28 novembro, 2018

Marcelo d'Salete e a Desigualdade

Querido diário:

Não tenho acompanhado a literatura de quadrinhos que, nesses anos todos, se tornou uma atividade literária séria. Neste filão foi que o jornal Zero Hora, na página 5 de seu "Segundo Caderno", vemos uma entrevista com Marcelo d'Salete, "ilustrador, professor, denhista e roteirista". O título da matéria já é estranho para o padrão do jornal: "O Brasil precisa lutar contra a desigualdade".

Transcrevo a última pergunta da entrevista feita por um jornalista (oslt) não identificado:

Pergunta:
O que pensa do atual momento político?

Resposta:
Estamos em um momento político bem delicado de crise realmente. É no mínimo um retrocesso. Ouvimos discursos machistas, sexistas, racistas sendo propagandeados durante a campanha à presidência. É inadmissível que esse tipo de fala aceito seja pela população. Fala que defende tortura, morte de presos, de que não deve haver oposição. Agora, penso que é um momento importante também para que a população organizada faça oposição. O Brasil precisa lutar contra a desigualdade, que é um mal, uma chaga, uma cicatriz que a gente ainda tem do período colonial e não foi resolvida. Continuamos governando para uma parcela pequena da sociedade. Tem que romper com esse ciclo. A população negra, indígena e pobre sobreviveu a processos de genocídio, de matança desenfreada, de uma violência desmedida e claro que mais uma vez mais mostrar sua força diante de pessoas que demonstram não estara minimamente interessadas ou preparadas para governar de fato ppara todos os brasileiros. É preciso resistir.

Comento:
Eu me senti recompensado por ter me interessado e lido toda a entrevista. Ele não mencionou o nome do candidato eleito para a presidência da república, mas revela sua preocupação e  revolta com o apoio às idéias autoritárias do eleito. Repito, para eu mesmo decorar estas apreciações:

.1 É inadmissível que esse tipo de fala aceito seja pela população.
.2 [Ele] fala que defende tortura, morte de presos, de que não deve haver oposição. 
.3 Agora, penso que é um momento importante também para que a população organizada faça oposição. 
.4 O Brasil precisa lutar contra a desigualdade, que é um mal, uma chaga, uma cicatriz que a gente ainda tem do período colonial e não foi resolvida.

Olha só que ele entende que realmente Bolsonaro foi eleito por uma parte da população que incorporou eleitoralmente essas atrocidades, nomeadamente, tortura, morte de presos, banimento da oposição. Quando lemos este tipo de retrato da realidade, ficamos realmente petrificados. O povo gosta de tortura? O povo gosta de morte de presos? O povo deseja um governo sem oposição? Ele, falando em negros e índios e seu genocídio ele está falando muito além da simples defesa da maioria da população do Brasil (negros e pardos já são mais da metade da população; não olhei os dados de descendentes de índios, mas bem sabemos que os pobres representam no mínimo 80%, talvez 90%).

Recentemente mais pesquisadores, no caso, a turma da Oxfam, diagnosticou e apavorou-se com o grau de desigualdade vigente no Brasil, ascendente nos últimos dois anos. Tem gente que não conhece estas peculiaridades deste gigante territorial e populacional, povoado por pigmeus de capital humano, conforme retratam aquelas "paradas de gigantes e anões". Tem gente que não entende que o verdadeiro problema da população é a desigualdade. Tem gente que votou num programa econômico de aprofundamento da concepção de estado mínimo.

Eu e Keynes temos claro que o emprego no setor privado acabou, desde 1930, em virtude do avanço da tecnologia poupadora de mão-de-obra. Ele previa uma era de prosperidade, em que o problema deixava de ser a escassez, mas a adaptação da população para a cultura do lazer. Se não haverá mais empregos para todos, cabe à dupla estado-comunidade criá-los, nem que sejam os fake jobs.

Mesmo que trabalhemos apenas uma ou duas horas por dia, o vínculo empregatício com o mercado-governo-comunidade é fundamental para a auto-estima, para a manutenção da forma física e psicológica do trabalhador, para sua disciplina (acordar cedo, vestir-se, etc.) e muitas outras vantagens que nem posso imaginar. Por outro lado, o que fazem os ricos já nos dias que correm? Não trabalham, mas dedicam seu tempo e disciplina para produzir ou consumir arte e praticar ou olhar esportes.

Quem não queria um mundo desses para todos?

DdAB
P.S. A imagem lá de cima é da capa de um livro de Joel Rufino dos Santos que li em meus tempos de estudante do hoje chamado ensino médio. Inebriado pelos eflúvios da peça de teatro Arena Conta Zumbi, vim a saber do livro e até hoje penso que a peça é baseada no livro. A capa que aqui exponho, se a memória não se desvaneceu, é diferente daquela que li.

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