11 janeiro, 2018

William Baumol (e a indústria e ainda myself)

Querido diário:

Um Pouco de História.
No dia 8 de julho, fiz 70 anos e, no dia, 8 de julho de 1986, li no jornal Zero Hora (sempre ela...) uma crônica de Luis Fernando Veríssimo falando na recente morte de Jorge Luis Borges (14 de junho) e de um grande instrumentista americano de jazz, cujo nome agora me foge. Disse o cronista que os dois eventos passaram despercebidos por causa da copa do mundo. Venceu a Argentina, 3x2 sobre a Alemanha, na cidade do México.

Pois no 5 de maio passado, falei novamente no aniversário do nascimento de Karl Marx, desta vez, comemorando o 199o [em outras palavras, no dia cinco de maio vindouro, o negão fará 200 anos]. Por vias estranhas, apenas no 12 de julho é que vim a saber que, um dia antes, ou seja, no 4 de maio de 2017, faleceu William Baumol (pron. Bomól).

William Jack Baumol
Pelo que andei lendo desde então, Baumol escreveu 30 livros e mais de 500 artigos em revistas técnicas. Amo-o e admiro-o, mesmo tendo lido não mais de 10 itens. E sempre destaquei e destacarei:

Primeiro:
Macroeconomics of Unbalanced Growth: The Anatomy of Urban Crisis. American Economic Review. V. 57 n. 3 (Jun. 1967) pp. 415-426.

Segundo: 
Entrepreneurship: Productive, Unproductive, and Destructive. Journal of Political Economy. V. 98 n. 5, Part 1 (Oct. 1990) p. 893-921.

E tem mais pilhas sobre produtividade, maximização das vendas, microeconomia e pesquisa operacional, contestabilidade, sabe-se lá que minha memória está escondendo, além do tal jazzista...

Só um gênio pode escrever com tanta simplicidade e humor. Naquele "macroeconomics of the urbgan crisis", um dos mais engajados e lindos de seus artigos, o argumento é de uma engrenagem perfeita:
.a a produtividade do trabalho cresce mais na produção de bens do que na dos serviços
.b  preços e produtividade variam inversamente.
.c logo o preço dos serviços caem menos que os dos bens industriais, implicando que os preços relativos deixam os serviços mais caros
.d tudo pronto para a piada: como é que os serviços podem ter sua produtividade do trabalho crescendo, se não é sensato transformarmos um quinteto de cordas em um quarteto?...

Aí veio o livro que não li e que já está na lista:

The Cost Disease: why computers get cheaper and health care doesn't, 2012. (Com associados).

Antes de ler, veio-me à cabeça aquela viajação que costumo fazer sobre o efeito excel. Como sabemos, o efeito excel dá conta do fato de que os porto-alegrenses geram valor adicionado na criação de cavalos, outros animais, pêssegos, laranjas e outra pilha de produtos agrícolas. Mas, olhando o PIB da cidade, vemos que a participação da agricultura no total é nula, ou 0,0% (mas, se fôssemos ao final da planilha, poderíamos ver algo como 0,0004%). Seja como for, a produção primária é negligível se comparada aos demais setores. E isto já dá um calor na preocupação com o estancamento da produtividade de um quinteto de cordas...

O Dinheiro
Uma teoria do crescimento econômico estritamente monetária diz que, uma vez que

M = PIB (equação quantitativa da moeda, quando o nível de preços é unitário e a velocidade de circulação da moeda também o é),

então o PIB aumentará sempre que o estoque de moeda M aumentar dentro de certos limites dados pela capacidade instalada na economia. Então esse aumento de M, esse delta-M, é colocado em disputa por parte dos produtores, fatores e instituições e seu grau de sucesso é que vai determinar os preços relativos.

O Crescimento Ilimitado
Mas haverá setores que não serão condenados ao efeito excel, pelo menos, não tão cedo, como 

.a a saúde e a luta pela vida eterna
.b os transportes e a luta por luas de mel nos anéis de Saturno.

Mas existe outro setor que pode levar-nos a pensar que o efeito excel tomará conta de tudo o mais. E isto seria visível na matriz de contabilidade social. Temos aqui uma delas:

Nesta matriz simplificada, temos o registro das contas das três grandes organizações econômicas: os produtores, os fatores de produção e as instituições. As linhas representam vendas ou entrada de recursos, por contraste às colunas que registram os débitos ou saídas de recursos. Deste modo, a célula c11 mostra o valor de 600, significando que os produtores vendem insumos intermediários nesse valor a si mesmos. Se a desdobrássemos, como fizemos na tabela que ilustra esta postagem, veríamos, por exemplo, que não são os mesmos produtores que vendem, mas, digamos, uma indústria é que vende refrigeradores para um hotel. Na confluência entre produtores (final da primeira linha, antes do total) com as instituições (última coluna, antes do total), vemos que os produtores vendem refrigeradores agora não mais a outros produtores mas diretamente aos consumidores finais, pois estes são reunidos sob o título de instituições.

