14 maio, 2010

Gary, Larry, emprego e distribuição

querido blog:
quero explorar no que segue os desdobramentos de duas polaridades interessantes:
.a. renda básica e nivelamento do consumo per capita
.b. fim do emprego e necessidades ilimitadas.
no primeiro caso, há uma importante relação de complementaridade, ao passo que, no segundo podemos forçar a barra e pensar que apenas com mais emprego é que atenderemos a maior volume de necessidades.

confrontando Gary e Larry, habitantes do romance "O Fio da Navalha", de W. Somerset Maugham, descobrimos que os áureos tempos de Gary (bem, não era Gary, mas o irlandês Gray) permitiam-lhe retirar US$ 500,000 anuais, em -digamos- 1927. espantoso contraste com Larry, o Mr. Lawrence, que ganhava US$ 3,000, o que lhe permitiria viajar pelo mundo, em segunda classe de navios e hotéis, acompanhado da bela Isabel (proposta que ela recusou...).

Gary, um impetuoso operador da bolsa de valores, ganhava quase 170 vezes mais do que Larry, um piloto de guerra que teria descoberto algo mais interessante do que a raiz quadrada de 2 ao voar os céus da Europa em missões de matança de alemães. um juiz de direito no Brasil ganha R$ 27.000 (ou vai ganhar em breve...), o que dá apenas 54 vezes o valor do salário mínimo. claro que o índice de Gini entre estas duas duplas favorece o caso brasileiro, ainda assim, em média, o Brasil dos anos 2010s tem um Gini quase 50% maior do que o americano.

segunda dualidade: depois de ter lido Richard Rorty ("pensar em tudo, sobretudo no impensável") sempre que penso em "necessidades ilimitadas", faço a velha viagem da "liberdade é o conhecimento da necessidade" e entendo que a verdadeira liberdade talvez nunca venha a bafejar-nos. mas, certamente, tem mais liberdade o homem contemporâneo com sua apendicite debelada do que o selvagem de outrora, arcado de dor lá com a sua e, a fortiori, devorado pelas onças.

claro que, em boa medida, o impensável também nos reserva desafios para gerarmos pensamentos sobre os limites do conforto material e do espiritual. Maslow e a hierarquia das necessidades humanas, sempre citado por mim, ajuda-me a relativizar esta questão da infelicidade por desconhecer o que poderia ser conhecido... penso que, durante os próximos milênios, o homem seguirá precisando trabalhar, para, pelo menos, buscar atender às necessidades superiores, como a busca do significado da vida.

ademais, também antevejo que os gastos de recursos com transportes e saúde não têm horizonte de esgotamento discernível, inclusive porque temos desafios mais imediatos no sentido de preservarmos o planeta da destruição absoluta absolutamente desnecessária (por contraste ao resfriamento da coroa planetária que gelará tudo em, digamos um bilhão de anos).

o que não sabemos é se ainda haverá "mercadorias", se as máquinas se encarregarão do trabalho pesado e seus correlatos, e se o homem vai dedicar-se apenas a discutir problemas hoje inimagináveis com as próprias máquinas, orientando-as a fazerem seu dever de casa, ou seja, atender a suas necessidades materiais superiores. nesta linha de necessidades imateriais, fico a indagar-me se me agradaria mais do que qualquer canção a que me ninasse, concebida especialmente para mim, dadas minhas peculiaridades genéticas, culturais e o quê mais.

DdAB
captura da imagem: fui buscar "Gary e Larry" e achei algumas coisas interessantes, fixando-me na dupla dinâmica que acima vemos. http://www.teigland.de/resources/teig12a.jpg.

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