21 maio, 2022

La Barbe: um caso de filosofia de cinema


 

Eu ia começar dizendo "meus caros amigos Obama e Ciro" e rapidamente dei-me conta de que não posso ser considerado amigo de nenhum deles. Mas Ciro é que não me passa, eu, logo eu, que tenho diletos amigos ciristas. E Barack Obama é um cara que fez história, ganhou um imerecido prêmio Nobel e toca a vida com desenvoltura e aplomb. Embora antípodas em matéria de minha admiração e afeto, eles comungam de um traço de comportamento muito importante: ambos cortam o cabelo semanalmente de sorte que sempre que os vemos temos a impressão de que seus cortes de cabelo são sempre o mesmos: eles nos fazem crer que possuem uma cabeleira estacionária.

E que dizer quanto à barba? Se bem lembro de já envelhecidas aulas de francês, a expressão "la barbe" expressa (ou expressava) perplexidade. E é bem nesta linha de tornar-me perplexo que desejo fazer o comentário que estou designando como caso de cinema. O assunto começa com a divisão do rosto masculino em: a) cara limpa ou b) barba. De sua parte, a barba é mais rica (nem digo em pelos) que a cara limpa: b.1) barba de um dia, b.2) barba de dois ou três dias, b.3) barba à la Karl Marx, b.4) barba de eremita, e por aí vai vovó Viviane. Hoje também é moda, além de barbudos como o que acabo de citar nominalmente, aquelas barbinhas de três ou quatro dias que também se eterniza: não para de crescer.

Um fato que nem serve para separar a cara do homem vivo com a de seu cadáver: a barba, em ambos, cresce. No caso do segundo, ela não cresce eternamente, mas apenas algumas horas do post mortem. Minha preocupação é fazer o contraste entre os rapazes de cara limpa de barba recém feita e os de cara limpa com a barba crescidinha revelando certo passar do tempo entre o corte e a observação.

Tentando ganhar intuições sobre o que rege os cara limpa de cinema, comecei a reunir elementos para formar uma grande amostra de filmes em que atores que sempre estão em cena com barba aparada há, no máximo, digamos, uma hora, uma hora e meia. Entendo que essa falta de realismo, essa falta de cuidado da parte dos iluminadores da cena ou do roteirista ou mesmo do próprio diretor, serve para diferenciar esse monte (nem todos) os personagens que têm barba sempre aparada, no estilo de Obama e de Ciro, e o resto da negadinha, inclusive cadáveres zero quilômetro, que têm a barba crescendo ao longo do tempo. Ao ver, como vejo repetidamente, esse atropelo às leis da natureza, coço a barba (em geral de dois a três dias) e expresso-me murmurando: la barbe.

DdAB

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