18 janeiro, 2018

A Volta do Conceito de "Alienado"


Querido diário:

Pensando nas eleições de 2018, fiquei imaginando o auê em torno da candidatura de Jair Bolsonaro à presidência da república. Pensei em muitos amigos e parentes que veem com simpatia tal projeto, tal projeto de poder, tal projeto de transformação da sociedade. Essa turma não está satisfeita com o que estamos presenciando. Mas insatisfeitos também estamos milhares de outros que nem queremos pensar em Bolsonaro e, a caro custo, pensamos em alternativas à esquerda do centro do espectro político. Aliás, novamente precisaríamos definir centro no Brasil/2018. Certamente Bolsonaro não é de centro.

Eu myself, quando penso nas candidaturas de Lula, Ciro Gomes, Fernando Haddad e Manuela d'Ávila, fico muito próximo àquela condição que me aproxima de meu copo de cachaça. E, depois do terceiro ou quarto copo, fico imaginando que precisamos mesmo é criar um novo partido político. Aliás o termo "novo" já caiu na malha-fina. Há anos pensei no "Partido Zero", cuja legenda será "Partir do Zero", um partido com a sensata proposição troskista de fazermos uma revolução e a tornarmos permanente.

Minha questão central neste mundo de preocupações com o futuro mais distante que meu horizonte de vida, fiquei a indagar-me o que leva um indivíduo a considerar com seriedade a possibilidade de sagrar como política de estado um programa de ação governamental que discrimine minorias ou que deseje subjugar maiorias? Então ocorreu-me o termo alienado: quem é alienado não está nem aí para as repercussões da candidatura de Bolsonaro nem sobre si nem sobre seus descendentes.

E como fazer uma revolução permanente nos dias que correm? Não vejo outra saída: ela estará ligada aos projetos de educação de adultos, valendo a legenda da lapela do blog:

.a três horas de ginástica por dia
.b três horas de trabalho social por dia
.c três horas de leitura por dia.

Pois nessas três horas de leitura, de educação continuada, a parte da filosofia contemplará um dos milhares de livros que já li ou lerei sobre o tema (lembra que me declaro especialista em 'introdução à filosofia'?). Pois não é que comecei a ler

LAW, Stephen (c.2011) Filosofia; guia ilustrado Zahar. Rio de Janeiro: Zahar.

Li um tantinho e cheguei numa grande e preciosa pérola na página 15:

[... As] crenças [filosóficas] podem ter grande impacto sobre nossas vidas diárias. Alguém que acredite que moralidade não é mais que uma preferência subjetiva pode acabar se comportando de modo muito diferente de alguém que considere que ser errado matar ou roubar é uma questão objetiva. Há também um aspecto filosófico em muitos debates morais e políticos contemporâneos. Questões sobre aborto, direito dos animais, guerra, liberdade de expressão têm todas uma importante dimensão filosófica.

Então consegui firmar algum princípio: alienado é quem não acha nada, mas também é quem não pensa nas consequências do que acha sobre

. a liberdade (não matar, em pena de morte, não reduzir a liberdade dos outros por meio do roubo)
. a origem de classe, gênero, raça, credo
. a desigualdade
. a justiça
. a moral e a ética

Naturalmente, aquelas três horas de aula por dia que considero fundamentais para a construção da sociedade ideal terão uma fração dedicada ao estudo da introdução à filosofia. Este livro do mr. Law certamente é uma peça fundamental, ainda que haja dezenas de outros. Na verdade, para quem possui apenas alguns rudimentos do estudo desta área e que desejam aprofundar-se, meu livro recomendado é

NAGEL, Thomas (2007) Uma breve introdução à Filosofia. São Paulo: Martins Fontes.

Os dois que seguem li-os o primeiro de trás para frente e o outro de frente para trás:

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires (2009) Filosofando; introdução à filosofia. 4ed. São Paulo: Moderna.

COTRIM, Gilberto e FERNANDES, Mirna (2010). Fundamentos de filosofia. São Paulo: Saraiva. [Saraiva? Saraivíssima, a mesma de nossos conhecidos livros de metodologia e técnicas de pesquisa e de teoria dos jogos].

E tem mais um que se encontra na estante de minha especialidade:

FEITOSA, Charles (2005) Explicando a filosofia com arte. Rio de Janeiro: Ediouro.

E quem não estuda filosofia introdutória pode evitar a alienação? Claro que pode, basta sentir compaixão pelos menos aquinhoados, solidariedade com o outro ser humano, bondade para com os animais. Pode-se ser, por exemplo, bondoso e tratar "hombres y perros" a coices? Ou pode-se praticar atos de bondade apenas no âmago da família? Já referi que meus amados Hargreaves-Heap e associados (no livro sobre teoria da escolha) dizem que os ladrões são bons em honra, mas péssimos em justiça. Em certo futuro, falarei mais sobre altruísmo e egoísmo. Ok?

DdAB
P.S. O sr. Law tem seu capítulo final denominado "Quem é Quem na Filosofia", muito interessante para orientar um plano de leitura para quem deseja se aprofundar (que não é meu caso, hehehe).

P.S.S. A linda (se bem a entendo) imagem que nos encima veio daqui: http://sitevolts.com.br/2017/11/15/dia-mundial-da-filosofia-com-programacao-especial-em-sao-luis/.

