Querido diário:
Recebi a muito querida mensagem que segue, originária do e-mail de Adalberto Alves Maia Neto (ver, indo ao verbete "Duilio Aluno"). Enviei-lhe o registro da postagem daqui e ele, Adalberto, fez sua própria tradução, que se fez acompanhar por inteligentíssimos comentários. Recapitulemos o original:
Stately, plump Buck Mulligan came from the stairhead, bearing a bowl of lather on which a mirror and a razor lay crossed.
Diz aí, meu grande amigo:
Minha tradução: “Majestoso, o gorducho Buck Mulligan veio do alto da escada carregando uma tigela de espuma, na qual repousavam cruzados um espelho e uma navalha.”
1. Stately. Poderia também ser imponente;
2. Plump. Prefiro gorducho, porque acho roliço muito afetado;
3. Came from the stairhead. Veio do alto/topo da escada, surgiu do alto/topo. Tem a preposição de e não pode ser no alto/topo, pois ele usou o verbo ‘came from’. Acho também que a melhor tradução seria “veio”, porque ele usou o verbo to come no sentido de surgir, mas também em português se eu falo que veio do alto da escada eu estou dizendo que surgiu do alto. Quer dizer, acho que aqui a expressão mais correta é veio de. Se ele quisesse poderia ter usado ‘emerged’, ‘appeared’, mas não, ele usou ‘came’;
4. Prefiro do alto, mais direto, mais simples, que eu acho que era o estilo do Joyce;
5. Bearing a bowl of lather. É exatamente carregando/portando uma tigela de espuma. Quer dizer, ele está dizendo que o sujeito está carregando uma tigela que é usada para por espuma e fazer a barba. Ele não está dizendo, nesse ponto, que a tigela está com espuma. Depois ficamos sabendo que de fato tem espuma na tigela. Mas será que já tinha espuma desde o início. Se tinha, como é que poderiam lay crossed? Não faz sentido imaginar que o espelho e a navalha estavam mergulhados na espuma, né? Mas porque em português eu não mantenho o mesmo sentido do original, ou seja, apenas uma tigela de espuma? Não precisa especificar que tem espuma na tigela. Se ele quisesse ele diria que tinha espuma na tigela, mas ele apenas se referiu ao instrumento, ou seja, a bowl of lather. Também não tem que especificar que a espuma é de barbear. Isso fica subentendido, pois existe a lâmina e o espelho. Ficaria muito sem graça especificar que a espuma é de barbear;
6. Razor. Razor, apenas razor só pode ser navalha, pois o sujeito não poderia fazer a barba apenas com uma gilete, pois precisaria de algum aparelho para colocar a gilete, e aí o Joyce usaria outro termo. Me parece certo que deve ser navalha;
7. Lay crossed. Acho que estavam exatamente um (a navalha) sobre o outro (o espelho). Ou seja, repousavam cruzados. Acho que muda a ordem em português em relação ao inglês.
Sigo eu DdAB. Assim terminou o texto, o que nos deixa ver que sua criatividade e verve engendraram soluções ainda não aventadas pelos tradutores anteriores. Parece que estamos, agora, a carecer de um ensaio específico sobre a comparação de meus palpites sobre as melhores palavras da primeira sentença e as de AAMN. Aqui termina a postagem.
DdAB
Imagem: aqui. Vemos nada mais nada menos do que o Edifício Alcides Maya, na Rua Demétrio Ribeiro em Porto Alegre.
P.S. Em 1/jun/2014, mudei o título para Ulysses.
P.S. Em 1/jun/2014, mudei o título para Ulysses.
3 comentários:
bem, não deveria comentar, mas prefiro a versão com espuma, mais (não o mas de outrora)a caráter para o estilo do personagem de o próprio, descuido, descuidado e descuidadoso, sem preocupações estéticas de utilidades, o que é diferente de utilitarismos, veja, enfim, é só um palpite, mas o mérito da tradução é dele, do amigo, não minha...abraço, s.
Oi, Anaximandros:
Apenas agora é que me deparei com o comentário. Muito grato,como sempre, muito agudas as franjas de interpretação de tudo e tudo o mais.
DdAB
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