No outro dia, meu sobrinho, o futuro doutor Arthur Abegg, problematizou de modo interessante a lei de Murphy. O assunto começou quando lhe relatei um experimento de teste que vi na TV. A Universidade de Warwick (em Coventry) é famosa pela especialização em matemática. E talvez também seja hiper-desejosa de ser aclamada como tal. Isso explicaria a razão que os levou a fazer um teste da lei de Murphy que me pareceu muito criativo.
A proposição mais usual para ilustrar a abrangência e validade da lei é
"se o pão com manteiga deitar-se ao chão, é certo que a manteiga ficará do lado de baixo".
Pois foram selecionados 100 estudantes de matemática (e imagino também ciências afins) e postados ao longo dois lados de uma mesa. Cada estudante controlava uma fatia de pão com manteiga. Ao sinal do professor-chefe-do-experimento, todos fizeram tombar suas fatias de pão. A expectativa era que, se 50% caíssem com a manteiga para baixo, o teste seria inconclusivo, pois os outros 50% estariam caindo com a manteiga para cima. A fim de não desqualificar o teste da lei, é conveniente termos em mente o que é uma variação puramente aleatória: se fosse 51-49 ou 52-48, mas não 79-21, por exemplo, ainda assim a lei seria declarada como tendo resultado inconclusivo, pois poderia ter sido apenas a sorte/azar que fez aquele quinquagésima fatia de pão inclinar-se para o lado "errado", mas, na última hora, cair para o lado "certo". Mas, para saber se a conclusão do experimento é válida, podemos usar distribuição de probabilidade qui-quadrado e testar se tudo está nos conformes. Pode ser que, digamos, 58-42 dê validade à lei ou a seu descarte, como suporte estatístico superando a variação aleatória.
No caso da turma de Warwick, o teste deu inconclusivo, ou seja, nem aceitou nem rejeitou a lei de Murphy. Então entrou na história o Arthur. Agora não se tratava mais de testar se cai mais manteiga para baixo ou para cima, mas de testar o poder preditivo da própria lei de Murphy. Então qual é o teste? A lei funciona ou não funciona? Aí é que entra a encrenca: se é para funcionar, então o teste de sua validade deve falhar, mas -se falhar- então a lei deveria estar prevendo o acerto, o que iria levar-nos a dizer que a lei falhou, caso em que ela estaria prevendo o que deveria, ad nauseam. E, se prevê o contrário do contrário do contrário do que esperamos, ou seja, a lei funciona, talvez o que estejamos testemunhando é apenas o "espírito de porco" da lei, que deveria fracassar no teste.
Com isto, também temos um problema para a aceitação pacífica dos testes de Karl Popper no sentido de validarmos como científicas apenas as teorias que não podem ser falsificadas. Mas, no caso, o que teríamos seria a aceitação ou recusa da lei. Não podendo fazê-lo, Popper recomenda dizermos que a lei de Murphy não estaria escudada em uma teoria científica.
DdAB
8 comentários:
eu lá na minha ignorância, cá estou a ousar-me, pois sempre li de forma distinta o ex-comunista Popper, em tal caso, o meu, só é válido, para o também filosofo da ciência, Popper, como cientifico algo que pode ser refutado, onde estou errado? Um abraço e feliz páscoa,s.
Pois, gentil e bailante filósofo (em sua identidade secreta?), admito alguma tibieza na redação de tão árido, porém divertido tema. Se é verdade que uma teoria científica é apenas a que pode ser falseada (refutada), como testar se a estamos refutando, se o que teremos como resultado do teste será o oposto do oposto do oposto do que seria esperado? Talvez o conceito de equilíbrio de Nash nos auxiliasse a vencer essa regressão infinita. Mas ainda não me ocorreu como formular.
DdAB
P.S. Fiquei bailando com o registro de que Karl Popper foi comunista.
a refutação, por certo, não será definitiva, espero, mas o que abre a possibilidade de ser refutada, sim, é um critério objetivo de cientificidade, é isso, acho. A outra alusão retirei lá da "Autobiografia Intelectual do Popper, que saiu entre nós pela editora Cultrix ainda lá nos 1980. Abraços, s.
Gentil filósifo:
.a estou contigo quanto à refutação. Penso ser popperiano também considerar que mesmo as teorias que não receberam refutações letais podem estar aguardando novos testes que poderiam levá-las a sucumbir. Por exemplo, um hádron poderia vir a ser tido como um íncubo, sei lá. E mudar tudo, não apenas o mundo subatômico.
.b Popper comunista: foi com alegria e tristeza que li teu registro sobre a "Autobiografia Intelectual" de nosso festejado autor. Também a li, lá pelos idos de, digamos, 1987 ou 1988. E amei o título original (?): Unended Quest. Não apenas esqueci quase tudo o que li, mas também o livro evaporou-se. Pois não é que, anos depois, em 22/fev/2011, em plena Lisboa, encontrei a "Busca Inacabada; autobiografia intelectual". Claro que a adquiri e li, con gusto, declarando a leitura concluída aos 24/out/2011. E mesmo agora não lembro deste detalhe sobre comunismo. Mas juro que vou colocar este exemplar exemplar em minhas releituras do feriadão!
Abçs do incansável discípulo (que pede cachaça)!
bem, posso está errado, como sempre, o meu registro é de memória dos 1980, mas sugiro o capitulo sobre o jovem marxista e a migração da Nova Zelândia para LSE, ou algo assim, boa leitura e, se for o caso, corrija-me. Grande abraço, s.
Estás aí, filósofo? Neste meio tempo, comecei a olhar o livro de Portugal e, pimba!, tá lá mesmo: o filósofo britânico foi mesmo comunista. Em meu livro: página 54, capítulo 8, última frase do quarto parágrafo: "Durante dois ou três meses, vi-me como comunista". Era um jovem de 17 anos.Talvez meu comentário revelando não ter fixado este detalhe seja que meus cálculos/testes concluíram que três meses não é significantemente diferente de zero, hehehe.
DdAB
para alguns rótulos segundos são séculos, e nada mais refuta. Grande abraço, s.
Querido S.
Já estamos no 23 de abril e apenas agora é que voltei aqui. Deveria tê-lo feito antes, com essas ẽnclises que não querem abandonar-me. Percebi que minha interpretação dos três meses, por demagógica que eu tenha intentado fazê-la, saiu ao contrário: queria dizer que, no final das contas, tinhas razão, a memória não te traiu. A minha fê-lo, ok, ok, a minha traiu...
E, para amenizar o espetáculo da leitura, cito, de memória, outra pérola da literatura infantil. Vão-se agora, talvez, 60 anos. Estava eu morando em Campo Grande. Lia a revistinha Batman. Eis que ele e Robin foram levados (não lembro por quem, algum malfeitor intergaláctico) a um planeta distante. Eles tiveram aventuras combatendo o crime por cerca de quatro horas. Mas, ao voltarem à Batcaverna, notaram que se haviam passado apenas quatro segundos. Não disse que meu filósofo conhece todas as danças de todo o passado, todo o presente e, talvez também, todo futuro.
DdAB
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