26 novembro, 2017
Um Seminário: falhas de mercado-estado-comunidade
Querido diário:
Aviso aos navegantes: o cerne desta postagem reside no conteúdo da figura que nos encima. 30 de junho de 2008, meu primeiro ano de "aposentado", ou seja, meu primeiro ano após minha saída da PUCRS. A rigor não era bem "aposentado", pois trabalhava furiosamente na organização-autoria do livro de contabilidade social. Ao magnificar a figura, veremos minha viajação naquele período. Segue-se a ela alguma coisa sobre o conteúdo do seminário propriamente dito, informação que postergo para outro dia.
DdAB
Notate bene: lá em cima escrevi "duilio de avila berni economista". Naquele tempo eu era, efetivamente, economista, pois pagava anuidade ao conselho regional de economia, uma vergonha. Agora, se me declarasse economista poderia ser preso, pois -quando me aposentei pelo INSS- alguns anos depois, perdi o registro e com ele perdi o direito de me declarar economista. Depois de peregrinar por alguns títulos, até mesmo o de doutor, passei a declarar-me "professor de economia política". Como sabemos, economia política é a arte de fazer postagens com este "marcador" aqui no blog.
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25 novembro, 2017
Tatiana Roque: a salvação
Duas entrevistas de Tatiana Roque
.1 Do jornal eletrônico El Pais - aqui. 8 de agosto de 2017.
.2 Do site IHU da Unisinos - aqui. 21 de agosto de 2017.
Exemplo:
O Bolsa Família foi muito criticado por uma esquerda que só acredita em políticas universais e que não reparou que essa política poderia mudar a configuração de poder na sociedade ao empoderar grupos menos favorecidos, como aconteceu de fato. Em muitos lugares isso, inclusive, estimula o desenvolvimento. Uma proposta que serve para recolocar o debate em relação a isso é a da renda universal. É uma das propostas mais interessantes capazes de reconfigurar essa discussão sobre direitos e garantias. Muita gente na esquerda diz que essa renda não seria desejável porque seria uma forma de diminuir as garantias constitucionais, os direitos da Previdência etc. Mas acho que é o contrário. É uma maneira de recolocar o debate a partir de outro patamar. Mas a esquerda tem certo problema de abraçar essa proposta porque permanece esse fetiche de que os direitos têm que estar associados ao emprego. Há uma insistência nesses projetos, inclusive na política econômica, que visam chegar ao pleno emprego... Mas fica cada vez mais claro que é impossível de se chegar a esse patamar na atualidade, em uma sociedade cada vez mais automatizada e baseada em serviços. Por isso é importante deslocar essa discussão para a renda, não insistir tanto sobre o emprego. Ou seja, pensar que as garantias sociais não necessariamente precisam estar associadas ao emprego formal, em um país onde a maioria dos trabalhos é informal.
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Economia Política
22 novembro, 2017
Segurança: repressão é prevenção...
Querido diário:
Meu grande medo é levar a que se pense que sou homem da repressão, enquanto que sou mesmo é devotado a fazer os elogios da prevenção. Mas não posso negar que anos atrás, quando Olívio Dutra foi candidato do PT a governador do Rio Grande do Sul, perdendo a eleição para Antonio Brito, sugeri a alguém de respeito que a plataforma de governo de Olívio oferecesse um milhão de empregos na Brigada Militar, a força pública do Rio Grande do Sul. Não lhe falaram, não ofereceu, não se elegeu. Quando, depois se elegeu, não lhe falaram, não criou empregos, não se reelegeu (teve a candidatura roubada por um oportunista, que não criou o milhão de empregos e não se elegeu).
Então vejamos o texto:
À noite passei montanhas de roupa até que acabassem os programas do rádio, o aparelho continuou a assobiar, o guarda passou rindo mela minha janela aberta e disse já é tarde Rahel.
Muita coisa a comentar. Primeiro: de onde vem esta sentença. Segundo, Rahel passava roupa. Terceiro, era de noite, era tempo em que se ouvia rádio transmitindo durante parte da noite, tempo em que rádios assobiavam quando nada havia de sinal para sobrepor-se à estática e seus ruídos entrópicos. Havia um guarda circulando entre as janelas. O guarda ria, talvez dos assobios do rádio sem programação, talvez do fato de que Rahel ainda estava de janela aberta, ou passando roupa, ou acordada. Rahel? Pois é, Rahel, sim.
