28 fevereiro, 2015

A Água, o Governo e a Época


Querido diário:

Todos sabem que duvido existir pessoa mais contra o governo que eu. Por isso mesmo tive sofrimentos terríveis ao decidir, nas últimas eleições, votar em ladrões de esquerda, em prejuízo do voto aos ladrões de direita. Como pode alguém ser contra o governo? Fala-se hoje em apoiarmos o piloto do avião. Mas como pode alguém deixar de comover-se com a quantidade escandalosa de -claro- escândalos de corrupção e aparelhamento da máquina pública para criar benesses a apaniguados e outro tipo de oportunistas.

E daí? Daí é que ainda tem mais. Talvez eu tenha cometido algum crime literário de vulto em alguma reencarnação anterior que fui condenado na atual a ler sistematicamente dois veículos que reputo da mais alta baixa qualidade, a Zero Herra e a Capital dos Carta. Mas nem só deste tipo de expiação vivo eu na presente quadratura planetária. Em pleno aeroporto de Guarulhos (parece-me que agora foi batizado de Airton Senna, Edson Arantes, um troço destes), adquiri por R$ 11,90 (carga tributária federal aproximada de 4,65%, cifra que tem a relevância conceitual e empírica do zero que antecede o 4: 04,65%) a revista Época. Esperava estar reduzindo as penas a que fui condenado na atual reencarnação, mas que esperança!

Li daqui e dali com algum proveito e outro tanto de indignação. "Intrinsecamente reacionária", condenei. E a prova cabal da ma fé, como aquele negócio entre parênteses acima que fala em um número esdrúxulo para os impostos federais omitindo pagamentos vários a impostos estaduais e municipais, fora as verbas de suborno das autoridades adequadas a cada caso, é o noticiário sobre a falta dágua em São Paulo.

O ápice do destrambelho apareceu nas páginas 68-69, com o prosseguimento da matéria "Vidas Secas", em que nem mesmo Baleia foi inocentada. A matéria indicia-se como "A culpa é do governo" e segue com "A administração pública tem mais responsabilidade na crise da água que a falta de chuva, de acordo com um levantamento de opinião do Reclame Aqui. ~~~ O Reclame Aqui fez o levantamento a pedido da revista, que encarrega-se de dizer que "Mais de 20 mil pessoas responderam às questões, a maioria moradores do Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ele não tem rigor estatístico para representar fielmente a opinião dessas populações."

Então pensei:

.a. deixaram de entrevistar 199.980.000 pessoas, mais ou menos

.b. o governo que deveria cuidar da água em São Paulo deveria ser o local, o estadual, a Sabesp. Em outras palavras, os ladrões estaduais não foram devidamente diferenciados dos ladrões nacionais. Parece-me -crime de opinião não gera reencarnação- que esta é uma abordagem direitosa encarregada de levar-nos a pensar nos ladrões federais juntamente com São Pedro e as rezadeiras como co-responsáveis pela incúria na administração local.

Isto não é nada, se compararmos com o Juiz Alexandre, de quem falei ontem. E esqueci que o carro dirigido pelo magistrado era um Porsche. E no caso da água outro juiz deu ganho de causa ao advogado de 50 anos intitulado Marco Antonio Silva que requereu o direito de "tomar banho e lavar a roupa à noite". E o juiz No Name "decretou a tutela antecipada, determinando que a empresa [Sabesp] não cortasse a água da minha residência, a equipe técnica veio instalar um aparelho em meu hidrômetro."

Se os 19.999.999 moradores da região contratarem o causídico a um pila por cada, ele já estará rico, se é que ainda não ficou com este tipo de ideia tão contrário ao conceito de orçamento universal. Mas nem critico o causídico que, com esses R$ 20 milhões (arredondamento pela ABNT) poderia lixar-se em outras freguesias, mas o juiz, um verdadeiro sucedâneo do Alexandre de Tal.

Eu nunca tinha pensado em justiça de esquerda ou de direita, mas o Alexandre e este outro não podem ser de esquerda, sob pena de eu ter que reencarnar novamente, a fim de entender.

DdAB
Imagem: aqui.

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