14 novembro, 2013

Graça: outro tipo na Grécia

Querido diário:
Volta e meia falo no Graça-Graciliano. Hoje falo em Osman Lins que escreveu um dos mais belos trechos, principalmente, mais engraçados (non-sense) que já li! Explicando-me: Osman Lins fez a maior graça.

No livro "A Rainha dos Cárceres da Grécia", o mundo e sua novela começa no dia 26 de abril de 1974 (na p.7):

   Muitas vezes, durante o último ano, tão penoso e vazio, mencionei aqui a intenção de ocupar as horas vagas, dar-lhes sentido talvez, escrevendo o que Julia -Julia Marquezim Enone- sempre discreta em relação a si mesma, me contou de sua vida, o que testemunhei e o que depois pude saber.

Não está claro que ela morreu, né? Mas não sei se estrago a história ao contá-lo. Vamos mais diretamente ao ponto. Na página 133, estamos em 27 de março de 1975 (eu mal estava começando a parte teórica do curso de mestrado em economia):

Morta Laura, il passato, il presente
e il futuro, tutto gli è tormento e pena

La vita fugge e non s'arresta una ora,
e la morte vien dietro a gran giornate,
e le cose presenti e le passate
mi danno guerra, e le future ancora;
e'l rimenbrare e l'aspettar m'accora
or quinci or [...]

   Não, Petrarca, teu soneto não é duro bastante para celebrar o aniversário, o segundo, da iníqua morte de Julia, esmagada, cinco meses depois de dar por terminada a sua obra, sob um caminhão GM de cor verde, chassi de oitocentos e oitenta e dois milímetros, eixo dianteiro tipo viga em I (capacidade três mil, setecentos e cinquenta quilos), eixo traseiro flutuante dupla redução (capacidade nove mil e trezentos quilos), tanque para cento e quatro litros de óleo diesel, freios a ar, pneus de doze e catorze lonas, carregado, peso bruto total vinte e dois mil e quinhentos quilos.

Claro que isto me evocou a canção de Adoniram Barbosa, "Iracema", em que o rapaz não se conforma com a morte da garota, mas não lhe dá completa razão, pois ela "travessou contramão". Os detalhes do atropelamento teriam sido transmutados pelo texto de Osman, não é mesmo?

DdAB
Imagem vem de .
Esta passagem de Osman Lins marcou-me tanto que já a postara aqui.

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