Pois então. Se havia um guarda noturno, é certo que havia pelo menos um emprego de guarda noturno, um passo igualitário na vida do kibutz. Se por conjunturas sinuosas, contingentes, devidas ao aprêmio em que se vive no terceiro planeta de sol, um quibutsin andasse acolherando-se com amigos do alheio, ele teria duas possibilidades: segue roubando, ingressa no serviço noturno de vigilância. Seu emprego seria resolvido e ele passaria a ajudar a reprimir as investidas sobre o patrimônio alheio, inclusive sobre os que poderiam provocar algum sobressalto na vida noturna da irmã de Ilana.
O livro é "A Caixa-Preta", de Amós Oz, minha primeira leitura lá dele. Lerei mais, um intelectual judeu de respeito. Eu respeito intelectuais de vários matizes, mas um judeu de esquerda vivendo a vida contemporânea de Israel é algo que me interessa. Página 182, Companhia de Bolso. Preço conveniente para quem está acostumado aos preços relativos brasileiros, preços condenatórios de uma distribuição de renda escalafobética.
Esta internet! Olha aqui o que Rahel tem a ver. Eu bem que adivinhava: Raquel. E olha aqui mesmo Duilio.
DdAB
P.S. traço bibliográfico: escrevi aquele "aprêmio" ali em cima e o Google disse estar errado. Fui aos dicionários eletrônicos e também nada havia de registro. Então encarei o Aurelião de papel e tem algo como "premir", ou seja, minhas lembranças fizeram-me aludir aos apertos que vivem quem por aqui orbita.
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21 novembro, 2017
Consciência Negra: eu também
Querido diário:
Quando cheguei em Matto Grosso, com oito anos de idade, estudava na hoje chamada segunda série do ensino fundamental. E tinha um colega, vários colegas, sobressaindo-se, como disse, um colega que era negro. Seu nome era Valdomiro e as memórias aparecem como sendo ele um de meus amigos mais queridos. Depois disso, ao lado dele, depois dele, não lembro se havia mais negros ou se eu é que comecei a diluí-los, a branqueá-los. Na faculdade em que estudei economia, havia poucos negros. Que tenham sido dois ou três, se não exagero. No mestrado da UFRGS, não tive colegas negros, nenhum unzinho. Tanto é que, num daqueles espaços do cantinho do quadro negro, em uma aula ou de microeconomia ou de economia internacional, nosso professor David Garlow, americano bolsista da Fundação Ford (era?) falava das críticas que ouvia partindo de brasileiros sobre o racismo americano. Estufou o peito e disse não ter conhecido nenhum negro no seu período aqui no pós-graduação. Aquilo marcou-me: nenhum negro? Poucos na formatura da graduação, poucos, se tantos, nos cursos de ensino fundamental e médio. Poucos colegas de mesma hierarquia no banco, na repartição, nenhuma namorada negra, nenhum cunhado negro.
Sempre soube que vivo num enclave de "classe média" dentro de uma sociedade desabotinadamente desigual. Mas acrescentei a esta perda de inocência nova constatação. Entendi que estou a viver num enclave formado por brancos dentro de um mundo habitado por negros. Negros marginais a esse enclave, com poucos, parcos acessos. Aí vieram as quotas raciais. Nem pude pensar a respeito antes de aderir e aprová-las entusiasticamente, pois o prof. Adalmir Marquetti já foi cobrando sobre o número de negros, nossos colegas a lecionar no mestrado em economia em que trabalhávamos, ele e eu. Resposta: conjunto vazio. Achei que as quotas (infelizmente, não foram invenção brasileira, parece que aqui só se inventam novas maneiras de roubar, desde o cidadão eleitor ao cidadão econômico) iriam miscigenar os ambientes: na sala de aula, no restaurante, no avião a jato, na fila do SUS. Tem gente que acha que um programa desta natureza deve deixar bem claro o período de vigência do benefício. Eu também acho, só que considero desnecessário colocar na lei que a política de quotas não pode ser revogada por 1.000 anos.
Então, pois então. No caderno doc do jornal Zero Hora, página 21, dias 18 e 19 de novembro corrente, li um artigo de nova escritora. Júlia Dantas escreveu um artigo intitulado "O Privilégio e a Cor da Pele". Transcrevo frases e um final apoteótico:
[...]
Não posso imaginar o que é ser vítima de racismo nem o quanto fere uma expressão que reduz um ser humano a sua pele. Não escreveria sobre experiências que não tive, mas posso falar sobre o que é estar do outro lado da equação, o lado que pode se dar ao luxo de não pensar em racismo. É muito fácil ser branco e ainda mais fácil não pensar nisso.