Esta matriz também nos mostra nas células c13 (que recém examinamos), c21 e c32 as três óticas de cálculo do valor adicionado, portanto todas exibem o valor de 1.000. A célula 21 mostra venda dos fatores aos produtores, o que configura a ótica do produto do valor adicionado: os produtores pagaram os fatores precisamente para contribuírem à formação do PIB. A célula 32 mostra a ótica da renda, que é o aluguel que os fatores de produção -que os receberam dos produtores- remetem às instituições, que são suas proprietárias. Por fim, a ótica da despesa é vista na célula c13, e está informando como as instituições usam esse dinheiro que recebem de seus integrantes que o buscou no mercado de fatores de produção.

Números arbitrários criados por mim mesmo há algumas décadas, eles não mostram a hierarquia que considero será a derradeira e talvez até removendo a importância crucial que esta matriz tem nos dias de hoje. Na tabela que reproduzi, vemos que o valor adicionado (PIB = renda = despesa) de 1.000 é maior que o valor dos insumos intermediários de 600 (ou seja, as relações intersetoriais). Este, de sua parte, também é maior que os 200 que vemos na célula c33, que dá conta das relações interinstitucionais. Faltou-me inspiração para elevar aqueles 200, digamos, para 1.200, que é o que estou afirmando: estas transações é que se farão soberanas quantitativamente: as transferências interinstitucionais, dinheirinho que o pai dá ao filho, dinheiro que o governo dá aos aposentados, dinheiro que os ricaços dão ao governo na forma de imposto de renda.

A Composição do Infinito
E daí? Daí que naqueles tempos por vir, as finanças serão uma espécie de grande cassino, às vezes direcionando parte de seus ganhos ao lado real da economia. Na verdade, não podemos nem pensar que enormes soberanias do setor financeiro implicarão geração de muito valor adicionado ou muito emprego. Pelo jeito, os computadores farão tudo, tudinho. O que estou antecipando é que haverá estas enormes transações, turbinando (como dizem...) as transações interinstitucionais. Uma espécie de transformação do quinteto em uma orquestra.

Então entendo que as finanças crescem pois:

.a cada vez farão mais seguros, seguros de viagens espaciais, seguros de vidas longas, seguros de tudo, seguros de Kenneth Arrow designados por seguros generalizados, quando, por exemplo, eu farei um seguro para defender-me de algum processo que a negadinha que adora a indústria queira fazer para calar-me a boca. Seguros de falha de seguros, seguros de sucesso de seguros, tudo. Muito dinheiro. Criando pouca renda e pouco emprego, mas gerando enorme bem-estar, pois naquele mundo melífluo viveremos eternamente, viajaremos para seca-e-meca e não seremos abalados por qualquer contratempo.

.b gambling, ou seja, apostas (na bolsa de valores, apostas nos jogos de cricket, de futebol, de saber qual guri atravessará a rua antes do outro, jogo de poker e outros milhares de jogos e situações de futuro indeterminado). Isto também vai dar muito dinheiro e, como tal, muita transferência de rendimentos entre instituições.

Baumol previu que este tipo de sociedade estagnaria, depois reviu sua posição e entendeu que também o setor serviços gerará extraordinários ganhos de produtividade, como será o caso quando todos os serviços médicos forem prestados por robôs, quando nossas naves espaciais e escovas de dentes forem produzidas por impressoras em 3D, quando as sentenças judiciais (raras, pois os seguros generalizados cobrirão a maior parte das demandas) também forem prolatadas (hehehe) por robôs. Nesse momento, Porto Alegre seguirá produzindo pêssegos e cavalos, São Paulo -sei lá- seguirá produzindo automóveis Volkswagen, o mundo fará computadores, etc., etc., mas nada disto empanará o valor das transações da célula c33. Naquele dia, se persistirmos em querer alcançar a indústria de quarta geração antes de termos lançado bases sólidas para nossos esgotos, o que veremos será mesmo um país de pigmeus olhando para o alto, mas com os pés no barro...

DdAB

Nenhum comentário: