22 fevereiro, 2017

Kenneth Arrow e os Seguros Generalizados

Querido diário:

Ontem, fiquei sabendo no mural de Flávio Comim, no Facebook, que morreu Kenneth Arrow. Fiz um comentário dizendo que o economista americano, ganhador do prêmio Nobel da área em 1972, ano em que, como sabemos, ganhei o título de bacharel em ciências econômicas. Ele beirava os 52 anos e eu, os 25.

Inseri-me entre os comentaristas da postagem de Flávio. Como acabo de demostrar, a postagem não era minha e sim do prof. Comim, o que me forçou a procurar brevidade from scratch. Falava-se do pouco que se estuda o pensamento dele, Arrow, na formação básica do economista. Eu disse algo como: ele será lembrado nem tanto pelo nome, mas por contribuições que abalaram os alicerces da economia, resultando em mais solidez e, claro, alguma indeterminação.

Dei como exemplos as contribuições para a teoria da escolha social e -reproduzo- "o inesquecível artigo (difícil pra burro) do learning by doing." Segui lendo os comentários de Flávio e de novos comentaristas, até que falou-se da contribuição para a teoria dos mercados de seguros, ou seja, do tratamento do risco. Vou falar mais disto, é o que desejo com esta postagem. Em outras postagens no blog, localizáveis por seu próprio motor de busca, falo nele em diversos momentos, às vezes de modo oblíquo e outras tantas, de modo frontal.

Então agora vou falar da teoria do equilíbrio geral, pois ela resulta na concepção arrowiana de seguros generalizados. Pois lá no mural do Comim, fala-se haver uma disciplina no/s curso/s de economia da/s faculdade/s da av. João Pessoa, 52. Seu nome é "economia política" e parece que ensina-se "economia política marxista", naturalmente uma redução de escopo absolutamente indesculpável. Esse atropelo às taxionomias do JEL é talvez justificável pela evolução das ideias sobre o ensino de economia no Brasil, pois queria-se, em tempos pré-cabralinos, com o ensino de 60 horas de economia marxista, fazer frente às 240 horas de ensino de micro-macro. Oslt, claro.

Da economia marxista, aprendemos que o mecanismo fundamental do funcionamento das economias capitalistas é a concorrência. E a própria palavra "concorrência", usada para traduzir o termo "competition" do inglês tem um bom pedigree, eis que acredito que os primeiros tradutores daqueles novos livros (diferentes dos franceses) que nos chegavam lá pelos anos 1950s para o ensino introdutório de economia eram, eles próprios, comerciantes, banqueiros, ou, no dizer moderno, empresários. Mas muita gente passou a associar a palavra "concorrência" com uns riscos num pedaço de papel ou em giz no quadro-negro. E passou a odiá-la, como se odeiam as disciplinas ensinadas sem amor. E o amor vem quando passamos a entender que modelo é uma simplificação da realidade e, portanto, um modelo não "espelha" a realidade, que é  alta e proibidamente incapturável pela mente humana. No caso daquele por muitos desprestigiado modelo da "concorrência perfeita", o que ocorre é que a maior previsão dele é absolutamente a mesma da economia marxista: no longo prazo preços e custos tendem a igualar-se. É a lei da concorrência!

Eu, felizmente, desqualificado intelectualmente para voos mais interessantes, já fui logo misturando tudo o que estava aprendendo. Como disse o prof. Flávio, em um daqueles momentos de bondade com relação a minha pessoa, valorizo tanto "marginal" quanto "mais-valia". A verdade é que dificilmente terei lido algo que não tentei encaçapar naqueles outros milhares de algos que vão crescendo em minha cachola. No caso, pensei que "se tem concorrência num mercado e em outro mercado e em um terceiro, tem que ter um concorrencião valendo para todos os mercados." Depois vim a entender (pois não cheguei a aprender isto na faculdade, mas apenas dois ou três anos depois já estudando em nível de pós-graduação) que falávamos de equilíbrio geral. E que sobre essa minha constatação juvenil poderíamos acoplar uma teorização adulta: a teoria do equilíbrio geral. Esta, também a meu ver, tem como precursores Marx (1818-1883) e Walras (1834-1910) e depois, meus dois grandes ídolos Wassili Leontief (1906-1999) e Richard Stone (1913-1991), fazendo-se suceder por Andrew Brody (nome original em húngaro é algo como András Brody. Achei isto aqui, que nem fala no livro difícil para mim, mas que tanto estudei que cheguei a adorar, seu "Proportions, prices, and planning", eis que cheguei a ele na frenética busca do entendimento do sistema de preços do modelo de Leontief. E ganhei muito mais que apenas isto, permitindo-me também eu endeusar aquela viagem de "marginal" e "mais-valia").

