07 abril, 2020

Um Trilhão de Árvores


O prof. Adalmir Marquetti e eu escrevemos um artigo diretamente pensando no blog da Faculdade. Pois dito e feito: o diretor daquele ambiente que formou a ambos os agora autores do site aquiesceu em publicar, como podemos ver clicando no link dado logo após o proêmio.

E agora o vemos duplicado aqui:

Proêmio do prof. Carlos Henrique Horn, o diretor
Do artigo "Um trilhão de árvores", do professor aposentado Duilio de Avila Berni, da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, em parceria com Adalmir Marquetti, docente na PUCRS:
"No presente estágio da vida planetária, a OMS está funcionando como um verdadeiro avatar do governo mundial, ainda que essa tendência à universalização já se perceba em experiências correntes, com a Interpol, o BIS (e a lavagem de dinheiro), a Comissão de Energia Nuclear, a ONU, a federação internacional das confederações nacionais de futebol, e outras iniciativas no campo esportivo, sem falar nas atividades ilegais."
Leia o texto completo: www.ufrgs.br/fce/um-trilhao-de-arvores.
Foto: Martin Sanchez/Unsplash






Um trilhão de árvores


Por Duilio de Avila Berni e Adalmir Marquetti, respectivamente, professor aposentado da FCE/UFRGS e professor da PUCRS
Em janeiro do ano corrente, os potentados mundiais presentes na reunião de Davos cogitaram de encaminhar a solução para os problemas ambientais planetários com a plantação de um trilhão de árvores. Projetos semelhantes ainda mais ousados falam em 1,2 trilhões. Não sabemos se esses dirigentes corroídos pelo vírus da crença no estado mínimo teriam estofo para falar num projeto desta envergadura, dadas suas enormes implicações sobre o emprego, ou seja, sobre a desigualdade econômica. Ainda assim, tal empreendimento mostra-se cada vez mais urgente e, nos dias que correm, corroídos que somos pelo vírus COVID-19, pode ser que a virada estrutural que leve o planeta para uma relação mais amigável com seu meio-ambiente, inclusive a fauna humana, esteja mesmo prestes a iniciar.
Há inúmeras questões econômicas que a agora fora de moda análise de custo-benefício deveria enfrentar. Mas, mesmo sem ela, podemos compulsar meia dúzia de cifras, a fim de dar uma ideia da enorme abrangência e determinadas consequências de tal empreitada. Obviamente a muda de cada árvore é uma teia de relações biológicas e, até mais importante, de trabalho social cristalizado nessa forma. Enorme quantidade de trabalhadores e de outros insumos serão requeridos para o sucesso, orientando o viés igualitarista do projeto, uma vez que o emprego é a variável chave da sociedade igualitária. Além do trabalho, o recurso mais evidente é o próprio solo onde as mudas serão plantadas. A fração do planeta a ser ocupada montará a qual cifra?
Para balizar a discussão, vamos considerar esses 1,2 trilhões referidos pelo Instituto Brasileiro de Florestas. Para responder a questão, precisamos saber qual a área que cada árvore vai ocupar. Ficando em nosso tradicional eucalipto, uma árvore adulta irá ocupar uma área de cerca de 20 m2. Se essa flora trilionária requeresse a mesma área, seriam utilizados 24 milhões de km2. Mesmo os maiores países do mundo, Rússia, China, Estados Unidos, Brasil, não dispõem individualmente de território para tal demanda. Em particular, seria necessária a área de quase três Brasis para dar conta dessa carga preciosa.
Há, entretanto, boas notícias no front, como é o da ocupação dos desertos, destacando o Saara, que tem 9 milhões de km2, caso seu lençol freático seja acessível. Maior que o Brasil, apenas ele já encaminha mais de um terço da questão. Então há saídas, haveria saídas mesmo sem usar as terras hoje ocupadas, descontadas as terras devolutas e outras frações que não são, mas deveriam ser ocupadas, como é o caso das matas ciliares. Além delas e do deserto do Saara, há outros mais distribuídos por outros locais, como o de Alegrete, da Ásia, da Austrália e dos Estados Unidos. No caso do Alegrete, fala-se em uma área deserta de cerca de 200ha. Esses 2km² dão uma contribuição importante, importantíssima, no nível dos afetos telúricos. Além dela, o Brasil tem boa contribuição a dar, inclusive refazendo a Floresta Amazônica, do mesmo jeito que a Alemanha refez a Floresta Negra depois da II Guerra Mundial e implementando projetos de recuperação-implantação da mata protetora de suas águas internas. De fato, talvez gastando boa parte desses 24 milhões de km2, destacamos a arborização da mata ciliar de todo o planeta, ao lado da consorciação com cultivos vegetais e animais.
Diz a professora Cristina Bonorino em fascinante defesa da Amazônia que:
As árvores da Floresta Amazônica funcionam como gêiseres. Elas retiram a água do solo e a transportam por seus finos capilares para as folhas, que a devolvem para o ar. Esse processo de vaporização cria um rio flutuante, que é maior que o próprio Rio Amazonas. Ele pode ser visto do espaço – são 20 bilhões de toneladas d’água. Seriam necessárias 50 mil Itaipus para gerar a energia capaz de realizar esse feito.
Multiplicando esses 20 bilhões de toneladas d’água pelo fator adequado, podemos imaginar o manancial que se distribuirá praticamente por todo o planeta. Com efeito, parece haver consequências impressionantes do plantio das 1,2 trilhões de espécies que deverão ocupar mais de quase cinco vezes a área da Amazônia, ou 200 bilhões de toneladas d’água. A mudança planetária poderá ocorrer num sentido muito mais benévolo que o hoje associado à defesa do estado mínimo. Esta visão de mundo, com efeito, vem sendo sepultada depois da rebelião epitomada pelo povo chileno e, especialmente, nos dias que correm, da ameaça do novo corona vírus (o Covid-19).