[...] eu também já fui das pessoas que 'não veem cor'. Pensava que bastava enxergar e me relacionar de forma igual com qualquer um para fazer a minha parte na busca pela igualdade racial. Foi apenas na faculdade que entendi que 'não ver cor' também é um privilégio.
Porque o mundo sempre vê cor. Então os brancos que se importam -é certo que há aqueles que não dão a mínima- precisam aprender a enxergar. Temos que olhar quem é servido e quem serve quando entramos numa loja, um restaurante, um hotel; temos que olhar quem limpa e quem estuda dentro das universidades; temos que olhar quem nos filmes é protagonista e quem é melhor amigo; temos que olhar quem aparece como padrão de beleza e quem aparece como beleza exótica. E, para além de ver a injustiça sobre os negros, temos que aprender a olhar para nossos privilégios.
[...]
Então, antes de ir às redes sociais para dizer que 'nem todos os brancos são racistas', seria mais proveitoso tomar um tempo para pensar, como honestidade, em como todos os brancos são beneficiados por um país racista, queiram ou não.
E teve o Bispo Tutu que veio ao país da "democracia racial" e não demorou a ver o que a sra/srta. Júlia falou: só tinha negro de ascensorista, de garçom, de faxineiro, de manobrista. Pois eu também acho que, desta vez, consegui elaborar minha consciência do preconceito racial neste espaço em que circulo. E digo mais: com um baita dum "mutatis mutandis", tá valendo para pobres e ricos: como um branco de minha extração e inserção social beneficia-se de um país que trata pobre branco como se fosse... negro.
DdAB
P.S. Bem sei que a sociedade igualitária não é panaceia para todas as doenças, óbvio. Mas é evidente que a doença que me impede de ver que os pobres, a ralé, lá no dizer de Jessé Souza, é tão letal quanto a que me faz um privilegiado em face dos negros. Igualdade de oportunidades é a chave que só pode ser acionada com um universo de medidas igualitaristas: educação, saúde, moradia, esgoto, para todos.
P.S.S. a imagem lá de cima, que gracinha!, veio-me ao pedir o macartiano "ebony and ivory".
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14 novembro, 2017
A Frente do Brasil
Querido diário:
Antigamente muitas análises sobre a situação política, econômica, sanitária, cultural, esportiva, educacional, e por aí vai, do Brasil culminava com a frase: "É por isso que o Brasil não vai pra frente". Os militares, avassaladoramente, tomaram conta e inventaram aquela do "Brasil: ame-o ou deixe-o", em impecável tradução daquele "America: love it or leave it". Estavam ainda recalcados com a gozação da turma do Pasquim com o Roberto Campos sendo traduzido por Bob Fields e o próprio nome do país (República dos Estados Unidos do Brasil) convertido em Brasil dos Estados Unidos. Grosseiro como quê, este love-it-or-leave-it ainda tinha aquela viagem do "este é o país que vai pra frente". E claro a turma redarguiu dizendo que, à frente, havia o precipício.
Pois nos dias que correm, parece óbvio que podemos seguir exclamando "é por isso que o Brasil não vai pra frente". Também pudera. O que temos visto, o que temos ouvido, o que temos lido.
10 novembro, 2017
IstoÉrra
Querido diário:
Sabemos que leio o jornal Zero Herra e a revista Capital dos Carta com regularidade. O que não leio, aliás, fui assinante e há 20 anos deixei de fazê-lo, é a revista IstoÉ, por sua linha editorial de direita e de pornografia. Declarei-a morta. Mas hoje-ontem caiu-me às mãos o número 2.499, de 8 de novembro corrente, um -para mim- revival. Li um artigo do -para mim- também finado Bolívar Lamounier, páginas 22 e 23. O indigitado sociólogo usa o título "Raízes Históricas da Criminalidade" para uma arenga sobre a origem e males do descaramento brasileiro. Ao invés de reclamar da desigualdade referendada pela economia de empregos no sistema judiciário (policiais e juízes, ascensoristas e cozinheiros), ele incrimina o "narcotráfico", como observamos em suas frases finais:
[...] Polícias mal pagas, mal armadas e porosas à corrupção enfrentam os exércitos privados do narcotráfico. Armamento pesado e a droga entram facilmente por nossas fronteiras. E vivemos na ilusão de combater a oferta sem combater a procura. Não queremos entender que o consumo sem restrições perpetua o mercado que interessa ao crime organizado.
