elevação da demanda (de bens) compatível com este novo b. Ou seja, uma economia com um b muito elevado será muito mais instável que uma de b menor. Mas aí tem a viajação do paradoxo da parcimônia, que -se a população é meio excessivamente frugal- o estímulo na renda provocado pelo aumento da demanda é reduzido.

Pois bem, depois de tudo isto, que temos a ver com o modelo de insumo-produto? Precisamente a mesma coisa. Só que, ao invés de um multiplicadorzão para toda a economia, temos um multiplicadorzinho para cada setor da economia.

Então, no modelo de insumo-produto, fizemos a mesma viagem de variar a demanda final, a fim de determinar os linkages dos setores, ou seja, imaginamos que a demanda de cada setor varia de uma unidade e calculamos em quanto aumenta a oferta (no caso do modelo, vemos diretamente não o valor adicionado, mas o valor da produção).

E também tem aquela viajação de primeiro semestre da faculdade de economia sobre a "multiplicação dos depósitos bancários", a mesma, mesmíssima coisa. Só que, se o banco oferece mais crédito, se não houver demanda, não haverá multiplicador nenhum atuando no mundo real.

DdAB
Imagem daqui. Fui informado (e ainda não testei) que esta garrafa não precisa de armário: fica parada no ar em qualquer lugar da casa que a gente deseje, inclusive flutua dentro da frigidaire.

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