Querido diário:
Tudo começou com
Stately, plump Buck Mulligan came from the stairhead, bearing a bowl of lather on which a mirror and a razor lay crossed.
Já sabemos o que é, não é mesmo? Para lembrar, Adalberto Alves Maia Neto (
aqui) traduziu como:
Majestoso, o gorducho Buck Mulligan veio do alto da escada carregando uma tigela de espuma, na qual repousavam cruzados um espelho e uma navalha.
Como podemos facilmente deduzir das obras de certos comentadores das predições de Montezuma, existem três traduções em espanhol. Nesta cidade do México de 20 milhões de habitantes (ver Drummond sobre dois milhões de habitantes
aqui), é certo que tenho entre as mãos uma das três (
aqui). Naquela Wikipedia em espanhol que consultei, fala-se em José Salas Subirat, com uma tradução de 1945, em José María Valverde e a tradução publicada em 1976 e finalmente na dupla Francisco García Tortosa y Mª Luisa Venegas Lagüéns, que concluíram o trabalho em 1999.
Aqui
en la ciudad de Mexico, adquiri a -agora sei- primeira tradução feita em 1945, ou seja, dois anos antes de meu próprio nascimento. Como não sou bibliófilo (ou, se o sou, não sou endinheirado), o que adquiri mesmo foi, dando formatação acadêmica,
JOYCE, James (2008) Ulises. Mexico: Tomo. (na verdade, "Grupo Editorial Tomo, S. A de C. V."). 1a. edición, noviembre 2008. Tradução de J. Salas Subirat
Encrenca da grossa: também três traduções em espanhol. Este 2008 do Ulisses deste José Salas Subirat (aquele "J" era de José, segundo a Wikipedia, verbete citado) tem na própria página sinalética um copyright de 1998, em nome de NEED e um "Del Barco Centenera 1193. Acho que não foi uma tradução medieval, mas só poderei opinar depois de ler, o que já comecei. Primeiro resumo: há três traduções em português, mais a de Adalberto Alves Maia Neto (que se ateve à primeira sentença). E também há três traduções em espanhol. Diz a Wikipedia que a melhor é a mais atual. Digo eu: a sinalética do livro que adquiri é esquelética, pois nada refere a qual das edições do original joyceano foi usada.
Pois então, a tradução feita pelo argentino José Salas Subirat (
aqui) rola, na edição mexicana, como:
Imponente, el rolizo Buck Mulligan apareció en lo alto de la escalera, con una bacia desbordante de espuma, sobre la qual traía, cruzados, un espejo y una navaja.
O resto da turma fizera (
aqui):
Houaiss:
Sobranceiro, fornido, Buck Mulligan vinha do alto da escada, com um vaso de barbear, sobre o qual se cruzavam um espelho e uma navalha.
Bernardina:
Majestoso, o gorducho Buck Mulligan apareceu no topo da escada, trazendo na mão uma tigela com espuma sobre a qual repousavam, cruzados, um espelho e uma navalha de barba.
Penguin:
Solene, o roliço Buck Mulligan surgiu no alto da escada, portando uma vasilha de espuma em que cruzados repousavam espelho e navalha.
Google (do inglês):
Imponente, o gordo Buck Mulligan vinha do stairhead, tendo uma tigela de espuma em que um espelho e uma navalha estava atravessada.
Google (do espanhol, naturalmente desclassificada por falta de piso):
Awe, o Rolizo Buck Mulligan apareceu no topo da escada, espuma transbordando não mobilado no quali trouxe cruzados, um espelho e uma navalha.
Aquele "awe" ali poderia estar indicando que Chico Xavier ou James Joyce estariam sugerindo que metêssemos "destemido". Não o fiz, pois
no creo en brujas (mas creio no poema de Drummond sobre demografia...).
Talvez aquele "imponente" da tradução argentina e o profundo amor que devoto a essa cultura meridional tenham dado motivação para eu intentar minha própria tradução:
Imponente, o gordacho Buck Mulligan pintou no alto da escada com uma tigela de barba cheia de espuma, mas não ao ponto de esconder o aparelho de gilete cruzado sobre um espelhinho.
DdAB
P.S. com quatro horas de diferença de fuso horário, postei este negócio ainda no domingo! E o registro da postagem no Google deixa-se ler como
http://19duilio47.blogspot.mx/.
P.S.S.: a imagem veio da Wikipedia
daqui.
P.S.S.S.: e o poema "A Bruxa" de Carlos Drummond de Andrade está aqui, com a fonte lá de cima:
A BRUXA
A Emil Farhat
Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto,
estou sozinho na América.
Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
anunciou vida ao meu lado.
Certo não é vida humana,
mas é vida. E sinto a bruxa
presa na zona de luz.
De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto…
Precisava de um amigo,
desses calados, distantes,
que lêem verso de Horácio
mas secretamente influem
na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
e a essa hora tardia
como procurar amigo?
E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
que entrasse neste minuto,
recebesse este carinho,
salvasse do aniquilamento
um minuto e um carinho loucos
que tenho para oferecer.
Em dois milhões de habitantes,
quantas mulheres prováveis
interrogam-se no espelho
medindo o tempo perdido
até que venha a manhã
trazer leite, jornal e clama.
Porém a essa hora vazia
como descobrir mulher?
Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
conheço vozes de bichos,
sei os beijos mais violentos,
viajei, briguei, aprendi.
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras.
Mas se tento comunicar-me
o que há é apenas a noite
e uma espantosa solidão.
Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
querendo romper a noite
não é simplesmente a bruxa.
É antes a confidência
exalando-se de um homem.