Um amontoado de lugares-comuns e um erro lógico: temos ilusão de combater a oferta ou combatemos a oferta? Temos, combatemos? Claro que eu não tenho nada a ver com isto, pois minha solução é a criação de muito mais emprego no sistema judiciário, ou reprimindo crimes (combatendo...) ou atraindo criminosos de chinelo sujo (contrastando com os de colarinho branco). E esta faceta de incriminar as vítimas, só mesmo partindo para puxar um fumo...
Mas isto seria suficiente para recriminar a revista IstoÉ, tachando-a de IstoÉrra? Pois temos erro gordo na colocação de crase numa notícia da página 25 que até me parece do bem (IstoÉrra fazendo o bem? só pode ser erro, hehehe):
TRANSPORTE
LA LA UBER
Inspirados em cena do filme "La La Land", motoristas do Uber manifestaram-se em São Paulo. Exigiam que parlamentares e governo os deixem ganhar a vida em paz, trabalhando. O Senado foi sensível à (sic) tal apelo e aos eventuais votos de 17 milhões de usuários: aboliu, entre outros pontos, a obrigatoriedade de autorização das prefeituras para os carros circularem.
Não é o fim-do-mundo? Não seria o começo depormos o vampiresco presidente e começarmos políticas públicas voltadas a coibir a desigualdade por meio de gasto social regressivo, tributação progressiva e pilhas de empregos nos setores produtores de bens públicos e de mérito?
DdAB
P.S.: Há um ano, escrevi o texto que segue no Facebook. Hoje ele, o algoritmo, ofereceu-me "a lembrança": Maníaco, serei maníaco? All of a sudden, como diria Frank Sinatra, veio-me à cabeça esta canção que eu associava ao Sinatra brasileiro, nomeadamente, Nelson Gonçalves ("dentre as manias que eu tenho, uma é gostar de você"). Por tudo isto, fiquei pensando em machismo: como é que amar uma mulher é mania? Mas fiquei surpreso ao dar-me conta de quem tem essas manias (de amar homem) é Dolores Duran.
P.S.S. e a imagem é de lá do Facebook mesmo.
Sabemos que leio o jornal Zero Herra e a revista Capital dos Carta com regularidade. O que não leio, aliás, fui assinante e há 20 anos deixei de fazê-lo, é a revista IstoÉ, por sua linha editorial de direita e de pornografia. Declarei-a morta. Mas hoje-ontem caiu-me às mãos o número 2.499, de 8 de novembro corrente, um -para mim- revival. Li um artigo do -para mim- também finado Bolívar Lamounier, páginas 22 e 23. O indigitado sociólogo usa o título "Raízes Históricas da Criminalidade" para uma arenga sobre a origem e males do descaramento brasileiro. Ao invés de reclamar da desigualdade referendada pela economia de empregos no sistema judiciário (policiais e juízes, ascensoristas e cozinheiros), ele incrimina o "narcotráfico", como observamos em suas frases finais:
[...] Polícias mal pagas, mal armadas e porosas à corrupção enfrentam os exércitos privados do narcotráfico. Armamento pesado e a droga entram facilmente por nossas fronteiras. E vivemos na ilusão de combater a oferta sem combater a procura. Não queremos entender que o consumo sem restrições perpetua o mercado que interessa ao crime organizado.
Um amontoado de lugares-comuns e um erro lógico: temos ilusão de combater a oferta ou combatemos a oferta? Temos, combatemos? Claro que eu não tenho nada a ver com isto, pois minha solução é a criação de muito mais emprego no sistema judiciário, ou reprimindo crimes (combatendo...) ou atraindo criminosos de chinelo sujo (contrastando com os de colarinho branco). E esta faceta de incriminar as vítimas, só mesmo partindo para puxar um fumo...
Mas isto seria suficiente para recriminar a revista IstoÉ, tachando-a de IstoÉrra? Pois temos erro gordo na colocação de crase numa notícia da página 25 que até me parece do bem (IstoÉrra fazendo o bem? só pode ser erro, hehehe):
TRANSPORTE
LA LA UBER
Inspirados em cena do filme "La La Land", motoristas do Uber manifestaram-se em São Paulo. Exigiam que parlamentares e governo os deixem ganhar a vida em paz, trabalhando. O Senado foi sensível à (sic) tal apelo e aos eventuais votos de 17 milhões de usuários: aboliu, entre outros pontos, a obrigatoriedade de autorização das prefeituras para os carros circularem.