Dada a dimensão e implicações ciclópicas do projeto, a questão central diz respeito à origem dos recursos monetários para financiar toda a atividade. Felizmente, um projeto desse alcance pode ser implementado com tecnologias intensivas em mão-de-obra, aliás, uma consequência benévola para a transformação de um enorme estoque de trabalhadores precários em trabalhadores formais. Usando um coeficiente estimado de R$ 9.000 para o plantio e os cuidados pela mão-de-obra durante o primeiro ano, vão-se montes de recursos, em torno de R$ 21,6 trilhões de reais, uns 40% a mais que o PIB brasileiro medido em paridade do poder de compra.
Sorte que não é responsabilidade brasileira o financiamento exclusivo de todo o trilhão de árvores. Dada a magnitude do volume de recursos necessários a esse reflorestamento e a sua inevitável propriedade coletiva, chegou a hora da criação e implementação da chamada Taxa Tobin, digamos cinco por cento do PIB mundial, com as contribuições de estados nacionais e cobrança sobre as movimentações financeiras internacionais.
Parece mesmo que o mundo estava esperando amadurecer para poder implementar políticas tributárias associadas a outras que sejam geradoras de trabalho decente, voltadas a absorver os enormes excedentes populacionais detentores de escasso estoque de capital humano. Nesse projeto, obviamente, tem-se a oportunidade de adensar esse estoque por todos os rincões do planeta.
Dada a crescente possibilidade de novas pandemias, parece óbvio que pessoas levando vidas decentes terão mais saúde e educação, mais serviços de saúde pública e expansão das redes hospitalares. O planeta enfrenta, mais que nunca, a necessidade de ações voltadas à promoção da saúde cuidando da água potável, do saneamento, das favelas e outras moradias precárias, além de acabar com os maus tratos hoje dispensados a doentes e presidiários.
Na lapela do blog Planeta 23, assinado pelo primeiro autor deste artigo, lê-se que uma saída para o reaproveitamento ocupacional das massas de desvalidos distribuídas por todo o planeta e incrementar-lhes o conteúdo de capital humano, emerge de um programa de treinamento que contemple:
_1 três horas de ginástica por dia (para manter a coluna ereta),
_2 três horas de aula por dia (para manter a mente quieta) e
_3 três horas de trabalho comunitário por dia (para manter o coração tranquilo).
Uma pegada um tanto budista, admitimos, que tem a vantagem de oferecer um tipo de ocupação fadada a varrer o excedente de oferta de mão-de-obra em todos os segmentos do mercado de trabalho.
Esses empregos de expedientes de nove horas diárias claramente devem associar-se à instituição da renda básica universal, que tem recebido crescente adesão por alguns países. O Brasil, em 2004, criou a lei 10.835 instituindo-a, mas terríveis circunstâncias impediram-lhe a implementação. Uma vez que, como a verdadeira renda básica não se chama nem mesmo de bolsa família, é razoável pensarmos que as atividades produtivas, em particular, a plantação e os cuidados com a flora, requerem uma remuneração adicional, engajando os interessados num serviço municipal planetário.
No presente estágio da vida planetária, a OMS está funcionando como um verdadeiro avatar do governo mundial, ainda que essa tendência à universalização já se perceba em experiências correntes, com a Interpol, o BIS (e a lavagem de dinheiro), a Comissão de Energia Nuclear, a ONU, a federação internacional das confederações nacionais de futebol, e outras iniciativas no campo esportivo, sem falar nas atividades ilegais. Dando um mergulho mais frontal na economia normativa, devemos concluir expressando o sonho que faça essas iniciativas de universalização prosperar e também que uma social-democracia de novos contornos sepulte para sempre o pensamento defensor do estado mínimo.
DdAB
P.S. A foto foi recolhida por nós da ilustração feita pelos revisores da FCE lá no site a que endereçamos quem quiser ver o original.
P.S.S. (escrito em 31 de maio de 2023). Ouço que aquela cifra do trilhão de árvores nada mais faria que reparar o dano que o homem provocou na natureza.
Erratum: Naqueles dados "uns 40% a mais que o PIB brasileiro medido em poder de paridade de compra", leia-se "uns 140%...". Falha nossa...
Post Scriptum: Em torno de 10 de junho de 2023, estive patinando na esteira e, para entreter-me, liguei a TV na Netflix, iniciando a ver uma série sobre a baixaria terráquea, que ele não me ouça, narrada e talvez produzida por David Attenborough. A certa altura, ele diz que a humanidade (pobres famintos da África) já derrubou três trilhões de árvores. Segue-se logicamente que plantar aquele 1,2 trilhão é uma modesta reparação de danos.

3 comentários:

Iara Machado disse...

Joseph Beuys e os 7 mil carvalhos - Kassel, De

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Pois então, Iara!
DdAB

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Tirei da Wikipedia, seguindo a dica de Iara Machado:

"7.000 Carvalhos (1979) - Sete mil pedras foram espalhadas em Kassel durante uma documenta: para cada pedra retirada, Beuys determinou que seria plantado em seu lugar um carvalho, na esperança de que a ideia se espalharia para mais cidades."