21 fevereiro, 2017

Uma Fila de 50 Anos


Querido diário:

Ao voltar de minha estada de cinco anos na Inglaterra, cheguei à Rua Demétrio Ribeiro, em Porto Alegre, com ganas de contribuir para a articulação das ações comunitárias. Deparando-me com filas enormes nos bancos, e conhecendo aquela praxe inglesa de não deixá-las crescer, convocando mais funcionários que -otherwise- estariam fazendo serviços administrativos, escrevi a cartinha que segue, endereçando-a a um gerente. Não lembro se a remeti.

Gerente.001
Prezado Gerente:
Dei-me conta de ter ido um pouco além de minhas chinelas, ao sugerir que posso pensar por ti o que fazer para resolver o problema das filas nos bancos do país. Meus primeiros pensamentos são óbvios: estudar matemática, pois sempre que não sabemos o que fazer, é bom estudar algum teorema que nos dará a resposta. Fácil, não? A questão consiste em criar uma forma de não considerar a afluência de público um mal e sim um bem. Ela tem que reverter para fortalecer as relações bancário-cliente e não enfraquecê-las, fortalecendo apenas o lucro do banqueiro.

Nosso problema tem uma formulação matemática tradicional, chamada de teoria das filas. A essa teoria voltarei abaixo. Por enquanto, preciso dizer outras coisas, para qualificar o que quero dizer. Primeiramente, não sou contra seu, ainda que considere que toda a atividade bancária deveria ser estatizada, ou pelo menos o setor público deveria controlar a toda. Com isso, evitaríamos, por exemplo, as contas-fantasmas, que tanta dor de cabeça deram (e espero não deem mais) a nossa sofrida república. Evitaríamos também, como fui testemunha ocular anos atrás, que um gerente de banco privado envolvesse todo o sistema financeiro nacional em uma fraude de proporções, feliz ou infelizmente, tão pequenas que tal sistema não foi abalado, mas a fraude durou alguns meses.

Na verdade, como professor universitário, imagino que recebo um tratamento bastante inferior ao que este banco dá a seus próprios funcionários. Por exemplo, com o que ganho, não tenho a menor possibilidade de ser um cliente especial, eu que me tenho em tão alta conta. Com efeito, para elevar-me também aos olhos de seu banco, eu precisaria de uma caderneta de poupança com um depósito de cerca de três vezes o que ganho em um mês. Não quero, com isto dizer, que sou inferior (nem tampouco superior aos funcionários). Talvez a oportunidade me permita dizer que ouço a queixa de alguns segmentos da sociedade de que os funcionários do banco ganham remunerações extremamente mais elevadas do que as dos demais funcionários públicos (meu caso) ou de bancários privados. A esta queixa, minha resposta vai até certo ponto em favor dos funcionários dos bancos estatais: não são vocês que ganham muito, e sim os bancários do setor privado e eu que ganhamos pouco. Ademais, acredito que se a sociedade organizada desejasse sinceramente fazer algo contra as remunerações excessivas de quem quer que seja (e.g., empresários privados, marajás, políticos, e por aí vai), esta atuaria no sentido de reduzir-lhes os ganhos via imposto de renda e não de uma campanha de redução de salários e vencimentos.

Passemos novamente à questão das filas, sem entrar, ainda em sua teoria. Acho que vocês têm em comum com os demais membros da classe trabalhadora do país alguns interesses. Um deles, que acabaria com filas, mas que aparentemente está fora de seu, Sr.Gerente, controle imediato, consistiria em lançar uma campanha tipo: Bancos 12 horas, por oposição à já existente do Banco 24 horas. Isto quer dizer: se os bancos estivessem abertos ao público por 12 horas, talvez as filas se diluíssem naturalmente: a fila do horário da abertura às 10h da manhã, e outras filas localizadas.

Com isto, ganharia a sociedade brasileira um número bastante expressivo de novos empregos, ela que tanto se ressente de volumes verdadeiramente estonteantes de desempregados. Não creio exagerado otimismo pensarmos em que diretamente haveria mais entre cerca de 50-75% de empregos, o que significaria um número expressivo de pessoas passando a dar contribuição muito mais digna para a geleia do trabalho social. Esta campanha, acredito, não seria muito difícil de V.S. tentar passar a seus colegas bancários, via sindicato ou outra instituição similar.

Em qualquer caso, acredito que haveria filas localizadas em momentos de pique. Vislumbro como períodos de pique algumas horas do dia, (e.g., a hora do lanche dos demais trabalhadores, o dia da folha de pagamento de uma instituição com um número enorme de funcionários, o último dia do prazo para o pagamento de um imposto, etc.). Para tratar delas foi que me dirigi a V.S., por estar inconformado com a perspectiva de perder cerca de meia hora de meu dia à espera, quando havia sete guichês de caixas ociosos. Acho evidente que, se trabalhassem, digamos 12 caixas abertos durante as 12 horas do dia, não haveria filas e, ao contrário, haveria muita ociosidade em várias delas. Isso pode ser calculado: quantas pessoas um funcionário-caixa atende, quantos minutos leva-se para dar vencimento a uma fila de cinco metros, etc.

Naturalmente, a fila de cinco metros seria exaurida em segundos se tivessem afluído às sete caixas vazias sete funcionários treinados, de modo que estes poderiam estar fazendo serviços internos na maior parte do tempo, sendo chamados para o atendimento emergencial sempre que a fila atingisse, digamos, 1.2 metros.

Acredito, mesmo, que um indicador importante da performance bancária deveria ser precisamente o tempo de espera nas filas, sendo considerada má performance algo em torno de 2 ou 3 minutos. E bancos que não conseguissem oferecer isto a seus clientes deveriam ser penalizados pela sociedade, de modo que seu lucro (praticamente financiado pelo tempo dos clientes que o perdem em filas) seria transferido a mais trabalhadores via empregos ou a consumidores via redução de tarifas (e.g., emissão de cheques, emissão de extratos de contas, etc.).


Temos ainda a questão das externalidades: se todo o sistema funcionar melhor, e.g., os cheques forem compensados no dia do lançamento, mais pessoas vão usar cheques e menos pessoas virão ao banco. O mesmo com usar mais o correio para valorizar a questão de pagamentos de contas de pequeno valor com cheque pelo correio e não no banco, etc., e particularmente, os de luz, telefone, etc.

Fim da carta ao banco.

DdAB
P.S. Também pensei em outras iniciativas:
.a campanha com a indústria de alimentos para tirar o açúcar e reduzir a gordura, e informação ao consumidor.
.b botar todo este tipo de correspondência e assemelhadas em um mural de meu edifício.
.c fazer uma campanha pela moralização do trânsito (maus motoristas, maus automóveis, má sinalização, má fiscalização e más ruas e estradas).
.d fazer uma campanha promocional para montar uma carrocinha de cachorro-quente com distribuição gratuita aos interessados, especialmente direcionada para as populações despossuídas.
.e por analogia, se houver sucesso, expandir para:
Campanha de Guerra à Fome e Pobreza. Brigada Militar mobilizada para alimentar, nutrir e criar condições higiênicas de habitação.

P.S.S. A imagem é daqui.

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