Não é o fim-do-mundo? Não seria o começo depormos o vampiresco presidente e começarmos políticas públicas voltadas a coibir a desigualdade por meio de gasto social regressivo, tributação progressiva e pilhas de empregos nos setores produtores de bens públicos e de mérito?
DdAB
P.S.: Há um ano, escrevi o texto que segue no Facebook. Hoje ele, o algoritmo, ofereceu-me "a lembrança": Maníaco, serei maníaco? All of a sudden, como diria Frank Sinatra, veio-me à cabeça esta canção que eu associava ao Sinatra brasileiro, nomeadamente, Nelson Gonçalves ("dentre as manias que eu tenho, uma é gostar de você"). Por tudo isto, fiquei pensando em machismo: como é que amar uma mulher é mania? Mas fiquei surpreso ao dar-me conta de quem tem essas manias (de amar homem) é Dolores Duran.
P.S.S. e a imagem é de lá do Facebook mesmo.
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09 novembro, 2017
Previdência: um jornalismo de última
Querido diário:
Todos sabemos que, em 1964, havia em Porto Alegre um jornal chamado de "Última Hora", de extração esquerdista, ainda que com formato nanico (se a memória não trai). E que foi empastelado pelos esbirros da nascente ditadura militar de apoios políticos (DMAP). E que, não mais que poucos dias depois, foi "encampada" por empresários locais. E passou a chamar-se "Zero Hora", mantendo o formato nanico que vemos até os dias que correm.
E por quê, logo hoje, tacho-a "de última"? Três considerações contraditórias:
.a diz o jornal na p.22 do editorial: "As urnas deveriam punir quem joga para a torcida e adota a confortável e populista condição de negar o inegável: que o Brasil precisa se atualizar em termos previdenciários." Parece óbvio que deveria mesmo, inclusive contemplando recursos para garantir a entrada tardia dos jovens no mercado de trabalho (bolsas de estudos, por exemplo) e a saída precoce (promoção de ano sabático, aposentadoria). E muito mais coisas para dar-lhe à reforma um caráter de modernidade e lutar de alguma forma contra aquele índice de Gini da concentração da renda de mais de 0,5, que não dá no jeito de baixar substantivamente. A sociedade é desigual e um governo inflado por sabe-se lá que íncubo não quer mudar. O mundo mudou e o trabalho não é mais aquela brastemp. Sem trabalho, não há produção, lógico. Mas com o trabalho de alguns força-se o desemprego de muitos. Não há saída: a economia de mão-de-obra é o mais admirável traço do capitalismo, contrastando com sua incompetência distributiva. Esta é apoiada, adivinha por quem?, por Zero Herra.
.b na página 23, na coluna "RBS Brasília", a responsável interina pelo espaço, nomeadamente, Silvana Pires, tem na primeira nota o título "Recolocar a reforma nos trilhos", evocando, lá para o fim da nota, dizeres do sr. (Fora Temer), ao assumir o cargo da presidenta Dilma. Fala-se na tentativa de reduzir o escopo da reforma proposta por esse cara e seus asseclas. Mas não se fala naquelas questões que referi. Não lhes observamos coragem para falar seriamente em reforma da previdência, em dar uma resposta com um mínimo de decência para os problemas de emprego e desigualdade vividos pelo Brasil de que sou testemunha há mais de 50 anos. Há uns 20, caiu-me a ficha de que estamos mesmo condenados ao subdesenvolvimento. Também pudera, com estas elites e com nossa incapacidade de angariar votos para deputados e executivistas que nos liberem a implementação de programas igualitaristas.
.c mas, na página 12, a primeira matéria da coluna de Rosane de Oliveira, intitulada "O que emperra a reforma da previdência", estupefatos, lemos:
[...]
Soa como piada falar em combate aos privilégios quando os afetados serão os trabalhadores do setor privado, que majoritariamente se aposentam com o salário mínimo. Pouquíssimos conseguem alcançar o teto de cerca de R$ 5 mil. Proporcionalmente, o grande rombo da previdência está no setor público, que terá regras iguais, mas a proposta de reforma já nasceu com exceções que minam a credibilidade. Os militares, por exemplo.
Em resumo, a reforma proposta pelo governo e apoiada pelo jornal é um arremedo e a colunista, embora tenha acertado o prego, caprichou mesmo foi na ferradura, pois invoca o exemplo dos militares, mas não fala no estamento em geral: políticos, juízes, policiais de alto coturno.