Pois então, quando começamos a modelar coisas na linha desses gigantes do pensamento econômico (expressão que copiei e Maurício Coutinho), parece óbvio que estamos pensando que o sistema econômico em que vivemos é mesmo esse de carne e osso e que, no final do dia, todos os mercados, os milhões de mercados que abriram de manhã e encerraram no final da tarde (e todos os que abriram de noite e não fecharão de manhã, mas -bem atijolados- podem ser pensados como tendo um horário de fechamento de balanço), todos os balanços dessa turma toda, mostrou que tudo o que foi vendido igualou tudo o que foi comprado. Esta dualidade básica da vida econômica é desprezada por muitos economistas -insiro o termo agora- heterodoxos, inclusive alguns que entendem aquela "economia política" como "economia marxista".

Então: pensarmos num mundo de miríades de mercados que se mexem em torno de miríades de posições de equilíbrio, com alcances parciais e fugas obrigatórias, coloca-nos ao lado dos gigantes, deixando de lado talvez alguns outros gigantes, mas muito -muito, muito, muito- pigmeu. Pois.

Pois voltamos a Kenneth Arrow e à publicação de Flávio Comim. Eu, que falara em equilíbrio geral e na "economics of learning by doing", omiti a contribuição sobre os mercados de seguros. Mas talvez seja a mesma contribuição da própria teoria do equilíbrio geral (e nem falei nos modelos de equilíbrio geral computável, que seguem Walras, Marx, Leontief e Stone, além do "jovem" Leif Johansen) que me leva ao que considero a mais revolucionária de todas as formas de criarmos utopias sobre um futuro humano mais igualitário. Primeiro, falei que o capitalismo acabou há mais de 15 dias. Segundo, Fernand Braudel disse que a instituição mercado é uma curva envoltória de vários sistemas econômicos, culminando com aquele que acabou há mais de 15 dias, o sistema que o sucedeu e o que sucederá este em que vivemos e o que o sucederá, se não houver contratempo. Se fugirmos do planeta antes do colapso do sol, aquelas coisas de bar e de hospice.

Então, pois então. Kenneth Arrow disse que podemos conceber mercados inclusive para transações que apenas vão ocorrer no futuro. A mais óbvia destas é o risco: pode ser que minha casa pegue fogo daqui a 24 dias. E faço um seguro, a fim de -caso esta baixaria ocorra- volte-me algum dinheirinho, de sorte a permitir-me fazer outra. E podemos pensar em outras, com dificuldades que podem ser superadas, como o mercado de seguros fez para o risco moral (franquia) e a seleção adversa (carência). E fará outras, por exemplo, um seguro contra o desemprego, outro seguro contra a intensidade com que nos dedicamos ao trabalho, um seguro contra escorregão em casca de banana daqui a 24 anos, e por aí vai. Seguros para tudo, seguros contra ofensas no ônibus, contra bolada na praia, contra cachorro-quente estragado, contra cachorro-vivo mordedor, tudo o que podemos imaginar, mais nave que empaca na hora de abandonar o planeta, sei lá.

Será que Braudel tem razão? Será que Arrow tem razão? Será que tenho razão? Sim, sim, sim.

DdAB
 Quem tiver interesse em seguir nestas minhas viajações pode procurar no motor de busca de meu blog o próprio nome de "Arrow", que tem coisas interessantes para o clube dos igualitaristas.

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