P.S.S.S. O site do El País (aqui) publicou este resumo opinativo do próprio Jair Bolsonaro:

Mas, quem é e quais são as opiniões de Jair Bolsonaro, esse homem que pode vir a governar o Brasil a partir de 1° de janeiro de 2019? Deixemos que ele mesmo exponha alguns tostões do seu pensamento.
Democracia
- “Se fosse eleito, não há a menor dúvida, daria golpe no mesmo dia. Já que é o presidente que manda, faz logo uma ditadura”. (23-05-1999 – Programa Câmera Aberta, TV Bandeirantes)
- “Através do voto, não vai se mudar nada neste país. Só vai mudar, infelizmente, quando nós partirmos para uma guerra civil. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil marginais”. (23-05-1999 – Programa Câmera Aberta, TV Bandeirantes)
Impostos
- “Bobos somos nós, que estamos pagando impostos. Inclusive, conselho meu, e eu faço: Eu sonego tudo o que for possível. Se eu puder não pagar imposto, eu não pago”. (23-05-1999 – Programa Câmera Aberta, TV Bandeirantes)
- “Quem hoje em dia e no passado nunca se indignou com a sua carga tributária? Hoje o povo, como um todo, só não sonega o que não pode. Eu, representando o povo, desabafei naquele momento isso”. (11/01/2018 – Folha de S. Paulo)
Mulheres
- “Tudo que as bichas têm a oferecer, as mulheres têm e é melhor”. (04-04-2011, Programa CQC, TV Bandeirantes)
- “Eu tenho pena do empresário no Brasil, porque é uma desgraça você ser patrão no nosso país, com tantos direitos trabalhistas. Entre um homem e uma mulher jovem, o que o empresário pensa? ‘Poxa, essa mulher tá com aliança no dedo, daqui a pouco engravida, seis meses de licença-maternidade...’ Quem que vai pagar a conta? O empregador. Quando ela voltar, vai ter mais um mês de férias, ou seja, ela trabalhou cinco meses em um ano. Por isso que o cara paga menos para a mulher!". (10-12-2014, Rádio Gaúcha / Zero Hora)
- “Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, aí no quinto eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”. (03-04-2017 – Clube Hebraica, Rio de Janeiro)
- “O dinheiro do auxílio-moradia eu usava para comer gente”. (11-01-2018, Folha de S. Paulo)
Afrodescendentes
- “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Acho que nem pra procriar ele serve mais”. (03-04-2017 – Clube Hebraica, Rio de Janeiro)
Cotas raciais
- “Sou contra as cotas raciais, porque todos nós somos iguais perante à lei. A Constituição diz que o acesso ao terceiro grau é pelo mérito. E não existe esse negócio de política afirmativa não. Quem usa cota, no meu entender, está assinando embaixo que é incompetente. Eu não entraria num avião pilotado por um cotista. Nem aceitaria ser operado por um médico cotista”. (04-04-2012 – Programa CQC, TV Bandeirantes)
Tortura
– “Eu sou favorável à tortura”. (23-05-1999 – Programa Câmera Aberta, TV Bandeirantes)
- “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra, o pavor de Dilma Rousseff (...) o meu voto é sim pelo impeachment” (17-04-2016 – Votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff. O coronel em questão é conhecido por ser um dos maiores torturadores da época da ditadura militar)
- “O erro da ditadura foi torturar e não matar”. (08-07-2016 - Programa Pânico, Rádio Jovem Pan FM)
Questão de gênero
- “P: Tem algum homossexual na família? R: Graças a Deus, não. Eu desconheço. Se tivesse, nem quero pensar”. (14-02-2000 - Isto é Gente)
- “P: O que pensa sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo? R: Eu sou contra. Não posso admitir abrir a porta do meu apartamento e topar com um casal gay se despedindo com beijo na boca, e meu filho assistindo a isso”. (14-02-2000 - Isto é Gente)
- “P: O que você faria se tivesse um filho gay? R: Isso nem passa pela minha cabeça, porque eu dei uma boa educação. Fui um pai presente, então não corro esse risco”. (04-04-2011 – Programa CQC, TV Bandeirantes)
Pena de morte
- “Eu sou favorável à pena de morte”. (14-02-2000 - Isto é Gente)
- “Acho que o fuzilamento é uma coisa até honrosa para certas pessoas”. (14-02-2000 - Isto é Gente)
Segurança pública
- “Eu acho que a polícia brasileira tinha que matar é mais. Violência se combate com violência”. (05-10-2015 – Vídeo)
- “Policial que não mata, não é policial”. (27-11-2017, O Globo)
Se for presidente
- “Se eu um dia tiver o mandato de presidente, o pessoal da Anistia Internacional não vai mais interferir na vida interna do nosso país”. (05-10-2015 - Vídeo)
- “Para ministro da Educação vai ser convidado um general que já tenha um comando de colégio militar ou um civil que queira realmente botar ordem na casa. Botar um ponto final na ideologia de gênero, na questão de doutrinação na escola”. (20-03-2017 – Programa The Noite, SBT)
- “Se eu chegar lá, não vai ter dinheiro pra ONG. Esses inúteis vão ter que trabalhar. No que depender de mim, todo cidadão vai ter uma arma de fogo dentro de casa. Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou quilombola”. (03-04-2017 – Clube Hebraica, Rio de Janeiro)
- “Colocaria vários militares nos ministérios. O militar, até pela sua formação, você dá uma ordem pra ele, ele cumpre ou retorna e diz porque não pode cumpri-la. A gente precisa de hierarquia e disciplina para alcançarmos a ordem e o progresso”. (10-06-2017 – Show Tube)


P.S.S.S. S. Nota das 9h41min de 11 de dezembro de 2019.
Quem saberia que o cara seria eleito presidente da república federativa do brasil com 57 milhões de votos de alienados. E, na realidade, uma fração expressiva desses alienados não é alienada: votou na direita por ter expectativas positivas quanto a alguns desatinos desse programa. Pode?

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