11 dezembro, 2021

Os Milagres da Mão

 



Esta postagem está levando jeito de enturmada nas magias do Natal. Já na linha das promessas de amor e paz para aquele momento dos brindes familiares, falando-se em juras de amor e calando-se nos propósitos de vingança. Ora, não foi George J. Stigler que falou que a família é aquele combinado de amor, conveniência e frustração? Foi.

E também foi que sempre ouvi falar no escritor italiano Giovanni Papini* e especificamente o livro "Gog". Pois na pandemia cheguei a ele, for the first time, e estou lendo-o. Já li o terço (epa, novamente insinuações de reza e votos de amor...) inicial, que muito me fez pensar. Trata-se de pseudo-crônicas/contos cheios de citações de cidades, situações, livros, autores, pintores, um mundo cheio de mundos. 

Pela aritmética, lendo uma página de cada vez, cheguei à 47. Nela, Papini fala, pela boca de Gog, em "Thormon, o soteriólogo". E o narrador (Gog) explica que soteriólogo é o pinta que estuda "a ciência das libertações". A propósito, o amigo de um amigo disse que tinha apenas duas libertações em vista para 2022: "da caña e da muié". Nada comentei, pois estava ocupado em baixar o nível de meu próprio copo da primeira.

Vencida a página 47, aquele rigor matemático levou-me à página 48, que cito verbatim:

[..] Muitos de nossos semelhantes sofrem a escravidão da fome e do trabalho, mas pelo menos são homens. Podem falar, amar e sobretudo possuem as mãos, estes instrumentos milagrosos que nenhuma máquina conseguirá suplantar.

Primeiro: amei ouvi-lo falar em "escravidão [...] do trabalho". Quem me lê amiudadamente sabe que odeio a expressão "gerar emprego e renda". Entendo que a sociedade gosta de renda e de lazer. E que o capitalismo dá renda e desemprego tecnológico. Esta ociosidade de homens, mas não de máquinas, deveria servir para reduzir a jornada de  trabalho da moçada. Mas tem mais.

Sua definição de "mãos" é das antigas. O livro é de 1931 e já se sabia da existência e possibilidade da produção de máquinas de calcular analógicas. No outro dia, na festa de aniversário de um amigo, a mãe dele levou para a mesa um bolo decorado com tantos confeitos que achei-me satisfeito ao olhar, mas rococós e outras florzinhas e rosáceas e o amigo exclamou: "estas florzinhas e rosáceas imitam a mão humana de forma inimitável." Ou seja, instrumento 1 x 0 mão.

Sou do time daqueles que consideram que, no futuro, todas as necessidades vitais do ser humano serão atendidas por máquinas. E hoje temos clara noção do que isto quex dizer, isto é, aquele x cujas demais letras e ele x foram sublinhados em vermelho, quer dizer, foi corrigido pelo cérebro da máquina que me permite escrever o que agora digito.

DdAB

* Não confundir com Giovanni Arpini, o cara do livro que referi aqui

P.S. Avancei mais um tanto no livro de Giovanni Papini, chegando a um capítulo intitulado "Visita a Lênin". Achei uma vergonha, uma irresponsabilidade apenas compartilhada por intelectuais de direita sem noção. Não tivesse Papini mudado do materialismo para o idealismo e, politicamente, chegando a apoiar o fascismo, eu até diria que aquilo era uma crítica sibilina aos detratores de Lênin.

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