07 junho, 2015
É Domingo: cai a ficha da reforma agrária
Querido diário:
Não me é frequente neste blog o tema da reforma agrária, a exemplo daqui. Obviamente não sou alheio ao tema e, nas tentativas que faço de pensar nas consequência da elevação do grau de racionalidade de toda a sociedade, imagino o que teria sido do Brasil se a estrutura agrária não mimetizasse a irracionalidade observada no comportamento quase unânime da turma, da turba, da população, dos vassalos e suseranos, dos burgueses e proletários.
E que ficha me caiu? Foi a ficha depositada em meu mundo mental pelo artigo deste domingo do caderno PrOA de Zero Hora, página 11. O autor é Ruben George Oliven, respeitado antropólogo da cidade. E de quem ouvi falar no ano de 1970, algo assim, elogiado por seu colega de faculdade (na realidade, a faculdade de economia que, na ocasião, eu lutava para vencer) Edson Quintella Martins. E o título do artigo de Oliven é "Eu quero uma casa no campo". Claro que cita, como refere, a canção de Zé Rodrix e Tavito. Em especial, destaco o desencadeante da derrubada da ficha:
O fato de o Brasil ter sido durante a maior parte de sua história um país com população rural foi responsável pela ideia de que tínhamos uma vocação agrária e que nosso temperamento fora moldado no campo. Mas, a partir dos anos 1950, quando a grande meta nacional era superar o subdesenvolvimento, o campo passou a ser visto como símbolo de atraso. Não só era um lugar de pouco progresso tecnológico, mas o modo de dominação era patriarcal e baseado em grandes latifúndios, muitas vezes pouco produtivos.
E a ficha? Ele fala em superação do subdesenvolvimento. E digo eu que a turma cepalina meteu na parada a ideia de que o governo deveria incentivar a industrialização. Invocaram as razões de que venho falando há dias e seguirei assim, aquelas oito. E o governo incentivou mesmo, provocando distorções de corar escultura de ferro batido. E o governo aproveitou e meteu uma estrutura tributária, especialmente a da reforma de 1967, em que avança sobre uma fatia substantiva do PIB (nada que se compare àqueles despautérios do IBPT - Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, como refiro em 25/maio/2010 aqui, 12/jun/2012 aqui e 18/out/2013 aqui).
E a ficha? A palavra chave é latifúndio. Ao invés da política industrial louvada por toda turma, inclusive meus professores daquela faculdade de economia que referi diagonalmente acima e, aluno atento, eu próprio. Parecia óbvio, a relação dos preços de intercâmbio, o dinamismo, os linkages, os modelos dos países capitalistas avançados (desprezando-se as exceções, dando-se pouca atenção às idiossincrasias lá deles/PCA e sobretudo aquele fato citado lá no começo do artigo de Olivem: apenas em 1970 foi que a população urbana ultrapassou numericamente a população rural), tudo apontava para a importância de se meter o dinheiro público, o crédito, o subsídio, na promoção da indústria. E da indústria que eles decidiram arbitrariamente (a primeira matriz de insumo-produto do Brasil é de 1967, do holandês Willy van Rijckeghen). E entraram as multinacionais, e entraram os bens de consumo durável, aquelas coisas. E a população rural sendo expulsa do campo, mostrando-se redundante nos latifúndios e mesmo no minifúndio, claro.
Então qual foi a ficha que caiu ao ler Ruben Oliven? Foi que aquele delírio industrializante surgiu precisamente como um subterfúgio, um desvio, um disfarce destinado a desviar a atenção do problema agrário, da estrutura agrária, da falta de treinamento da população. Da hierarquia das "necessidades urbanas" pelo automóvel serem mais importantes que as "necessidades rurais" pelo trator.
A ficha, em resumo, é que eu nunca pensara que a insistência de governantes e seus arautos na industrialização nada mais é que um subterfúgio para evadir a questão da propriedade, da propriedade rural.
DdAB
A imagem é daqui. E a que segue é daqui.
P.S. Olha os linkages de tratar bem o sr. Jeca Tatu, dando-lhe o afamado Biotônico Fontoura: indústria da madeira (moirões e parede do alpendre), indústria do mobiliário (cadeira da sra. Tatu), indústria metalúrgica (aquela mão-francesa no alto do alpendre, a/s agulha/s do tricô), indústria têxtil e vestuário (roupas do garoto, do Jeca e da esposa), indústria do calçado (sapatos humanos, galináceos e porcinos). Mais alguma? Tem telha? É minerais não-metálicos. Tem banheiro? Mais. Tem refrigerador, televisão colorida? Tem na favela urbana.
P.S.S. (aposto em 26/dez/2018) E tem uma coisa que ainda não sei se falei no blog, mas pelo menos nesta postagem poderia ter sido referido: já naquele longínquo 1950, os serviços já representavam mais da metade da renda. Isto quer dizer que, se o governo tivesse gasto, digamos, em educação, saúde, segurança, hoje teríamos uma economia mais de 100 vezes maior do que a atual, se tivéssemos crescido à taxa de 1,0712% ao ano. Milagre chinês, japonês e coreano, tudo junto incluído. E, de quebra, com aquele trio ou apenas com o duo educação e saúde, o crescimento demográfico teria estancado pari passu à urbanização. Quer dizer, reforma agrária (por razões sociais) e serviços (por razões também sociais, mas principalmente econômicas).
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