05 novembro, 2015

Notas sobre Método (ou algo parecido)


Querido diário:

Seguem-se reflexões que retirei de um paper cuja única referência que tenho é bastante pessoal: marcas de cafezinho na primeira página e na página 238 lá dele. Isto não deixa de revelar minha gratidão, pois -sem ele- não haveria estas reflexões e -ipso facto- notas.

Primeiro: de onde emana a sabedoria econômica? Da disseminação pela sociedade dos vínculos estabelecidos pelos homens com a intermediação da produção de bem-estar material.

Segundo: não existe mundo sem teoria, sem interpretação. Quando penso que estou digitando é porque criei um modelo que, ao ouvir um barulhinho emanando-se do teclado que suponho estar a minha frente, etc., suponho estar existindo, digitando, respirando, etc. Neste caso, ao sabermos que o preço de uma mercadoria específica e sua quantidade variam inversamente, então estou considerando um modelo em que, se o preço aumentar, a receita total pode cair. Qualquer pessoa encarregada de registrar as vendas de uma empresa saberá disto, basta olhar a regularidade que ter-se-á observado em momentos prévios. Isto é, ex post, poderei identificar as condições em que isto ocorre. E, no caso, diremos, no devido tempo, que isto ocorreu porque o trecho relevante da curva de demanda era inelástico.

Terceiro: tem outro tipo de teoria que é chamado de axiomatização. Vejamos dois exemplos. A curva de demanda por compras (que é um exercício de sala de aula que inventei, indagando aos alunos quanto gastaram -digamos- na última semana, dando-lhe faixas de preços e solicitando o número de transações de cada faixa. O que se constatava é que havia mais transações de coisas baratas, digamos, bilhetes de ônibus, refri no recreio e menos transações de coisas mais caras, uma roupinha nova, um jantar com a noiva...) é um exemplo especial. Foi fácil de convencer a turma que havia uma regularidade empírica poderosa. Mas o salto é que podemos pensar que, por trás dela, há outra regularidade: trocamos as coisas mais caras pelas mais baratas quando seus preços relativos (a que estávamos habituados) mudam. Depois disto, surgem axiomas que levam a previsões novas, como consequência -por exemplo- dos postulados da aditividade e da preferência pela diversificação, respectivamente, sobre o crescimento econômico e o comércio intra-indústria, e por aí vai.

Quarto: entendo que Karl Marx tinha no fundo da cabeça o mesmo modelo de equilíbrio geral que depois foi aprofundado por Walras, Leontief e Johansen. Primeiro, ele via na concorrência o mecanismo fundamental das economias capitalistas, talvez sua mais importante lei de movimento. Em especial no volume 2 de O Capital estas coisas são razoavelmente bem elaboradas (o processo de circulação do capital). Marx via na lei do valor a solução simultânea das contabilizações dos trabalhos sociais e devotados aos diferentes ramos produtivos, remunerando alguns de acordo com a média, outras, acima e outros, abaixo dela, além de negar-se a aceitar como tendo criado o valor aquela empresa em alguma mercadoria que não desse seu 'salto mortal', isto é, que não encontrasse demanda.

Quinto: realismo dos supostos. Podemos fazer "engenharia reversa" e dizer que, uma vez que observamos aquelas realidades empíricas da curva de demanda por compras e dos resultados úteis dos modelos de equilíbrio geral computável, então os indivíduos estão agindo de acordo com a teoria do consumidor. Neste caso, eles devem comportar-se de tal ou qual modo quando o preço de uma mercadoria varia, ou a sua renda, ou o nível de propaganda, etc. Para que a curva de demanda seja negativamente inclinada, só pode ser que o agente decisor respeitou os axiomas, ou melhor, não os violou. Se violar, precisaremos refinar o programa de pesquisa e talvez até abandoná-lo, mas não antes de se criarem bons substitutos.

Sexto: sobre as comparações intertemporais de utilidade, temos a frase arrasadora de Hargreaves-Heap e Varoufakis no livro de introdução à teoria dos jogos: Bina e Dino hão de concordar que ambos preferem passar as férias em Veneza a serem fritos em óleo quente.

Sétimo: uma crítica pueril à relevância para a construção das teorias do uso do conceito de equilíbrio é substituir esta palavra por "aparência de equilíbrio".

Oitavo: a grande questão é se o economista fala ou não do mundo e se ele explica melhor que outros especialistas. O próximo passo, se aquiescermos na qualidade de sua explicação, consiste em buscar entender em que segmentos sua explicação é melhor que a dos demais investigadores.

Nono: ao criticarmos a taxa de juros do Brasil contemporâneo, devemos investigar se ela é da magnitude corrente por maximizar os lucros dos bancos. Ou apenas maximizadora da remuneração dos dirigentes? E podemos expandir esta reflexão para o subsídio às importações de bens industriais em virtude do câmbio baixo.

DdAB
Imagem daqui.

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