DdAB
P.S. Ouvi dizer que a criança da foto lá de cima está providenciando sua carteira do trabalho, a fim de alcançar o sonho do primeiro emprego. Se não é loiro de olho azul, é um privilegiado de mesmo porte.
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02 novembro, 2017
Evolução do Conceito de Valor Adicionado
Querido diário:
De que conceito estamos falando? Essencialmente do conceito de valor adicionado. E que é valor adicionado? É o que resulta do esforço produtivo de uma sociedade em determinado período, ou seja, o que a sociedade acrescentou a uma constelação de recursos já existentes no período anterior ao que estamos nos referindo. E que recursos pré-existentes seriam esses? Sementes, máquinas, equipamentos, prédios e instalações.
Então podemos dizer numa equação aquilo que descrevemos no parágrafo anterior:
VAdic = f(Sementes, máquinas, equipamentos, prédios, instalações, vetor)
e agora acrescentamos o recurso "vetor", para dizer que há outra lista de recursos que não fomos capazes de identificar no presente momento, por razões de ignorância pura, enfado, etc. Tal é o caso de combustíveis, ou incomensurabilidade. Ou
VA = f(S, m, E, P, I, V)
fica um tanto mais reduzido, mas mais apavorante para uma turminha. Mas as variáveis S, m, E, P, I e V estão todas encapsuladas pelo valor da produção, em cujo bojo também podemos contemplar os salários, os lucros, os impostos. Ou, na economia simples, pela diferença entre a colheita e as sementes, algo assim. E escrevemos:
VA = g(VP)
Mas VP, por conter M, E, P, I e V, deixou em aberto o principal elemento, sem o qual as sementes não saem dos sacos, as máquinas permanecem desligadas. Ou seja, aqueles salários anteriormente listados são absolutamente fundamentais para coordenar e motivar os trabalhadores a alugarem sua capacidade de trabalho.
(ou seja, a medição feita por suas três óticas de cálculo, nomeadamente, produto P, renda Y e despesa D).
Em 31 de março de 1988, escrevi em meu diário:
Quem
organiza o mundo não podem ser os trabalhadores e sim os moradores.
Neste caso, o valor adicionado não é uma conquista metafísica dos trabalhadores, mas uma realização concreta dos moradores (trabalhadores, cônjuges, filhos, parentes aquartelados, achegos, visitantes).
Em 2006 fiz um artigo para a revista do departamento de economia da UFSC falando que a luta de classes deve ser substituída pela luta entre instituições.
Neste outro caso, eu me referia ao bloco B33 (das transferências interinstitucionais colocadas em evidência pela matriz de contabilidade social), que tende a superar em magnitude tanto as transações interindustriais quanto o valor adicionado (P = Y = D).
Depois fiz a correlação entre renda per capita e população, dando um r^2 = 0,6 na postagem de 23.nov.2012
O princípio de tudo é a constatação de que
M * V = P * Q ou = P * Y (a renda, isto é, para nós, Q = Y)
Esta equação informa que, quando V = P = 1, então M = Q = Y, ou seja, o valor gerado na sociedade em uma unidade de tempo é precisamente o montante monetário (um um múltiplo que capture também o escambo, o trabalho doméstico, e outros fenômenos cuja participação (proporção) no todo não varia substantivamente entre períodos.
Moral da história: costumo dizer que o valor da produção é uma função do trabalho (VP = f[Emprego]), mas o valor adicionado é uma função do valor da produção (VA = g[VP)]) e, assim, apenas indiretamente é uma função do emprego, isto é, do trabalho socialmente necessário. E que ganhamos com a eliminação dessa transitividade do valor da produção sobre o emprego para chegar no valor adicionado? Ganhamos que torna-se mais claro que o valor adicionado é uma função da sociedade, mensurada, como o fiz, pelo tamanho da população.
E quais as consequências normativas deste tipo de raciocínio? Essencialmente aquelas capturadas pelo conceito de sociedade justa criado por David Harvey: todos terão direito a uma fração do excedente gerado em determinado período, independentemente de tê-lo produzido (produzido no sentido da função de produção que diz que VP = f(Emprego)).
DdAB
Em setembro de 2017, a partir do site da Revista Circus, vim a conhecer a Modern Monetary Theory. que me parece suficientemente interessante a ponto de requerer further investigation. Pelo que li até agora, intuo que ela, aquerenciada ao keynesianismo, dá papel proeminente para a oferta monetária, nosso M,
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